Discurso no Senado Federal

DESCONTROLE DAS AGENCIAS DE PESQUISA, ESPECIALMENTE NO QUE CONCERNE AS BOLSAS DE ESTUDO NO EXTERIOR.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • DESCONTROLE DAS AGENCIAS DE PESQUISA, ESPECIALMENTE NO QUE CONCERNE AS BOLSAS DE ESTUDO NO EXTERIOR.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1995 - Página 888
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, FALTA, RECURSOS, FINANCIAMENTO, BOLSA DE ESTUDO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, POS-GRADUAÇÃO, EXTERIOR.
  • CRITICA, ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, AGENCIA, FINANCIAMENTO, PESQUISA, CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO E TECNOLOGICO (CNPQ), COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NIVEL SUPERIOR (CAPES), COINCIDENCIA, RESPONSABILIDADE, FALTA, SISTEMA, CONTROLE DE QUALIDADE, AVALIAÇÃO, BOLSISTA, PERDA, CONFIANÇA, VALIDADE, INVESTIGAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sinto-me muito feliz em poder falar numa sessão presidida pela Senadora Marina Silva. Não é uma mera lantejoula; é, de fato, o testemunho de alguém que, convivendo com V. Exª, tem apreciado bastante a sua conduta, a sua forma de atuar no Senado e, sobretudo, a sua inteireza moral na defesa das suas convicções, na maneira cordial com que se relaciona com todos e na forma como tem convivido, inclusive, com opiniões divergentes, sem que isso lhe cause qualquer embaraço, inclusive no relacionamento pessoal. Por isso, quero fazer coro com as palavras do Senador Eduardo Suplicy.

Os jornais nacionais, inclusive a Folha de S. Paulo, publicaram matérias sobre o descontrole das nossas agências de pesquisa, particularmente em relação à concessão, para cientistas e pesquisadores, de bolsas de estudos para pós-graduação, principalmente no exterior.

Fiz um apanhado, de ordem institucional, sobre como se encontram essas agências financiadoras da pesquisa no Brasil e que vai ser objeto deste rápido pronunciamento que vou fazer aqui, para levantar o problema.

A pesquisa no Brasil, há muito tempo, tem merecido uma análise mais profunda. A leitura mais superficial sugere que o País destina pouquíssimo de sua renda nacional ao desenvolvimento da pesquisa. Dados divulgados pela imprensa demonstram que o percentual de participação do PIB brasileiro em investimento na área de pesquisa não ultrapassa 0,6%. Enquanto isso, os Estados Unidos, Japão e a Coréia do Sul chegam a investir uma taxa que ultrapassa 3 por cento.

O Ministro Israel Vargas tem falado, salvo engano, numa meta do atual Governo no sentido de chegar a 1,5%, o que realmente vai demandar um grande esforço da nossa parte.

Nesse sentido, torna-se constrangedor comparar o desempenho brasileiro na produção científica com o resto do mundo, quando o único parâmetro de julgamento se restringe ao critério do volume de investimentos.

No entanto, é útil considerar outros critérios para se apurar a eficiência da nossa política científica. Para além dos milhões que deixamos de aplicar em pesquisa científica, convém examinar os milhões que são anualmente destinados pela lei orçamentária aos órgãos do setor, com pouco controle de seus gastos.

Refiro-me, especificamente, ao funcionamento das quatro maiores agências de financiamento de pesquisa do País. Ei-las: CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

As quatro constituem os principais braços governamentais para o fomento à pesquisa. Entretanto, para efeito de uma avaliação preliminar, o CNPq e a CAPES reúnem um universo bastante representativo.

O CNPq, que está subordinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, funciona como uma fundação pública e foi implantado há cerca de quarenta anos. Além de se dedicar ao fomento de pesquisa junto às universidades, centros e investigadores, se ocupa também do financiamento de bolsas de estudos para pós-graduação no País e no exterior.

A CAPES, que está subordinada ao Ministério da Educação, funciona igualmente como uma fundação pública, mas sua implantação como tal data de 1992. Na verdade, a instituição já funcionava como agente de pesquisa do Governo há mais tempo, porém como uma coordenação dentro do Ministério.

Em princípio, a existência da CAPES só se explicaria na medida em que o MEC se interessasse exclusivamente em investir na formação do corpo docente das universidades brasileiras. Todavia, por razões que a própria história nacional desconhece, o órgão desviou-se de sua função mais premente e se deslocou paulatinamente para o financiamento de bolsas de pós-graduação. Isso pode ser atestado quando se avalia o volume de recursos da dotação anual que se reserva para a rubrica "bolsas": mais de 50 por cento.

Portanto, não é à toa que, para muitos observadores, não se consiga determinar uma diferença de identidade muito clara entre as duas agências. Se, ao menos, cada qual operasse com fontes de recursos diversas, poder-se-ia até compreender a sobreposição de atribuições. Contudo, tudo indica que a justificativa reside muito mais em bases políticas do que racionais, pois a fonte de ambas coincide irremediavelmente nos cofres do governo.

Dentro das universidades, estabeleceu-se uma espécie de senso comum sobre a necessidade de o Governo Federal sustentar duas agências de pesquisa no País. Ninguém ousa contestar a esdrúxula situação, pois se argumenta que, caso fosse extinta uma delas, não haveria garantias de transferência dos recursos de uma para outra.

Por isso, ninguém considera estranho que, no Brasil, o pesquisador se submeta a dois processos distintos de julgamento para conquistar a mesma verba proveniente da União. Em suma, a eventual fusão das agências implicaria, sim, segundo a opinião de diversos membros da comunidade acadêmica, subtração dos já escassos recursos para o setor.

No caso da CAPES, é provável que sua grande contribuição como instituição fundamental a uma política nacional de fomento à pesquisa e à ciência se prenda a suas atribuições de centro avaliador do ensino universitário brasileiro. É com base nas tabelas de competência que se tem montado um quadro bem balizado do padrão de qualidade de nossas instituições de nível superior.

Para além do que foi relatado, fica difícil vislumbrar outra função desempenhada pela CAPES que não se confunda com aquelas desempenhadas pelo CNPq. Talvez, se se circunscrever ao domínio das relações do Estado com a capacitação estrita de docentes universitários, a CAPES justifique sua existência.

Ou, alternativamente, se somente à CAPES fosse atribuída a missão de gerir a política de bolsas de estudo para a pós-graduação dentro e fora do Brasil, então se compreenderia com maior transparência o funcionamento de duas estruturas administrativas independentes de fomento à pesquisa.

Do ponto de vista da dotação orçamentária, o CNPq lidera a corrida. Nos dois últimos anos, a União tem destinado ao órgão recursos anuais que giram em torno de R$600 milhões. Em compensação, à CAPES, o orçamento anual tem reservado ultimamente recursos no valor aproximado de R$200 milhões.

Tanto o CNPq quanto a CAPES são praticamente administrados por integrantes da classe acadêmica das universidades brasileiras. Portanto, do ponto de vista político, qualquer proposta de mudança na estrutura de funcionamento das duas instituições significa atingir em cheio território imaginado como de exclusiva competência dos docentes universitários.

É claro que essa não é a informação dada abertamente. Percebe-se muito mais pela política de nomeação de cargos comissionados adotada por ambas as instituições. Pelo menos é isso que se nota quando se lêem os nomes dos titulares que ocupam os cargos-chaves das agências. Há uma espécie de cumplicidade do silêncio, para que não se suscitem divergências quanto ao panorama estrutural das instituições.

Na realidade, os técnicos e dirigentes das agências de pesquisa atravessam um período de muito ceticismo quanto às reais perspectivas de expansão dos gastos do PIB brasileiro em investimento científico.

A expectativa era de que, na gestão do Presidente Fernando Henrique, os horizontes da pesquisa se abririam. Conhecidas as intenções de o Governo manter os níveis atuais de distribuição de recursos, a comunidade que "freqüenta" e administra a pesquisa no Brasil anda muito cética.

Por outro lado, não se pode dizer que uma política administrativa de natureza corporativista por si seja sinônimo de ineficiência e improdutividade. Mesmo porque o traço corporativista nas estruturas organizacionais no Brasil não é em absoluto de exclusividade da CAPES e do CNPq.

No entanto, a ausência de um mecanismo mais institucionalizado para avaliação das agências acaba por comprometer sua real capacidade de gerir os recursos disponíveis, bem como de montar uma política de investigação científica mais adequada às necessidades do País.

Segundo informações colhidas junto à Assessoria de Comunicação Social do CNPq, para o ano de 1996 planeja-se um sistema mais rigoroso de distribuição de bolsas para o exterior. No novo plano, metade das bolsas ofertadas permaneceria disponível para pleito aberto em todas as áreas, a outra metade se destinaria a cobrir setores considerados prioritários para o projeto nacional de desenvolvimento.

Dessa forma, o risco de privilegiar determinadas áreas do conhecimento de agrado da direção se reduz pela força da definição de setores nacionais prioritários. Além disso, ambas as instituições prevêem mecanismos mais rígidos de fiscalização do aproveitamento de bolsistas no exterior.

Por exemplo, em vez da assinatura de termos de compromisso, o bolsista passará a assinar contratos com as agências do Governo, de sorte que em caso de quaisquer transgressões o mesmo estará sujeito a severas penalidades legais.

Apesar de todas as iniciativas, parece-me que o ponto fulcral não é sequer tangenciado. Se, de um lado, a escassez de recursos é escandalosa e impede uma maior liberdade para planejamento e execução das pesquisas, de outro, o mais abjeto descaso para com um sistema de controle e fiscalização das pesquisas financiadas desqualifica maior credibilidade junto às organizações que respondem pela investigação científica no País.

O Brasil, com todos esses problemas, tem mantido, ao longo dos anos, com muitas dificuldades, um programa de formação de professores, de cientistas e de pesquisadores, que tem inclusive um certo respeito internacional. Talvez só a Índia tenha um programa parecido com o nosso, e agora a China também. Só que a falta de controle para com esses pesquisadores, esses bolsistas, no exterior, e de condições de pesquisa e trabalho no País, tem redundado num grande êxodo de cérebros, de pesquisadores, que são obrigados a buscar outros centros internacionais para realizarem os seus trabalhos, que resultam, em parte, de conhecimentos adquiridos graças ao financiamento do Governo, vale dizer do povo brasileiro.

Dentro do espírito atual de aceleração da reforma administrativa impresso pelo Governo FHC, é conveniente repensar as estruturas organizacionais que regem a pesquisa no Brasil. De nada adianta se implementar programas de qualidade total isoladamente, sem o devido acompanhamento de um replanejamento das funções e atribuições das estruturas vigentes.

Por isso, sugiro ao Senado Federal, à Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia que, no bojo dessa reforma administrativa de que se cogita agora e à qual o Governo quer imprimir uma grande celeridade, promova-se um debate, uma discussão ampla sobre os papéis dessas agências de financiamento para as pesquisas e para bolsas de estudo no País e no exterior, de modo a que se defina com maior clareza, com maior nitidez, que papéis elas deverão exercer, inclusive a FINEP, a financiadora de estudos e projetos, que trabalha basicamente com a iniciativa privada, que não tem respondido até aqui com a velocidade e a intensidade desejáveis para que se impulsione a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico a partir das empresas nacionais ou estrangeiras que operam no Brasil.

Srª Presidente, Srs. Senadores, com esse pronunciamento desejo, sobretudo, alertar o Governo, especialmente Israel Vargas, Ministro da Ciência e Tecnologia e o Ministro da Educação, Professor Paulo Renato, para que reexaminem, inclusive à luz da reforma administrativa que o Poder Executivo está patrocinando, as competências, as atribuições e o desempenho das nossas agências financiadoras de pesquisas e desenvolvimento tecnológico, para que se lhes dê a operacionalidade necessária a fazer, em face das exigências que o País enfrenta, sobretudo quando deseja, quando quer, quando é quase que obrigado a se inserir no mercado internacional para competir com países dotados de alto desenvolvimento tecnológico e científico.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1995 - Página 888