Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO ACADEMICO AUSTREGESILO DE ATHAYDE, FIGURA MARCANTE DA VIDA CULTURAL BRASILEIRA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO ACADEMICO AUSTREGESILO DE ATHAYDE, FIGURA MARCANTE DA VIDA CULTURAL BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/09/1995 - Página 16485
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, AUSTREGESILO DE ATHAYDE, ACADEMICO, PERSONAGEM ILUSTRE, CULTURA, BRASIL, JORNALISTA, EX PRESIDENTE, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srª Laura, Sr. Roberto e Sr. Antônio Vicente, filhos do saudoso Austregésilo de Athayde, Dr. Arnaldo Niskier, representante da Academia Brasileira de Letras, Dr. Paulo Cabral, representante dos Diários Associados, minhas Senhoras e meus Senhores, o Senado da República preserva a tradição de exaltar a memória dos brasileiros notáveis, daqueles vultos mais ilustres e invulgares deste Brasil gigante. Enquanto assim procede, mantém viva a prática de momentos como este, afirmativa de que a história do País não será algo esquecido na poeira ou no desprezo do tempo.

Reunimo-nos hoje para lavrar nos Anais da Casa a homenagem ao Acadêmico Austregésilo de Athayde, desaparecido de nosso convívio na véspera de seu século, discorrendo, brevemente embora, sobre as reminiscências de sua vida prestante, sobre o precioso legado de seus exemplos e de suas obras.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde nasceu no dia 25 de setembro de 1898, na cidade pernambucana de Caruaru, filho do Desembargador José Feliciano Augusto de Athayde e de Dona Constância Adelaide Austregésilo de Athayde. Contava apenas 6 meses quando a família transferiu-se para o Estado do Ceará, onde completou o curso primário na escola municipal de Cascavel.

Cursava o secundário no Seminário da Prainha, na Cidade de Fortaleza, começando aí os estudos direcionados ao sacerdócio, quando, completado o terceiro ano de Teologia, mudou-se para o Liceu do Ceará, passando a lecionar, no exercício seguinte, nos Colégios Cearense e São Luís.

Como se vê, atraiu-lhe, sem êxito, a vida religiosa. Aos 18 anos, nele aflorava um aguçado senso crítico, e a multiplicidade de pensamentos e idéias, que fervilharam em sua mente, reclamavam divulgação e debate. Abandonando a antiga vocação, desde esse tempo parecia seduzido pelas Letras e pela força do Jornalismo.

Em 1918, transferindo-se para a Cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, cursou a Faculdade de Direito, diplomando-se quatro anos depois. Lecionou e iniciou-se na atividade jornalística. Foi professor do Instituto Maurell da Silva, no ano de 1920 e do Curso Normal de Preparatórios, do ano seguinte até 1923. Realizava traduções para a Associated Press e redigia para a United Press, em 1919, quando começou a trabalhar em A Tribuna, nela chegando ao cargo de diretor-secretário.

Percorreu todas as posições da difícil carreira e, no ano de 1921, era crítico literário do Correio da Manhã e colaborador da Folha, participando ainda da organização de O Jornal. Em 1924 trabalhava diretamente com Francisco de Assis Chateaubriand nesse periódico, participando da criação dos Diários Associados, organização cuja chefia viria a assumir em 1925, até receber a direção do Diário da Noite, da mesma cadeia de comunicação.

Iniciara, nessa época, a redação de seus livros e, numa avaliação característica de sua modéstia, julgava que lhe eram escassos os méritos comumente atribuídos aos escritores de renome. No entanto, preservara na realidade o menor dom, transbordava de orgulho pelo atributo maior de ser jornalista, que a tanto autorizavam a larga experiência e a titularidade exclusiva de sua coluna permanente no Jornal do Commercio.

Jornalista, essencialmente, em toda a sua vida produziu um número reduzido de obras literárias, entre elas destacando-se Quando as hortênsias florescem (1921). Os outros livros de sua autoria, menos conhecidos, foram Histórias amargas, contos, do mesmo ano; A influência espiritual americana (1938); Fora da imprensa (1948); Mestres do liberalismo (1951); Na Academia (1952), antologia de discursos pronunciados na Academia Brasileira de Letras; Vana Verba, coletânea de artigos para O Cruzeiro (1966); Epístola aos contemporâneos (1967), Vana Verba - conversas na Barbearia Sol, memórias de 1971 e Vana Verba - Alfa Centauro (1979).

Austregésilo de Athayde faleceu em 13 de setembro de 1993, após 3 semanas de agonia, hospitalizado que estava para medicar invencível pneumonia. Era viúvo de Dona Maria José de Queiroz Autregésilo de Athayde desde 1984. Com ela vivera mais de meio século, resultando desta união os filhos Laura, crítica literária; Roberto, dramaturgo; e Antônio Vicente, executivo do Canal Globosat de Televisão a cabo.

Praticara o jornalismo diário por mais de 70 anos, alcançara a imortalidade em 1951 e elegera-se Presidente da Academia Brasileira de Letras desde 1958, por 37 vezes consecutivas. Morto, os seus pares tributaram comovedora homenagem ao Acadêmico-Presidente. A essa sessão histórica nos reportamos nesta oportunidade, pois que se trata de nela ser traçado o perfil mais autêntico de sua personalidade, tão complexa quanto fascinante.

Marcos Vinícios Vilaça, confessando "profunda saudade", disse sentir "orgulho de Athayde, um nordestino pleonástico", pois "se não lhe bastasse nascer em Pernambuco se criou no Ceará".

E prosseguiu: "Guardo dele uma memória e uma impressão essencial: a do velho dominado por um estado matinal de espírito. Esse estado matinal de espírito, penso eu, pode ser retratado na relação orgânica dele com a Academia, que eu não sei onde termina uma e onde começa o outro, daí por que penso, modestamente, que essa vivificação da Academia no final do século é muito Athayde por conta de Machado. O amor dele por Renan, continua nosso companheiro Vilaça, a admiração que tinha por Renan explicam muito do seu dia-a-dia, da sua fé, da sua dedicação, a partir daquela sentença renaniana quando lembrou que a Nação é o plebiscito de todos os dias. A Academia foi renanianamente para Athayde o plebiscito de todos os dias".

Vilaça, a propósito, acrescentou artigo do Acadêmico José Sarney ao seu depoimento, no qual Austregésilo de Athayde é identificado como a "unanimidade" em "país tão dividido, tão avesso à coesão, tão arredio do respeito às pessoas e às suas vidas", e lhe atribuiu a qualidade de "símbolo nacional" e dos "valores espirituais, da inteligência, da cultura, da lucidez e da erudição".

E acrescentou ainda o Presidente Sarney: "Os anos de seminário, no começo da vida, deram-lhe uma sólida base humanística com que construiu uma extraordinária soma de conhecimentos que iam da filosofia e história, até os domínios da filosofia, da literatura e das artes. O jornalismo foi o meio de expressão literária que escolheu para ser o pensador e o escritor. Seu estilo era despojado e denso de conteúdo. O texto conciso, mas mesmo assim pleno de contribuição, dos conhecimentos, tinha começo, meio e fim. Durante setenta anos, sem uma falta, todos os dias, freqüentou seu espaço nas páginas do seu jornal. Sua obra é vasta e rica, sendo uma crônica do nosso cotidiano e perplexidades. Nunca foi um jornalista de costumes nem de circunstâncias. Era um pensador."

Para Ledo Ivo, Austregésilo de Athayde "foi o Acadêmico perfeito".

"Conhecedor profundo da Bíblia, dos trágicos gregos e de Shakespeare, versado em grego, latim e aramaico e em várias línguas modernas, Austregésilo de Athayde trouxera do seminário a vasta cultura humanística que lhe dava autoridade e representava uma das seduções de seu convívio de grande letrado. Mas não eram apenas os seus amigos e companheiros de Academia que tinham acesso a esse rico e vistoso patrimônio espiritual. Em seus artigos de jornal, espelhos incontáveis dos dias que passam, das nossas perplexidades intestinas e das inquietações e esperanças do universo, Austregésilo de Athayde sabia utilizar-se, no instante certo, dessa larga experiência de leitura que compendiava a experiência e a imaginação dos séculos e dos milênios. O antigo seminarista se aproveita das ocorrências mais efêmeras para difundir verdades ou ficções eternas."

Oscar Dias Corrêa, falando também em nome de Bernardo Elis, reconheceu em Austregésilo de Athayde "uma vertente, divisa de eras: antes e depois dele".

"Nele vi a própria Academia, que com ele se confundiu há cerca de quatro décadas. Encarnou-a, vestiu-se dela, incorporou-a a si próprio, entregando-se a ela de corpo e alma numa integração incindível e inconsútil; a tal ponto que a imortalidade de um se fundiu na imortalidade do outro".

"E de tal forma se uniram que, se em Machado de Assis se honra o fundador, em Austregésilo se consagra o consolidador, o realizador, votado, permanente e ativamente, ao seu serviço, dedicado, com todas as forças, à obra de engradecê-la".

"Dia após dia, sem falha, nem folga, nem fadiga, viveu o sem tempo nesta Casa. Deu-lhe os frutos da maturidade e não permitiu que a velhice - que só pode ser a do corpo, se o espírito não morre e, assim, é intemporal - lhe vencesse a lucidez, que conservou até o instante derradeiro".

"Relembro-lhe as glórias, que ele repetia - e por que não faria, se eram deles e nossa, de sua gente de todo o Brasil: O orador do Teatro Santa Isabel, em Recife; o jornalista dos artigos diários; e o orador do Palais Chaillot, colaborador ativo da obra maior da liberdade, da dignidade e da emancipação do homem, na Declaração Universal da Organização das Nações Unidas - ONU; como recordo a mansuetude da acolhida, o olhar afetuoso, o aperto de mão confortador, a reação pronta à provocação intelectual, e até o riso aberto, franco, quase espalhafatoso, diria mesmo ingênuo e simples que, algumas vezes, explodia ante o inusitado ou pitoresco; como o revejo nos momentos difíceis que a Nação tem vivido, ensaiando um conselho, buscando a solução que desejava encontrar; ou, nos últimos tempos, o olhar perdido no vazio da imensidão externa, por certo, centrado na amplidão e plenitude dos mistérios da intimidade, quando, às vezes, parecia alhear-se do mundo".

"Bastava, contudo, um toque exterior para que ressurgisse lúcido à realidade, a que estava sempre atento, reparando faltas, corrigindo equívocos, com o ar sereno de quem cumprisse missão que superiormente lhe estivesse cometida, acima das paixões e querelas".

"A imortalidade foi o seu signo. Viveu como se fosse eterno e imortal, e as horas inexoráveis nada pudessem contra ele".

Alberto Venâncio Filho assinalou que, de todos os aspectos abordados "pelos confrades, destacaria o referente ao pensamento político de Austregésilo de Athayde".

"O nosso ilustre Miguel Reale falou sobre o pensamento filosófico de Athayde, mas quero ressaltar as suas convicções liberais, como adepto fervoroso do liberalismo, que se encontravam nos seus artigos, nos seus pronunciamentos, nos seus discursos, nas suas orações".

"Ele era um conhecedor profundo da literatura clássica, de Platão, de Aristóteles, conhecia os sábios gregos, conhecia os sábios helênicos e também conhecia a fundo o pensamento dos fundadores da Revolução Americana, os autores federalistas, Madison, Jay, Hamilton e Jefferson, que citava amiúde. Foi esse profundo empenho, essa convicção altamente arraigada no seu espírito que fizeram essa grande figura de homem público trazer para a Declaração Universal dos Direitos do Homem a marca do seu espírito esclarecido".

Nélida Pinõn reconheceu que cada um dos acadêmicos "se empenha em meio à saudade, à dor, e com o socorro da memória, em tecer um retrato que faça justiça ao nosso saudoso Presidente Athayde. Acredito que neste empenho cada um faz um retrato que não é inventado, que não emerge do nosso imaginário, mas da realidade de um cotidiano que o nosso Presidente ajudou a construir em nossa companhia. É um retrato, pois que foi feito por sua própria grandeza e por suas próprias virtudes."

"Eu apostaria em dizer que esse homem teve um grande espírito conciliador, sabia que havia de ser o interlocutor dos homens para poder ingressar nos corações humanos. Esse homem, porém, era de uma extraordinária ternura, inteligente, brilhante, culto, erudito, senhor de todas essas virtudes aqui apresentadas, era capaz de visitar os corações humanos e se enternecer com eles."

Roberto Marinho escreveu artigo para O Globo, muito ao gosto, aliás, da síntese de Austregésilo de Athayde.

"Não desejo acrescentar novos comentários àquele primeiro sentimento do qual dou testemunho no jornal que eu dirijo. Nesse encontro com os seus velhos companheiros, e como o mais novo de todos eles nesta Casa, desejo apenas reiterar a fidelidade dos meus propósitos de honrar a sua convocação e sua memória. Lamento apenas que as primeiras palavras neste recinto não sejam de esperança, mas sejam de saudade."

Marcos Almir Madeira, resumindo as suas reflexões, disse que Austregésilo de Athayde "era a própria Academia".

"Esta transfusão do homem da Casa, de que falou Miguel Reale, esta conjunção de valores que aconteceu de fato entre a criatura e a Instituição pode ter um adendo, uma outra reflexão: é que o fato de ele exprimir a Academia e de representá-la vivamente tornou-a mais popular, porque popular era ele mesmo, a sua figura, a sua comunicabilidade, o seu gosto de lidar com os menores, com os humildes. De sorte que essa integração de Austregésilo de Athayde tornou-a mais popular, no que a palavra tem de melhor, a Academia se expandiu, projetou-se na comunidade, tornou-se mais pública, mais conhecida de todos."

Carlos Nejar lembrou que Austregésilo de Athayde firmara a Declaração dos Direitos Universais do Homem, "sua excelsa glória". Outra, "que eleva, honra e consola", foi ter "acordada a alma exatamente quando no mundo começa a selar-se a paz entre Israel e a Palestina".

Sobre esse conhecido episódio, devemos acrescentar que, em 1948, Austregésilo de Athayde integrou a representação brasileira à comissão da ONU incumbida de elaborar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de cuja revisão final fora encarregado, em conjunto com o filósofo e jurista francês René Cassin.

Orador convincente e irredutível na defesa de suas convicções, Austregésilo de Athayde foi o responsável pela inclusão do nome de Deus no texto final do documento, derrotando, na oportunidade da votação dessa proposta, os representantes soviéticos, que sustentavam posicionamento oposto, e dando ao documento as imprescindíveis características éticas, morais e humanísticas.

Talvez por isso, mas com certeza pela admiração recíproca originada desses sucessos, René Cassin, ao receber duas décadas depois o Prêmio Nobel da Paz, quis dividi-lo - e não pôde, evidentemente - com "o brasileiro Austregésilo de Athayde". Daí a referência de Carlos Nejar, segundo a qual o homenageado naquele dia "foi fraterno, visionário, lúcido até o fim. E tinha sede do Deus vivo. E agora possui, mesmo que o negasse, fazendo parte de seu coração imenso, a eternidade a saciá-la".

De assinalar, ainda, a mensagem enviada a Austregésilo de Athayde pelo Presidente Jimmy Carter, dos Estados Unidos da América, no trigésimo aniversário da assinatura da Declaração, dizendo de sua especial admiração ao "bom discernimento e à visão de seus autores".

"O conceito ao qual o senhor e seus colegas dedicaram-se há três décadas está gravado, mais vividamente do que nunca, na consciência da humanidade, e este marco convida-nos todos a rededicar-nos a fazê-lo progredir ainda mais, para o bem-estar geral de todos os homens".

"Em nome de meus concidadãos, acolho, com satisfação, o papel que o senhor desempenhou na redação desse importante documento, e para saudar a liderança vital do Brasil nesse empenho."

Sobre esse episódio ocorrido em 1948, quando os delegados soviéticos a ele se opuseram, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Jornal do Commmercio publicou hoje um artigo de Cícero Sandroni, muito bem escrito. Na primeira vez em que pôde vir ao Brasil, Gorbachev, na Academia Brasileira de Letras, praticamente se desculpou por essa posição tomada pelos soviéticos naquele tempo.

Sr. Presidente, peço que esse artigo faça parte integrante dos nossos Anais.

Continuando, o Presidente Carter dizia: "Espero que, através desses anos, o senhor tenha auferido satisfação cada vez maior de seus relevantes serviços prestados aos ideais da Declaração, e desejo expressar meus respeitos pela sua constante defesa dos direitos humanos, em seu próprio País e em todo o mundo."

Ao ensejo das comemorações pelo transcurso do trigésimo quinto aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Austregésilo de Athayde foi também homenageado pela Sociedade Internacional para o Desenvolvimento - SID, entidade não-governamental com sede em Roma.

Jornalista e Escritor, além de Administrador e Pensador, foi também humanista, defendendo permanentemente o liberalismo e a democracia. Presidiu a Fundação da Casa Popular e a Associação dos Amigos da Pontifícia Universidade Católica - PUC; integrou o Conselho Estadual da Cultura; foi Vice-Presidente da Liga de Defesa Nacional; membro da delegação brasileira à II Conferência Interamericana Extraordinária; membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; também do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Imprensa e membro-correspondente da Academia de Ciências de Lisboa.

Chamavam-no o "Senhor Fardão", aludindo ao rigor com que presidiu a Academia fundada por Machado de Assis, em 1896. Alguns, após o seu desaparecimento, censuraram-lhe a sovinice, ansiando, no novo tempo, descentralizar o poder da instituição e distribuir-lhe o capital duramente acumulado em ações de incentivo à cultura.

Foi acusado de ser, então, apenas "um homem de jornal", e, por isso, lá não mais se compravam livros. A Academia deveria ser "menos folclórica", tornando-se "mais pobre para ficar mais rica", numa alusão à necessidade de se incentivar a publicação de obras literárias e de se premiar condignamente os seus autores.

Lá, Austregésilo praticava a austeridade, em sua concepção superlativa, de tal sorte que recusava qualquer aumento dos jetons. À reclamação dos acadêmicos, segundo a qual o valor dessa retribuição era insuficiente para pagar o transporte que os conduzisse às reuniões, Austregésilo de Athayde respondeu com a aquisição de uma camionete, que passou a transportá-los no trecho residência-Academia, e vice-versa.

É que Austregésilo de Athayde aumentara significativamente o patrimônio da Casa - embora sequer promovesse o enterro nobre de seus mortos -, a tal ponto de se, por fina ironia, denominada de "Academia de Letras Imobiliárias".

As suas sucessivas reeleições, no entanto, indicavam o apoiamento da maioria dos acadêmicos aos métodos "capitalistas", vamos dizer assim, que empregava. Ao tempo de sua sucessão, calculava-se em cem milhões de dólares o patrimônio que deixara à Academia, compreendendo a sede, o Centro Cultural do Brasil - um prédio de vinte e oito andares, inaugurado em 1979 -, o mausoléu e cerca de quarenta outros imóveis divididos pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Inclui-se aí o Solar da Baronesa, construído no século passado na cidade de Campos, em terreno de noventa mil metros quadrados, e havido pela Academia mediante doação do Senador João Cleofas, onde Austregésilo de Athayde pretendia edificar "a maior brasiliana do mundo", que reuniria uma biblioteca especializada em livros, estudos e outras publicações sobre o Brasil, a Universidade de Estudos Brasileiros e uma escola de formação política.

Em certo estágio da vida, costumam aflorar aquelas amenas implicâncias.

Josué Montello, sucedendo a Austregésilo de Athayde, deixa límpida a questão, dizendo não receber de Abgar Renault "a viabilidade de um novo conflito".

"Estou consciente do patrimônio que ele me entrega, o da obra aqui realizada, ou ainda inconclusa, do nosso Athayde. Não há conflito. A Casa está em paz. Entretanto, convém não esquecer que até as instituições se devem ajustar às novas circunstâncias, de que por vezes dependem a sua continuidade e o seu aprimoramento, naturalmente na linha fundamental de sua própria vocação".

"A Academia é patrimônio de todos nós que a compomos. Obra de nossa vontade e de nosso trabalho. Dela naturalmente nos orgulhamos, com a consciência do que representa, no panorama geral da cultura brasileira."

Se outros méritos não coubessem a Austregésilo de Athayde, restaria o de haver projetado nacionalmente a Academia, com a qual, de hábito, era confundido pela população. Em nível mundial, ele transformou-se numa referência obrigatória daquela instituição de nossas letras, mercê de incansável trabalho de divulgação da cultura do País, em grande número de nações forâneas, especialmente as da Europa, onde conhecera o travor do exílio em conseqüência de opor-se à Revolução de 30.

Vamos concluir, Sr. Presidente, a nossa participação na homenagem que o Senado Federal presta a Austregésilo de Athayde, na data mesmo em que estaria completando o nonagésimo sétimo aniversário do seu nascimento, consignando que o "patriarca das letras do Brasil", como foi definido pelo O Globo, percorreu existência pródiga de meritórios exemplos e grandiosas realizações, sabendo-a pontilhada de múltiplas e sinceras amizades.

Exímio na arte da polêmica, deixou-nos escritos à meditação, em busca de adivinhar-lhe as intenções. Está a felicidade no existir ou na morte? Decerto, o homem comum almeja uma vida de venturas, que aqui ficam quando ele fatalmente se vai.

Próximo o terno da longa caminhada, perturbava-lhe que as gerações, sucedendo-se ante os seus olhos, a eles já não trouxessem a alegria própria dos reencontros, o afago da presença amiga, mas tão-somente um profundo sentimento de ausência, impossível de ser reparado.

Nessa hora tardia, só e sem ver os "avós e bisavós das pessoas" - pois que esses eram os seus desaparecidos contemporâneos -, Austregésilo de Athayde, como a revelar pressentimentos, julgou infeliz "o sujeito que não morre", daí concluindo, em uma das suas últimas frases, entre outras tantas expressivas e famosas:

"Um homem como eu não faz mais amigos".

Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente e Srs. descendentes e amigos do imortal Austregésilo de Athayde. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/09/1995 - Página 16485