Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DOS SEM-TERRA E AS METAS DE ASSENTAMENTO PARA ESTE ANO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • SITUAÇÃO DOS SEM-TERRA E AS METAS DE ASSENTAMENTO PARA ESTE ANO.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1995 - Página 919
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, DECLARAÇÃO, FRANCISCO GRAZIANO NETO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), INFORMAÇÃO, TOTAL, FAMILIA, ASSENTAMENTO RURAL, ESCLARECIMENTOS, APLICAÇÃO DE RECURSOS, CONFIRMAÇÃO, OBJETIVO, GOVERNO, CONCLUSÃO, PROGRAMA, REFORMA AGRARIA, INEXISTENCIA, MOTIVO, OCORRENCIA, INVASÃO, TERRAS, PAIS.
  • COMENTARIO, HISTORIA, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, PAIS, ELABORAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ESTATUTO DA TERRA.
  • QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, FRANCISCO GRAZIANO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), OCORRENCIA, ERRO, DEFINIÇÃO, LATIFUNDIO, PAIS, AUMENTO, ESTATISTICA, TERRAS, DESAPROPRIAÇÃO, INCLUSÃO, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, RESULTADO, AUSENCIA, ATUALIZAÇÃO, CADASTRAMENTO.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, ABRANGENCIA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, ELABORAÇÃO, POLITICA AGRARIA, PARTICIPAÇÃO, ORGÃOS, ESTADOS, MUNICIPIOS, REPRESENTAÇÃO, AGRICULTOR, VIABILIDADE, EFICACIA, RESULTADO, IMPLANTAÇÃO, PROJETO DE REFORMA AGRARIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os últimos dias têm sido marcados por um grande debate em torno da questão da reforma agrária. Há uma série de invasões de propriedades, manifestações do Movimento dos Sem-Terra, substituição da Presidência do INCRA pelo Dr. Francisco Graziano - pessoa da confiança e da intimidade do Presidente da República -, reunião do Presidente da República com Lideranças do Partido dos Trabalhadores, como também muito desencontro em relação a números.

Fui um dos que teve a oportunidade de falar, neste plenário, quando o Presidente da República lançou, no Ceará, no Município de São João do Jaguaribe, o programa de assentamento de populações na área rural, inclusive tendo, naquela ocasião, anunciado metas a serem cumpridas durante o seu governo.

Esse desencontro de números foi esclarecido pelo atual Presidente do INCRA, Dr. Francisco Graziano, numa matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo do dia 11 deste mês, que passo a ler:

      O Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Francisco Graziano Neto, anunciou que foram assentadas neste ano 20.517 famílias. Desse total, segundo ele, 9.430 em projetos criados em 1995 - quer dizer, projetos novos, deste ano - e 5.886 em projetos antigos, criados até dezembro de 1994. Sobre as restantes 5.201 famílias ainda não chegou ao Incra o número, mas a maior parte foi assentada em projetos novos.

Quer dizer, o próprio INCRA ainda não tinha rigorosamente essas informações.

      Graziano ressaltou que foram criados 129 projetos este ano, com capacidade de assentamento de 20.354 famílias, numa área de 926 mil hectares. A meta é assentar 40 mil famílias e "deve ser atingida", porque o governo dispõe ainda de 243 projetos, 220 novos, com capacidade de receber 28 mil famílias.

Portanto, há uma informação do próprio INCRA sobre o número de famílias assentadas já neste ano.

Sobre a parte de recursos aplicados para esses assentamentos, diz a matéria:

      Graziano corrigiu os dados que vêm sendo divulgados pela imprensa, segundo os quais o Incra gastou este ano 3,5% do seu orçamento, que é de R$1,353 bilhão. Segundo ele, já foram gastos efetivamente R$651 milhões, sendo R$365 milhões na emissão de títulos da dívida agrária. Portanto, segundo Graziano, já foram gastos 48,12% do orçamento total do Incra.

      O presidente do Incra disse que não vê motivo para mais invasões no País. Ele lembrou que, nos últimos dez anos, o governo assentou, em média, 15 mil famílias por ano.

Isso significa dizer que o Governo Fernando Henrique assentou, neste ano de 1995, um número superior à média observada nos anos anteriores, já que teriam sido assentadas 20.517 famílias.

Não obstante esse esforço do Governo, o problema persiste, inclusive acarretando uma grande preocupação no campo.

Os jornais de hoje, pelo que li na sinopse, trazem muitas notícias inquietantes com relação ao problema de invasões e arregimentações de proprietários rurais, agora até com uma articulação transnacional: os proprietários rurais dos países do MERCOSUL estariam se articulando para resistirem a essas invasões de suas propriedades.

Então, o Presidente pediu uma trégua, para que se pudesse repor o problema nos seus devidos termos, e para que se estabelecesse uma política coerente e efetiva para a solução dessa grave questão.

Os recursos anunciados na matéria que acabei de ler, da responsabilidade do Dr. Francisco Graziano, podem atenuar os problemas dos sem-terra, principalmente aqueles mais agudos, que existem em 22 Estados, representados por 32 mil famílias acampadas, 2/3 delas às margens de rodovias ou em terrenos cedidos a título precário. Para evitar problemas e confrontações, como os de Corumbiara, em Rondônia, os recursos deveriam ser canalizados preferencialmente para as áreas mais críticas, embora estas não sejam, por vezes, as mais adequadas ao desenvolvimento agrícola.

É necessário, neste momento, refletir sobre as decisões e os resultados do programa de reforma agrária no Brasil, o qual, apesar do tempo decorrido e dos esforços envidados não alcançou, a nosso ver, os fins desejados. Há, ao longo do processo, uma grande soma de erros cometidos, seja no modelo, seja na execução e uma excessiva politização do problema.

- Quem como eu - e é o caso do Senador Nabor Júnior, que está aqui e do nosso ilustre visitante Deputado Augusto de Carvalho - participou da Assembléia Nacional Constituinte sabe que um dos grandes lobbies que funcionou na Assembléia Nacional Constituinte foi aquele que se desenvolveu em torno da reforma agrária, tanto por parte dos sem-terra, como também dos proprietários rurais, o que gerou uma péssima solução na Constituição de 1988, que em nada tem ajudado a resolver o problema.

O órgão responsável pela política de reforma agrária no País é o INCRA, que sucedeu o INIC, que gerou o SUPRA, que transformou-se em INDA e posteriormente em IBRA, refletindo entre tantas siglas uma série de desacertos e, até certo ponto, uma falta de decisão política para implementação da reforma agrária. É interessante ressaltar que dos anos 60 em diante, em plena fase do autoritarismo, formulou-se uma legislação agrária das mais avançadas que se tem conhecimento na história do País - o Estatuto da Terra. Na prática, enfrentando a legislação avançada, opunha-se à falta de um conhecimento da realidade, do despreparo dos executores e da ausência de vontade política de implementação efetiva da reforma agrária, a qual passou a se resumir a tímidas medidas de colonização e à regularização fundiária.

Em um período de 20 anos, ou seja, de 1964 a 1984, foram desapropriados 185 imóveis, com 13,5 milhões de hectares. As áreas arrecadadas e utilizadas para colonização, por sua vez, atingiram 17 milhões de hectares, com 115 mil famílias beneficiadas em noventa projetos, dos quais apenas 41 foram emancipados. A baixa taxa de emancipação dos projetos nos remete à questão de se apenas a promoção do acesso à terra será suficiente para transformar os não-proprietários em famílias com atividade econômica rentável. Ainda neste período foram regularizados 81 milhões de hectares.

Outro marco no processo de Reforma Agrária foi no período de 1985-1990, denominado de Nova República, que representou a transição entre o regime de exceção e a retomada da democracia no país. Neste período, foi aprovado o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, que previa desapropriação de 43 milhões de hectares para assentamento de 1,4 milhão de famílias de trabalhadores sem-terra. Infelizmente, dificuldades de várias ordens determinaram que apenas 10% das metas programadas fossem efetivamente alcançadas. Dos 43 milhões de hectares foram obtidos 4,5 milhões, que resultaram na criação de 515 projetos, com capacidade para assentar 90 mil famílias, número pequeno, se comparado à meta de 1,4 milhão de famílias previstas inicialmente.

Eventos como o de Corumbiara, em Rondônia, levam a nação a refletir sobre a situação dos sem-terra e sobre a necessidade de acelerar o processo de Reforma Agrária. É necessário, entretanto, que se faça uma avaliação de todas as tentativas feitas, no sentido de se melhorar o perfil de distribuição de terra no Brasil. De modo simplístico, chega-se à conclusão de que os programas de assentamento e colonização, de modo geral, inclusive os do DNOCS - Departamento Nacional de Obras contra as Secas, não chegaram a resultados satisfatórios e que até contribuíram, por falta de assistência aos assentados, para a construção de verdadeiras favelas no campo.

A meu ver, durante todos esses anos, confundiu-se uma boa e necessária reforma com a divisão pura e simples das terras. Um reestudo das estratégias de implementação de reforma agrária no País deve levar em conta a necessidade de criação de um sistema de planejamento, graças ao qual o INCRA possa identificar as terras passíveis de desapropriação, sem ter de esperar pela prévia sinalização do movimento político organizado dos trabalhadores sem-terra.

É bom deixar de lado a retórica vazia e se debruçar sobre algumas questões, como as levantadas pelo atual Presidente do INCRA, Dr. Francisco Graziano, ao longo do tempo um estudioso do assunto. Ele afirma que as estatísticas do INCRA mostram de forma exagerada e sem base sólida de apoio que 26% de todas as propriedades rurais brasileiras são latifúndios.

Segundo ele, há uma distorção na conceituação do que é latifúndio e no País estabeleceram-se dois tipos: o primeiro é o latifúndio por tamanho, que varia conforme a região; o segundo, o latifúndio por exploração. Quando a propriedade rural não atinge um determinado grau de produtividade, ela é considerada um latifúndio por exploração, mesmo que seja de pequeno tamanho.

Essas estatísticas equivocadas do INCRA colocam no mesmo patamar tanto o latifundiário que especula com a terra, quanto o agricultor médio que tem dificuldades para a aquisição de insumos modernos e que, por isso, não consegue bons índices de produtividade. Por conta disso, são listados nos relatórios como latifundiários, aumentando as estatísticas de terras passíveis de desapropriações, que atingem 42 milhões de hectares, mencionados no último Plano de Reforma Agrária quantidade que muitos acreditam exagerada.

Essas estatísticas distorcidas são fruto de um cadastramento malfeito e desatualizado, de vez que seus dados incluem terras registradas na década de sessenta. Uma outra distorção é que o INCRA considera, em muitos casos, terras inadequadas para a agricultura como férteis. As terras cobertas por matas na Amazônia ou as caatingas nordestinas abrigam, em tese, enormes latifúndios, mas não se adequam à prática da agricultura, devido à inacessibilidade ou pela baixa dotação de recursos naturais. Nessa área, têm-se cometido grandes equívocos, como os assentamentos sendo praticados em terras sem aptidão agrícola. No Centro-Sul, de onde saem 70% dos produtos agrícolas brasileiros, acredita-se ser um equívoco onerar grandes propriedades como latifúndio. Hoje elas se tornaram empresas rurais. A nosso ver, as grandes fazendas que produzem muito, devem ser encaradas como grandes empresas rurais, fontes de empregos estáveis para os sem-terra, e tratadas como se tratam os oligopólios da economia. Deveriam sim pagar impostos mais altos.

A maior quantidade de terras disponíveis para assentamento estão, sem dúvida, no sul do Amazonas e do Pará, no norte do Tocantins e Goiás, no Piauí e no Maranhão. Essas terras devem ser dotadas de infra-estrutura, e é necessária a conscientização de que apenas assentar o sem-terra não resolve. O próprio assentado tem que possuir tradição de trabalhar com a agricultura e ser treinado para saber superar os complexos desafios da atividade. Para exemplificar as complicações crescentes da atividade agrícola, é bom ressaltar que em 1950 predominavam cinco pragas principais na agricultura brasileira.

Hoje, são mais de trinta. Na década de cinqüenta, quem obtivesse um pedaço de terra teria maiores facilidades de progredir. O agricultor sem terra, que não detém nem a tecnologia nem recursos para investir, dificilmente conseguirá gerar produtos e riqueza.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço a Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Muito obrigada, pela oportunidade do aparte. Preocupa-me essa questão a que V. Exª acaba de se referir. Muitas vezes, o Governo tenta fazer assentamentos em áreas inadequadas, como é o caso de algumas regiões na Amazônia, onde a área não é fértil, porque a Amazônia como um todo tem apenas uma pequena camada fértil - a camada de húmus - de, no máximo, trinta centímetros, constituída exatamente por aqueles resíduos das folhas e árvores que apodreceram. Com o decorrer dos anos, em razão principalmente das queimadas, essa camada vai perdendo todas as suas riquezas, o seu potencial mineral para se poder desenvolver uma agricultura saudável. Outro aspecto é que há sempre a compreensão de que terras desocupadas, espaços desocupados existem na Amazônia. Há uma concentração de terras nas mãos de poucos no Centro-Sul, e se tenta resolver esse problema de concentração fazendo assentamentos na Amazônia. Isso já tem criado alguns problemas muito graves. Eu poderia citar aqui inúmeros projetos de assentamentos de pessoas que vieram de outras regiões e que não conseguem se adaptar às condições do clima e em razão também de problemas como malária e hepatite. Muitas vezes, pensa-se, até porque a Amazônia não é muito divulgada - a sua forma, a sua conformação - que lá há um vazio demográfico - ela é ocupada, não é desocupada -, só que é ocupada de forma adequada para que continue a ser Amazônia. Se ela for ocupada com lotes quadriculados, com cada posseiro podendo desmatar, daqui a alguns dias não mais poderá existir. Inclusive, estamos, aqui, debatendo sobre a questão da reforma agrária tendo, graças a Deus, a presença de um grande lutador em defesa da Amazônia, que é o Padre Paolino Baldassari, que está acompanhado do Bispo Dom Moacyr Grechi, Padre Heitor Turrini, o Prefeito de Rio Branco, o Prefeito de Sena Madureira, que estão enfrentando um conflito muito sério no que se refere a essa questão da terra e à exploração irregular de madeira. Parabenizo-o pelo seu pronunciamento. E V. Exª que está ligado à Amazônia fez a ressalva de que aquela não é uma área desocupada, mas ocupada para as condições de exploração que precisamos e deve ser feita na Amazônia. Muito obrigada.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Muito obrigado pelo seu aparte. V. Exª traz uma contribuição importante e mostra as limitações da Amazônia, porque aquela grande Região, aquela grande área com uma baixa densidade demográfica, tem suas características ecológicas, tem o seu habitat e o seu meio ambiente que precisam ser respeitados.

Agora mesmo, o Banco Mundial está formulando um pedido público de desculpas sobre o financiamento de projetos que implicaram no desmatamento da Amazônia. Então, isso ajuda a criar essa consciência. E V. Exª tem se destacado aqui no Senado por ser uma pessoa permanentemente preocupada com esses problemas.

Aproveitando a oportunidade, quero saudar a presença da comitiva de religiosos do Acre, liderados por Dom Moacyr Grech e pelos Prefeitos que aqui estão para, com V. Exª, ir ao Presidente da República, segundo noticia a imprensa, colocar algumas questões em relação à terra e à Floresta Amazônica.

Em Estados como Mato Grosso, Maranhão, Pará e Piauí, há áreas desabitadas de 500 mil hectares cada, próximos à infra-estrutura. Essas áreas poderão servir de modelo para um novo sistema de reforma agrária. Neste sistema o INCRA desoneraria o Tesouro Nacional do pagamento das desapropriações, gerando recursos próprios com a venda de parte das terras desapropriadas para a agricultura capitalista. Conviveriam lado a lado empresas grandes, bem estruturadas, e pequenas empresas, num modelo em que a complementariedade predominaria.

Como o modelo atual tem primado pelos resultados insatisfatórios, é necessário ousar. Uma das idéias é utilizar um sistema capaz de absorver a experiência capitalista da colonização, que fundou cidades e gerou muitas riquezas em vários Estados, principalmente no Paraná e mais recentemente Rondônia.

A iniciativa privada poderá ser estimulada a participar de tal esforço, pois a mistura de colonização privada com a distribuição de terras agricultáveis pelo Governo, na certa fundará novos núcleos populacionais, tornando regiões hoje despovoadas atraentes para a instalação de usinas de leite, supermercados, agroindústrias e bancos.

Para evitar o êxodo rural, que incha a periferia das grandes metrópoles brasileiras, não basta assentar os trabalhadores sem terra. É preciso lhes dar condições de sobrevivência decente, E não apenas a estes, mas também aos milhões de pequenos agricultores, que já possuem suas terras, mas não têm como viver delas.

A Secretaria de Desenvolvimento Agrícola do Ministério da Agricultura, com apoio do BID, está desenvolvendo um projeto da chamada Agricultura Familiar, que se encontra no Brasil em ampla decadência e precisa ser apoiado, porque esses pequenos agricultores, essas famílias que detêm pequenas glebas de terra representam um potencial muito grande de produção e de fixação dessas pessoas no campo, inclusive garantindo a geração de empregos e evitando essa urbanização acelerada e caótica.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, somos absolutamente a favor de uma reforma agrária abrangente. Mas da mesma forma que estamos discutindo reformulações profundas na maneira de tratar as questões do Estado, dentro de um esquema de globalização da economia e do processo de reengenharia do Governo, é necessário abrir um novo debate que incorpore uma crítica às maneiras, algumas ultrapassadas, de promover a reforma agrária. A idéia central é a de que é necessário um novo recadastramento, garantindo que os especuladores não forneçam novamente informações falsas sobre suas terras. Em seguida, é necessário desapropriar terras ociosas e elaborar uma política agrária, com os órgãos do Estado, Prefeituras e representações de agricultores que tenham impacto e funcionem. Quem trabalha nas várias regiões, conhece mais suas necessidades que qualquer técnico do Governo Federal, daí a descentralização com mais responsabilidade dos Estados e Prefeituras se fazer necessária.

O presidente dos órgãos estaduais que cuida do problema da reforma agrária, apresentou ao Ministro da Agricultura e ao presidente do INCRA, um documento propondo a descentralização da Reforma Agrária e sua municipalização, baseado na idéia de que as prefeituras conhecem melhor a realidade local, podem negociar em condições mais vantajosas essas terras e tornariam o processo mais desconcentrado, conseqüentemente com mais chances de resolver os conflitos, de maneira mais rápida, evitando os graves incidentes que têm caracterizado as pessoas envolvidas com esse assunto nos últimos anos.

Por último, gostaria de opinar que o Brasil somente responderá ao desafio do interior se atacar o problema rural em todos os seus aspectos: transportes, crédito, armazenagem, classificação de produtos, preços mínimos, tributos, implantação de agrovilas e agroindústrias. Em estudo recente, verificou-se que só a taxação indireta pode chegar a mais de 20% do valor bruto da produção agrícola, sem contar o que já vem embutido nos insumos, mais o Imposto de Renda Territorial Rural, de pífia cobrança. Como solucionar tudo isso sem uma reforma tributária?

O problema dos transportes é outro exemplo da emergência de profundas mudanças. Enquanto que nos Estados Unidos e na Argentina gasta-se U$14 ou U$15 para transportar soja ou farelo até o porto, no Brasil chegou-se a gastar U$28, segundo um estudo da ABIOVE (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais). Pelas nossas rodovias esburacadas passam 70% das cargas, contra 25% nos Estados Unidos e 18% na Alemanha, que preferem navios e trens. Parte da renda que poderia ficar no interior perde-se entre a fazenda e a fábrica.

Se o Brasil equiparasse os custos de transportes de algumas das suas oleaginosas aos norte-americanos ou argentinos, só aí economizaria algo em redor de U$280 milhões. Há uma estudo na Secretaria de Assuntos Estratégicos provando que é possível reduzir de U$8 para U$3 os custos da tonelada embarcada nos portos, e de U$20 para U$15 o transporte entre o Brasil e a Europa.

O simples aumento da produtividade geraria dinheiro suficiente para empregar de forma decente muitos sem-terra. O Brasil está maduro para recusar demagogia que mantém viva certas posições equivocadas.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1995 - Página 919