Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE INTENSIFICAR OS DEBATES SOBRE A REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • NECESSIDADE DE INTENSIFICAR OS DEBATES SOBRE A REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1995 - Página 939
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, PROPOSTA, REFORMA ADMINISTRATIVA, GOVERNO, PRIORIDADE, PROBLEMA, EXTINÇÃO, ESTABILIDADE, SERVIDOR, CONCURSO PUBLICO, CONDICIONAMENTO, INGRESSO, QUADRO DE PESSOAL, ESTADO.
  • COMENTARIO, OPOSIÇÃO, PROPOSTA, QUEBRA, ESTABILIDADE, SERVIDOR ESTAVEL, DESRESPEITO, DIREITO ADQUIRIDO, EXTINÇÃO, CONCURSO PUBLICO.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é meu propósito, no pronunciamento que agora farei, favorecer a intensificação dos debates sobre a Reforma Administrativa.

Estes começam a atingir intenso clima de aquecimento, o que, além de sumamente salutar, já fora previsto por muitos parlamentares, inclusive por mim.

É que, pela reforma administrativa, mais do que por outras reformas, mexe-se a fundo com as pessoas e com seus direitos.

Nas outras, estavam em jogo o formato das instituições e certas regras que presidem o jogo econômico.

Nesta, atinge-se, sob vários aspectos, o direito das pessoas e, por consequência, o próprio Estado de Direito.

Não pretendo, hoje, ferir todos os aspectos envolvidos na tão propalada Reforma Administrativa. Vou limitar-me, neste pronunciamento, à abordagem de dois pontos, que, no meu entendimento, constituem o conteúdo mais controvertido da citada reforma.

Refiro-me à extinção da estabilidade dos servidores públicos e à abolição do Concurso Público, como requisito essencial para ingresso no quadro de servidores do Estado.

Todavia, antes de adiantar minha posição face a esses dois pontos de suma relevância, quero, preliminarmente, propor ao Governo algumas ponderações que urgem marcar presença, seja no desenrolar dos debates, seja no encaminhamento das votações.

As ponderações ou advertências que, pois, tenho a fazer aos homens de Governo, especialmente àqueles mais envolvidos na concepção, na gestação e no processo de nascimento da reforma, são as seguintes:

Não magnifiquem suas expectativas de modernização e revitalização do País, mediante a simples promoção de mais uma reforma do aparelho do Estado. Caso contrário, não tardarão - perdoem-me a palavra a decepcionar-se.

Nas últimas décadas, não há governo que se preze que não tenha "perpetrado" suas reformas.

Reformas do ensino, reformas ortográficas, reformas administrativas, reforma agrária, reformas da Constituição, reforma eleitoral, reforma dos partidos, sem falar no Imposto de Renda, cuja legislação é indefectivelmente contemplada com uma reforma anual.

E o Brasil continua o mesmo: imaturo, instável, inculto, doentio, desigual, ineficiente, às voltas com sérias crises, as mais sérias das quais são a crise de valores e a crise de identidade.

Quando é que nossos reformistas acabarão por descobrir que a reforma que se impõe sobre todas é a reforma do homem brasileiro, do qual depende a viabilidade de todas as reformas?

Outra ponderação: Cuidado, muito cuidado mesmo, com o ímpeto e a sofreguidão em "remover constrangimentos legais".

Ímpetos com esses, desencadeados açodadamente, e puxados a "rolo compressor", quase sempre têm como consequência ou o congestionamento de processos na barra dos tribunais, ou a geração de atos por demais parecidos com os atos institucionais, de triste memória.

Por fim, minha terceira advertência.

Se de fato, o que pretendem os mentores da reforma administrativa é, como alardeiam, recuperar o respeito e a imagem do servidor perante a sociedade e estimular o seu desenvolvimento profissional, comecem, então, por respeitá-los publicamente, perante a sociedade.

Evitem, até mesmo por uma questão de acatamento ao que de melhor se ensina nas Universidades, sobre relações humanas e sobre psicologia do trabalho, que porta-vozes irados do Poder Público, compareçam quase que diariamente ante os órgãos de imprensa ou da mídia eletrônica, para torturá-los com alguma ameaça, ou para detratá-los generalizadamente, como que forçando a Nação a identificá-los como a encarnação detestável de todas as nossas mazelas.

Isso dito, Sr. Presidente passo a expender meus pontos de vista, ou melhor, meu posicionamento relativos, em primeiro lugar, à abolição da estabilidade.

Para clareza de minha abordagem irei desdobrar o problema em dois. Considerarei primeiramente a estabilidade dos servidores atuais, com mais de dois anos cumpridos de estágio probatório.

Considerarei, em seguida, a estabilidade dos futuros servidores, isto é, daqueles que ingressarão no serviço público, após a aprovação das emendas que encaminham a reforma administrativa.

Para simplificar, inverto a ordem dos problemas.

Começo pelo segundo caso, isto é pela abolição da estabilidade dos futuros funcionários, portanto, daqueles que ainda não conquistaram esse direito.

No que a estes concerne, considero negociável e aceitável a alteração do estatuto de estabilidade, seja, abolindo-a, seja flexibilizando-a.

Quanto à situação configurada no primeiro caso, isto é, quanto aos funcionários já estáveis, quero desde já deixar bem claro minha posição inarredável: não à desestabilização!

Não à postergação indébita dos direitos adquiridos.

Para marcar o absurdo contido na negação do direito adquirido aduzo o exemplo de um caso concreto.

O Senhor Fernando Henrique Cardoso concorreu às eleições para a Presidência da República, ganhou-as, foi diplomado, prestou juramento perante o Congresso Nacional, tomou posse e passou a exercer o cargo de Presidente, tendo obedecido rigorosamente, em cada um desses passos, às normas específicas da Constituição. Graças a isso, ele é detentor do privilégio e da prerrogativa de ser o Presidente de todos os brasileiros, até o final de seu mandato.

Contrariar esse direito seria golpe, cambalacho, ruptura odienta de tudo aquilo que dá sustentação ao Estado de Direito.

Da mesma forma, o funcionário público, obedecendo estritamente à legislação específica, ingressou no quadro de servidores, contraiu deveres, e conquistou direitos, entre os quais o da estabilidade.

Ignorar isso, passar por cima disso é o mesmo que deitar por terra os fundamentos do direito, e sobre eles fazer passar o rolo compressor do arbítrio e da prepotência.

Ora Senhores Senadores, pelo seu perfil humano e intelectual, por seu histórico político e por sua índole democrática, o Presidente Fernando Henrique Cardoso acabará descobrindo, que ele não tem vocação para isso nem leva jeito de ser tratorista de rolo-compressor.

Quanto à abolição do concurso público como condicionante de ingresso do cidadão brasileiro ao serviço do Estado, só a julgo aceitável, em certos casos, a serem cuidadosamente especificados e regulamentados. Não, portanto, como medida generalizada.

Estão aí os Governadores a clamar contra o excesso de pessoal e a insuficiência de meios para quitar as respectivas folhas de pagamento.

Ora, não há nenhum noviço em política brasileira que desconheça este traço de nossa cultura ou de nossa incultura sócio-política: os Governadores assumem e ao fazê-lo, demitem milhares de funcionários, para poderem governar.

Ao findar o mandato, eles admitem e nomeiam o dobro dos funcionários antes demitidos, para poderem se eleger ou eleger seus sucessores.

Tudo isso entrou na rotina de nossos criticáveis procedimentos político-administrativos, a despeito da vigência da norma que condiciona as nomeações à prestação de Concurso Público.

Imaginem, então, o que não farão os maus governantes, se puderem dispor, a seu talante, dessa peixeira de dois gumes inventada por Bresser Pereira, que se chama quebra da estabilidade e abolição do concurso!

Não! Antes de levarmos a bom termo uma radical reforma do homem brasileiro - aí incluindo todos os ingredientes que só a educação para a cidadania e o cultivo de elevados valores morais podem operar - seria um desastre "remover constrangimentos legais" e depositar em mãos inabilitadas, instrumentos tão perigosos quanto são o instituto da instabilidade assim como o instituto do acesso, sem maiores exigências, ao serviço público.

Esperar milagres da introdução dessas franquias, é desconhecer o Brasil real.

É o que penso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1995 - Página 939