Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA IV CONFERENCIA MUNDIAL DA MULHER.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. FEMINISMO.:
  • PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA IV CONFERENCIA MUNDIAL DA MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/1995 - Página 138
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. FEMINISMO.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PARTICIPAÇÃO, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, MULHER, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, RESULTADO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DEMONSTRAÇÃO, PROGRESSO, CONSCIENTIZAÇÃO, MUNDO, RELEVANCIA, IGUALDADE, PARTICIPAÇÃO, MULHER, SOCIEDADE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, BRASIL, INCENTIVO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, BUSCA, FORMA, OPORTUNIDADE, ACESSO, MULHER, DEMONSTRAÇÃO, COMPETENCIA, VONTADE, CONTRIBUIÇÃO, PAIS.

A SRª EMÍLIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o objetivo da minha presença na tribuna, nesta tarde, é trazer a V. Exªs alguns dados referentes a nossa participação na IV Conferência Mundial da Mulher. O nosso relatório, elaborado em conjunto pelas treze parlamentares que integraram a comitiva oficial, foi concluído e entregue aos Presidentes da Câmara e do Senado. Eu gostaria, para que fique registrado nos Anais da Casa, de me referir a alguns tópicos que consideramos importantes.

Inicialmente, eu me senti profundamente prestigiada e comprometida, representando o Senado Federal, juntamente com as Senadoras Benedita da Silva e Marluce Pinto, além das dez deputadas federais que integraram a delegação brasileira.

Estivemos de 4 a 15 de setembro na Conferência Mundial da Mulher, que reuniu cerca de 35 mil pessoas. Representantes de 189 países filiados à ONU e cerca de 2.500 Organizações Não-Governamentais participaram da conferência oficial e do fórum das entidades não-governamentais.

Conhecemos uma cidade que realmente reflete o rápido processo de transformação e crescimento da China nos últimos anos. O fascínio daquela capital, Beijing, vai além da beleza harmônica de seus palácios e templos ou da grandeza de sua muralha. Ele está, sobretudo, no convívio de uma cidade moderna e movimentada com as tradições milenares e as qualidades humanas de seu povo.

Chefiando a delegação brasileira, como todos os senhores sabem, a Primeira Dama do Brasil, Ruth Cardoso, em seu discurso, afirmou os avanços conquistados pelas mulheres brasileiras, especialmente na Constituição de 88, mas também deixou claro que agora é preciso incorporar esses direitos à realidade do dia-a-dia.

Entendemos que a Conferência foi a maior reunião já promovida pela Organização das Nações Unidas e o maior evento realizado na China.

A participação das parlamentares foi fruto de uma intensa preparação anterior, realizada em reuniões ocorridas na Guatemala, no Parlatino - em São Paulo, em Nova Iorque e até mesmo nos nossos Estados, onde muitas parlamentares tiveram oportunidade de participar.

Houve um dia fundamental, Dia das Parlamentares, 7 de setembro, quando ocorreu uma reunião das Parlamentares de todo o mundo, em que se discutiu a forma da implementação da Plataforma de Ação Mundial da IV Conferência, através da atuação legislativa. Também houve reuniões do Parlamento Latino-Americano no dia 9. Essas reuniões foram muito interessantes, porque traçamos propostas de continuidade de atuação. Tivemos participação, no plenário da Conferência, em vários momentos, e em diversos grupos de consulta sobre saúde e direitos reprodutivos, direitos humanos, e contatos e discussões com parlamentares, principalmente da América Latina.

A delegação brasileira foi coerente com a construção de sua posição elaborada desde 1993, com a participação da sociedade civil.

As delegações de governos da América Latina não se estruturaram em blocos de países. As representações das parlamentares, no entanto, articularam-se em ação e intervenção, estreitando e aprofundando os laços que unem parlamentares da América Latina.

Cumpre ressaltar a atuação da União Européia, sempre atuando em bloco, com posições muito bem definidas ao longo do processo preparatório.

Mas o importante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que a Declaração e a Plataforma de Ação Mundial, aprovadas na IV Conferência Mundial da Mulher, mostram claramente que o avanço da consciência mundial sobre igualdade, justiça e direitos humanos, à luz da perspectiva de gênero e da desigualdade entre os sexos, foi consolidado.

A situação das mulheres passa a ser parâmetro para medir o grau de democracia e de vigência da justiça nos mais diferentes países.

É importante que se chame a atenção para o fato de que o avanço dos fundamentalismos religiosos e de posturas conservadoras ficou muito claro, e isso nos preocupou profundamente: 41 países fizeram reservas majoritariamente aos parágrafos referentes à sexualidade. Porém, isso não impediu que se aprovasse um texto da Plataforma com importantes compromissos firmados, referindo-se aos direitos reprodutivos, à liberdade quanto à vida sexual e reprodutiva, ao reconhecimento da existência da família em "suas diversas formas", bem como ao direito das crianças e adolescentes à informação sobre sexualidade, com respeito à confidencialidade, "preservados os direitos e deveres dos pais".

Não se retrocedeu - e isso é importante - em relação a outra conferência realizada há 10 anos no Cairo. Os países mantiveram a sua postura de, gradativamente, reverem as suas legislações.

Além desses temas, aos quais era dado um enfoque específico, as discussões também se deram em torno de temas, tais como conflitos armados, ameaça nuclear, meio ambiente, migrações, pobreza e desenvolvimento econômico, o que mostra, efetivamente, que a agenda dos grandes temas mundiais é a agenda das mulheres.

Nós estamos plenamente convencidas de que a participação das mulheres em condições de igualdade com os homens, em todas as esferas da sociedade, inclusive nas esferas de poder e de decisão, são fundamentais para a conquista da igualdade, desenvolvimento e paz. Os governos comprometeram-se a implementar a Plataforma de Ação e a garantir que todas as suas políticas e programas de ação reflitam uma perspectiva de gênero.

Além disso, a plataforma aborda importantes questões e traz objetivos estratégicos para cada uma delas e medidas propostas para o alcance das situações analisadas. Trata-se de documento muito amplo, que compreende posições, culturas, estágios em países de todo o mundo, dando a impressão, numa primeira análise, de ser documento, até certo ponto, repetitivo.

Há um capítulo que consideramos muito importante, que se refere aos objetivos estratégicos e medidas recomendáveis. Nele estão definidos compromissos de combate à pobreza, de igualdade no acesso a emprego e trabalho, crédito, propriedades e herança. Trata da educação, da saúde, do meio ambiente, da mídia, de mecanismos nacionais, de questões específicas da menina, de acesso ao poder e aos centros decisórios e de compromissos dos organismos internacionais.

As questões básicas referem-se à discriminação da mulher nos âmbitos de decisão. Entendemos que o Congresso Nacional, aprovando a possibilidade de quota na participação eleitoral, já dá um passo adiante e um exemplo ao restante das nações. A violência contra a mulher é um desrespeito aos direitos humanos. Os países precisam tomar medidas adequadas em nível local, nacional e internacional para combatê-la. É algo que precisa ser profundamente revisado.

Um assunto praticamente novo, que surgiu nessa Conferência, é o reconhecimento do valor do trabalho não remunerado da mulher. Busca-se, realmente, medir a contribuição da mulher na economia nacional e minimizar a sua carga de trabalho, estimulando a participação dos homens, inclusive, nessas tarefas e a implementação de equipamentos sociais, como creches e serviços para idosos.

O respeito aos direitos reprodutivos também foi um assunto bastante discutido. Logicamente houve alguns países discordantes, mas conseguimos inserir como item na Plataforma de Ação que os países se obrigam a respeitar os direitos reprodutivos, implementar serviços de planejamento familiar com respeito à livre decisão dos casais e dos indivíduos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisamos urgentemente discutir e decidir o que vai ser feito neste País para impedir o que estamos vendo a todo momento nos jornais: a esterilização de mulheres no Nordeste é a maior do mundo. Queremos que haja respeito em relação à vida e às pessoas; que haja um planejamento familiar definido, em que homens e mulheres decidam o que é melhor para si e suas vidas.

Outro item importante foi o reconhecimento do aborto como um problema de saúde pública, recomendando aos países que revisem suas leis que penalizam as mulheres que fizerem abortos ilegais. A Câmara dos Deputados está à frente e já aprovou, na Comissão de Seguridade e Família, um projeto que obriga o Estado, através do Sistema Único de Saúde, a atender com segurança mulheres que passam por esse problema.

Chamamos a atenção para a importância que se deve dar aos programas de atenção especial às meninas, cujos problemas sabem, profundamente, todos os senhores.

Enfim, é preciso que todos os legisladores e todas as legisladoras tomem conhecimento do conteúdo da Plataforma de Ação e, consoantes com nossas legislações e problemáticas específicas, elenquemos as prioridades para o enfrentamento imediato.

Nesse sentido, caberá a nós, Parlamentares Federais, encaminhar e aprovar propostas legislativas ainda necessárias para que a discriminação da mulher não tenha acolhida legal neste País.

É com esse sentimento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que destacamos alguns aspectos que ainda constam nas nossas legislações brasileiras e que precisam da atenção dos Srs. Parlamentares.

Temos problemas de legislação. Os Códigos Civil e Penal ainda têm artigos que precisam ser mudados. Itens constitucionais que não foram regulamentados. Também a CLT tem de mudar e, segundo recomendações internacionais, incorporar o assédio sexual como crime no campo do trabalho e do ensino.

Existe um programa instituído pelo Governo, o PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, que ainda não atende plenamente as necessidades. Os índices de mortalidade materna, de cesárias e de esterilização são assustadores no nosso País.

É importante destacar, nesta questão, o compromisso brasileiro com o PAISM, expresso nas palavras da Primeira-dama, em seu discurso:

      Conseguimos desenhar políticas governamentais inovadores, como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, cujos princípios são os mesmos que inspiram as diretrizes da Conferência do Cairo, voltado para o atendimento da mulher em todas as fases de seu ciclo vital, com ênfase no respeito aos direitos reprodutivos. A implementação dessa política é, para nós, um desafio, uma prioridade e um compromisso.

No momento desse pronunciamento da Srª Ruth Cardoso, ela assumia oficialmente, como chefe da Delegação, o compromisso deste País com esse programa que consideramos importante. Juntos, precisamos lutar para que, no Orçamento que está sendo discutido, sejam colocados recursos. Caso contrário, esse programa não irá atender aos objetivos a que se propôs.

A necessária mobilização de Senadores, homens e mulheres, Governo, sociedade, entidades privadas, não-governamentais, enfim, é que realmente vão fazer com que a violência contra a mulher, a discriminação, que é um dos mais graves problemas no Brasil, se transforme naquilo que foi o nosso tema central: igualdade, desenvolvimento e paz.

Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, teríamos muito mais a lhes contar. O certo é que teremos de buscar formas que dêem oportunidade, acesso e condições à mulher para que possa demonstrar a sua competência e vontade de contribuir.

Divulgaremos aqui pesquisas que afirmam a discriminação contra a mulher em todo o mundo. Hoje, ficamos com esta que saiu na Folha de S. Paulo do dia 1º de outubro, que concluiu: "As mulheres são mais críticas e pessimistas".

Estamos atentas ao que passa em nosso País. Queremos alertar que o gradativo crescimento da pobreza atinge diretamente as mulheres e as crianças. Só isso basta dizer para que cada um dos Srs. Senadores tenha a sensibilidade natural e própria de cada ser humano para ver que a luta pela igualdade é de homens e de mulheres.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/1995 - Página 138