Discurso no Senado Federal

DESIGUALDADES E INJUSTIÇAS SOCIAIS, EM RAZÃO DA MA DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TERRA EM PARAUAPEBAS, PARA. REUNIÃO COM OS PRESIDENTES DO INCRA E DA FUNAI PARA RESOLVER DISPUTA DE TERRA ENTRE TRABALHADORES RURAIS DOS MUNICIPIOS DE TUCUMÃ E DE SÃO FELIX DO XINGU COM OS INDIOS DA TRIBO BACAJA - KAYAPOS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA INDIGENISTA.:
  • DESIGUALDADES E INJUSTIÇAS SOCIAIS, EM RAZÃO DA MA DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TERRA EM PARAUAPEBAS, PARA. REUNIÃO COM OS PRESIDENTES DO INCRA E DA FUNAI PARA RESOLVER DISPUTA DE TERRA ENTRE TRABALHADORES RURAIS DOS MUNICIPIOS DE TUCUMÃ E DE SÃO FELIX DO XINGU COM OS INDIOS DA TRIBO BACAJA - KAYAPOS.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1995 - Página 932
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, REFORMA AGRARIA, PAIS, SOLUÇÃO, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL, INEFICACIA, DISTRIBUIÇÃO, PROPRIEDADE, TERRAS, BRASIL, RECONHECIMENTO, LEGITIMIDADE, LUTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA.
  • COMENTARIO, MOVIMENTAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, MUNICIPIO, PARAUAPEBAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • CONGRATULAÇÕES, FRANCISCO GRAZIANO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ADVERTENCIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, RECURSOS, VONTADE, NATUREZA POLITICA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), TENTATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DISPUTA, POSSE, TERRAS, TRABALHADOR RURAL, MUNICIPIO, TUCUMÃ (PA), SÃO FELIX DO XINGU (PA), ESTADO DO PARA (PA), INDIO, RESERVA INDIGENA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao iniciar meu pronunciamento, quero me congratular com a Senadora Marina Silva e com os religiosos que a acompanham, desejando que tenham um grande sucesso na audiência com o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Creio, Sr. Presidente, que o Movimento dos Sem-Terra que acontece neste País e a chacina ocorrida em Rondônia acordaram, despertaram o Poder Executivo para o imenso caos em que vivemos. Não nos adianta ter a inflação contida e sermos, segundo relatório do Banco Mundial, o primeiro país do mundo em nível de desigualdade e de injustiça social.

Um dos aspectos dessa injustiça, evidentemente, é a questão da distribuição e da propriedade da terra no Brasil.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra parece que faz o Governo acordar para essa realidade. O Brasil precisa da reforma agrária. Queremos demonstrar, neste plenário, a nossa solidariedade a esses trabalhadores e ao seu líder, conhecido como José Rainha, e dizer que é um erro muito grave da Justiça, do Executivo, de qualquer delegado, decretar a prisão preventiva desse rapaz. Temos de reconhecer que a luta deles é legítima, resultado da inação do Governo Federal, que não assume a sua própria responsabilidade, fazendo com que esses trabalhadores rurais tomem uma posição de cobrança, de avanço, de ocupar a terra, ocupar dependências públicas, como aconteceu agora, em Pontal de Paranapanema. Essas dependências públicas estavam sendo destruídas pelo tempo, completamente inservíveis para qualquer tipo de coisa, e esses trabalhadores ocuparam-nas para fazer a terra produzir, para ter um lar para suas famílias, para seus filhos, enfim, para todas as pessoas do Movimento que delas necessitam. O Governo tem de reconhecer as necessidades desse povo, compreendê-las e buscar dar solução a elas.

Sr. Presidente, digo tudo isso também para registrar um movimento que acontece no meu Estado, o Pará. Lá, também existe o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O maior acampamento que temos já vem sendo constituído há mais de dois anos, tendo se iniciado com uma ocupação de terras em Parauapebas, das quais a Vale do Rio Doce se diz proprietária. A Vale do Rio Doce, que legalmente ocupa uma área de 400 mil hectares, cedida por este Congresso Nacional, especificamente pelo Senado da República, na verdade, hoje, ocupa um milhão, 170 mil hectares no Estado do Pará. Ou seja, expandiu as suas posses de 400 mil para um milhão, 170 mil hectares no meu Estado, guardando essas terras como de sua propriedade absoluta.

Agora, querem vender a Vale. Evidentemente, quem comprá-la - se isso chegar a acontecer - vai ser dono de um milhão, 170 mil hectares de terras, só no meu Estado do Pará.

A Vale expulsou os trabalhadores rurais dessas terras das quais se diz proprietária. Há dois anos, esses trabalhadores acamparam inicialmente em Parauapebas; posteriormente, foram para Marabá, invadindo a sede do INCRA, onde permaneceram por mais de seis meses acampados. Por meio de um acordo, de um entendimento, voltaram a Parauapebas, esperando na cidade o cumprimento de compromissos do Governo Federal. Esses compromissos não foram cumpridos e eles invadiram duas fazendas da família Lunardelli, que possui, na Amazônia, segundo dados do INCRA, mais de um milhão e 500 mil hectares de terras, espalhados por todos os Estados da região. Eles invadiram essas duas fazendas, que estavam praticamente abandonadas já há quase seis meses, esperando que o INCRA resolvesse os seus problemas.

Há cerca de 80 ou 90 dias, tivemos uma reunião, que durou seis horas, na sede do INCRA, em Belém, com a participação do seu ex-Presidente, Sr. Bazílio, quando ficou acertado que S. Sª tomaria providências para que essas fazendas fossem desapropriadas, ou, então, negociaria com os seus proprietários para que os posseiros lá pudessem permanecer. Passaram-se três meses e o problema não foi resolvido.

Na segunda-feira, esses trabalhadores rurais, em número de aproximadamente duas mil famílias, desesperados e cansados, passando fome e necessidade, que prepararam a terra nessas duas fazendas e estavam no aguardo de sementes para plantar, decidiram sair em caravana, a pé, de Parauapebas a Belém - são cerca de 450 Km de distância. Esses trabalhadores e suas famílias, após andarem 33 Km a pé, cansados, esfomeados, revoltados com a situação, chegaram no Município de Curionópolis, onde fecharam a rodovia e prenderam o Vice-Prefeito daquele Município. Dessa forma, o atual Presidente do INCRA, inclusive tomando a iniciativa de nos procurar, imediatamente solicitou que entrássemos em contato com esses trabalhadores sem terra, garantindo que resolveria o problema deles dentro de 30 dias. Isso aconteceu exatamente na quarta-feira passada, anteontem. Se eles liberassem a rodovia, se soltassem o Vice-Prefeito, o INCRA garantiria uma alimentação, por trinta dias, para essas duas mil famílias de trabalhadores, através de cestas básicas de alimentos e que, durante esse período, S. Exª daria uma solução definitiva para a questão, desapropriando essas duas fazendas, ou comprando, através de negociação com proprietários rurais, outras áreas nas proximidades, para que eles lá pudessem permanecer.

Quero congratular-me com o Presidente do INCRA, Dr. Francisco Graziano, esperando que o Presidente da República alerte para esses fatos e comece a agir e a resolver essa questão, porque, na verdade, a culpa não é do Presidente do INCRA. Não foi o Dr. Bazílio, ex-Presidente do INCRA, o culpado por não se ter resolvido o problema desses sem-terra, porque sentimos nele boa vontade e empenho para resolver a questão. O que falta são recursos, é vontade política, é decisão política para se resolver o problema. Isso é da nossa responsabilidade - nós, Congressistas, o Poder Legislativo desta Nação - é de responsabilidade dos políticos maiores, do Poder Executivo e do Presidente da República. Não será uma decisão do Presidente do INCRA que resolverá essa questão.

Portanto, espero que o Presidente da República atente para esse fato e dê, definitivamente, uma solução para o problema. Os trabalhadores, mais uma vez, confiaram na palavra do Presidente do INCRA, desobstruíram a estrada e ontem, durante todo o dia, estiveram negociando com o Coordenador Regional do Estado do Pará, Dr. Walter, e com o Presidente do ITERPA, Dr. Ronaldo Barata. Espero que S. Exªs realmente cumpram o acordo feito com relação à questão da alimentação, e que, nesses 30 dias, resolvam definitivamente o problema dessas duas mil famílias que estão, há dois anos, esperando, acampadas, no Município de Parauapebas, no Estado do Pará.

Sr. Presidente, hoje à tarde, haverá uma reunião com o Presidente do INCRA e o Presidente da FUNAI, onde tentaremos resolver um problema mais grave do que esse problema dos sem-terra de Parauapebas, que é o problema da disputa pela posse da terra que hoje existe entre os trabalhadores rurais do Município de Tucumã e de São Félix do Xingu e dos índios da tribo Bacajá-Kayapós.

Essa briga já existe também há muitos anos por falta de competência do Governo que não demarcou as terras indígenas, que, anteriormente, naquele município, estavam em torno de 250 mil hectares e que, através de decreto, foram expandidas para 1 milhão de hectares. Os trabalhadores rurais contestam essa expansão ou esse critério de definir a propriedade dos índios, já que a demarcação legal não havia sido feita. Quer dizer, o preceito constitucional elaborado nesta Casa - de que a terra dos índios fosse demarcada em todo este Brasil em cinco anos - não foi cumprido. E, por isso, gerou todo esse conflito. Ou seja, os trabalhadores tomaram conta das terras de pretensão dos índios; no dia 20 de setembro, esses índios ocuparam a colônia denominada Setor Sudoeste, onde estão mais de 3.000 famílias de trabalhadores rurais, prenderam esses trabalhadores, avançaram contra suas casas, tomaram seus pertences e os botaram para fora da terra praticamente à força.

Imediatamente contactamos a FUNAI, o Ministério da Justiça e o INCRA. Conseguimos que fosse encaminhada uma Comissão naquele mesmo final de semana, quando estivemos em Macapá. Foi uma delegação, num avião da aeronáutica, à região, que constatou que de fato a terra pertencia aos índios; pediram aos colonos que tivessem calma, pois iriam resolver a questão e que conseguiriam outra terra para eles. Três dias após regressarem da região de São Félix do Xingu e Tucumã, os posseiros voltaram à área, de maneira organizada, armados e dispostos a qualquer confronto com os índios. Quer dizer, a incompetência e a irresponsabilidade do Governo Federal fazem com que hoje irmãos, trabalhadores rurais, pobres e humildes, confrontem-se, até à morte, com os índios da nossa Região.

É evidente que esses posseiros voltaram porque já estavam há quase dois anos, tinham trabalho nas suas terras e perderam praticamente tudo o que tinham com a sua expulsão pelos índios. Não acreditaram no Governo - como, de fato, têm toda razão em não acreditar. Como o Governo, com tamanha dificuldade que tem, vai conseguir terras para mais 2.000 famílias e ainda pagar pelas benfeitorias feitas naquela área?

É uma situação realmente extremamente complicada!

Entrei, imediatamente, em contato com o Dr. Márcio Santilli - que é um companheiro por quem temos a maior estima e confiança - solicitando-lhe que tentasse acalmar os índios e os funcionários, a fim de evitar que os índios voltem lá até que seja encontrada uma solução, porque, se isso ocorrer, o conflito será iminente e inevitável, provocando muitas mortes, e o Brasil será extremamente prejudicado com essa questão.

Parece que o Presidente da FUNAI conseguiu manter os índios e os funcionários daquele órgão à distância; e hoje à tarde, às 15h, estaremos reunidos para buscar uma solução para esse grave problema que temos no Estado do Pará.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Ademir Andrade?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço, com muita satisfação, a Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Gostaria de dizer, Senador Ademir Andrade, que, no que depender de mim estarei dando a minha colaboração para evitar que ocorra um encontro sangrento entre trabalhadores e índios. Coloco-me à inteira disposição para, junto com V. Exª e o Dr. Márcio Santilli - e, concordo, é uma pessoa sensível, conhecedor da causa indígena, que tem uma responsabilidade muito grande, um companheiro nosso nessa luta e que, hoje, está numa função muito importante no que se refere à causa indígena -, colaborar naquilo que V. Exª achar ser importante.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Com certeza, Senadora Marina Silva.

Gostaria de poder contar não só com V. Exª, mas com todos que pudessem participar conosco dessa reunião, que será hoje, às 15h, na sede do INCRA.

Será muito importante a sua participação, como uma pessoa extremamente envolvida com toda essa questão no nosso País.

De forma, Sr. Presidente, que, prestadas essas informações ao Senado da República, espero e torço para que o Presidente da República realmente compreenda essa situação do nosso País, que acorde para essa nossa grave realidade. Sua Excelência terá inteira solidariedade nossa, inteiro apoio nosso no momento em que não se deixar influenciar pelas pressões daqueles que desejam que os sem-terra sejam presos, sejam massacrados, daqueles que querem só para si, que só têm a usura como norma. Espero que Sua Excelência tenha a coragem de enfrentar, inclusive, os meios de comunicação, que fazem uma campanha a favor da lei, da ordem, da questão constitucional e esquecem de dizer que o Brasil, infelizmente, sendo esta grande Nação, esta maravilhosa, esplendorosa e rica Nação - potencialmente, talvez, uma das Nações mais ricas deste planeta - está enquadrada como a primeira Nação do mundo em nível de desigualdade social. Esse fato é exposto a todos nós pelo Banco Mundial, que é uma instituição extremamente conhecida e respeitada. É pena que a mídia nacional não divulgue isso para o nosso povo, e que fique pressionando e "chamando a atenção" para a lei e a ordem, que precisam prevalecer no nosso País.

O Presidente da República terá nossa inteira solidariedade se compreender esses fatos, se buscar tirar o País desta triste situação de primeiro lugar em desigualdade social. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1995 - Página 932