Discurso no Senado Federal

CRISE DA AGRICULTURA BRASILEIRA.

Autor
Jonas Pinheiro (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Jonas Pinheiro da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • CRISE DA AGRICULTURA BRASILEIRA.
Aparteantes
Gerson Camata, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1995 - Página 867
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • COMENTARIO, AGRAVAÇÃO, CRISE, SETOR, AGRICULTURA, IMPLANTAÇÃO, PLANO, REAL, AUMENTO, TAXA DE CAMBIO, PREJUIZO, PRODUTO AGRICOLA, DESTINAÇÃO, EXPORTAÇÃO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, URGENCIA, PROGRESSO, NEGOCIAÇÃO, SOLUÇÃO, DIVIDA, PRODUTOR RURAL, BANCO DO BRASIL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, AGRICULTURA, VIABILIDADE, EFICACIA, PLANO, REAL.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos insistentemente manifestado nossa profunda preocupação com a crise por que passa a agricultura brasileira, sobretudo, no período mais recente, em decorrência do seu alto grau de descapitalização, de seu elevado nível de endividamento e da queda real de sua renda.

Como Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou, no período de 1993/94, as causas do endividamento do setor agrícola, pudemos avaliar mais de perto a grave situação da agricultura e verificar que não se trata simplesmente de uma crise sazonal e motivada por variáveis de origem meramente conjuntural.

À época identificamos, a partir dos aprofundados estudos, que a crise no setor vem se avolumando e gerando um grau de endividamento de tal monta que, inclusive, começa a inibir e comprometer seriamente a própria atividade.

A partir da implantação do Plano Real, verificamos que os preços dos produtos agrícolas sofreram um declínio em termos reais da ordem de quase 30%, enquanto que, por outro lado, os financiamentos vêm sendo corrigidos pela Taxa Referencial - TR e mais recentemente pela Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP, acrescidos de encargos financeiros elevadíssimos.

Além disso, o próprio Governo Federal fixou os preços mínimos dos produtos agrícolas para a próxima safra 1995/96 nos mesmos patamares fixados para a safra anterior - em alguns casos até inferiores -, balizando, assim, os preços, que, desta maneira, permanecerão praticamente sem correção por dois anos consecutivos.

Enquanto isso, a política de valorização do Real, via taxa de câmbio, vem prejudicando os produtos agrícolas de exportação e favorecendo as importações - muitas de produtos fortemente subsidiados nos seus países de origem - enquanto os preços dos insumos agrícolas vêm sendo aumentados em níveis considerados elevados.

Ora, Srs. Senadores, Srªs e Srs. Senadores, nesse ambiente é praticamente impossível a agricultura brasileira sair da crise em que se encontra.

É fundamental que haja um esforço no sentido de se buscar soluções para essa crise, sob pena de se estar condenando um estratégico setor, de vital importância para a economia brasileira, que é responsável por importante fonte de empregos e, mais recentemente, até pela própria viabilidade e sobrevivência do Plano Real.

Nesse sentido, diversos Parlamentares, comprometidos e preocupados com o setor agrícola, vêm insistentemente buscando encontrar uma solução para minimizar os efeitos da crise sobre a agricultura brasileira.

Com este objetivo, diversos entendimentos vêm sendo realizados com a equipe econômica do Governo Federal, mas confessamos, Sr. Presidente, que a despeito de alguns avanços nas negociações, temos a impressão de que as decisões não vêm sendo tomadas com a celeridade que o momento exige, o que vem contribuindo para agravar a crise e levar mais intranqüilidade ao homem do campo, sobretudo neste momento em que se iniciam os plantios da próxima safra agrícola na Região Centro-Sul do País.

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JONAS PINHEIRO - Ouço o nobre Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata - Ilustre Senador Jonas Pinheiro, acompanho a dedicação, o amor, a garra e a obstinação com que V. Exª permanentemente aqui trata dos problemas da agricultura. V. Exª, sem dúvida, foi o Deputado da agricultura e pode ser chamado agora de o Senador dos agricultores brasileiros. V. Exª dedica quase que integralmente o seu mandato a cuidar dos problemas da agricultura, que são tão cruciais. E se, por enquanto, o País não sente o reflexo dessa crise que está vindo aí, no momento em que sentir teremos que reconhecer que V. Exª foi o profeta que clamou no deserto, e que talvez a sua voz não tenha sido ouvida. Se não for ouvida daqui para a frente, a crise vai chegar mais rápido do que estamos imaginando. Estava há poucos dias refletindo sobre esse assunto. Em matéria de agricultura, o Brasil aprende determinadas coisas, ensina para os países vizinhos e, depois, desaprende. Cito um exemplo. Na época dos governos militares, havia, no Ministério da Agricultura, aqueles compartimentos que cuidavam dos vários produtos da agricultura brasileira. Havia o IBC, que cuidava da lavoura cafeeira e da sua comercialização; havia a CEPLAC, na área do cacau. Na área dos produtos básicos, havia comissões que cuidavam do trigo, do leite, do feijão, do arroz, da farinha. Funcionavam em uma sala, com um agrônomo, um técnico e um economista, que alertavam o Governo, o Banco do Brasil, que, por exemplo, daí a um ou dois anos, a produção de feijão iria começar a cair; e avisavam o Banco do Brasil para abrir uma linha de financiamento para o feijão e que estava diminuindo a área plantada. Se havia seca no Nordeste, informavam que deveria ser plantado mais feijão no Centro-Sul. V. Exª deve se lembrar do Centro Nacional de Pesquisa do Milho e Sorgo, que, apesar de cuidar do sorgo, produto não muito importante na geografia da agricultura brasileira, observava como estava sendo desenvolvida a cultura, a área plantada, a produtividade. O Brasil ensinou a Argentina e o Peru a fazerem isso; eles continuam organizados e nós desaprendemos, pois eliminamos todos esses serviços. Hoje, o Ministério da Agricultura passou a ser subsidiário do Ministério da Fazenda ou do Ministério do Planejamento e Orçamento, que efetivamente comandam a política agrícola do País. Toda essa crise advém exatamente da falta de vontade política, que está acontecendo de alguns anos para cá, de se cuidar do problema da agricultura, ou no geral ou setorizado; tal vontade política faria com que a agricultura pudesse ser desenvolvida, acendendo-se uma lâmpada vermelha quando a crise estivesse se aproximando. Como hoje o Executivo não tem quem acenda a lâmpada vermelha para a agricultura brasileira, essa lâmpada vermelha está sendo a voz profética de V. Exª, que vem gritando, clamando, mostrando a situação. V. Exª mostra agora um quadro que, verdadeiramente, é preocupante. Em relação aos produtos agrícolas, apesar da inflação - que é pequena, mas existe -, apesar dos insumos agrícolas estarem subindo de preço acima da inflação anunciada, apesar dos juros altos - ninguém consegue hoje tomar dinheiro emprestado para plantar, pois o produto agrícola não acompanha os juros -, apesar disso tudo, estamos vendo que os preços mínimos estão abaixo dos preços mínimos desta e da próxima safra. Ou o lavrador não vai acreditar no preço mínimo ou vai, até psicologicamente espantado com isso, plantar menos para ter menos prejuízo. Daqui a pouco, se o Governo - alertado tantas e tantas vezes por V. Exª - não começar a tomar as providências, a voz de V. Exª, que foi quem avisou, vai se tornar a voz do profeta que pregou no deserto e no qual ninguém acreditou. Depois, virão os sete anos das vacas magras e não haverá José do Egito que conserte, quando isso acontecer. Cumprimentos a V. Exª.

O SR. JONAS PINHEIRO - Muito obrigado, Senador Gerson Camata. O aparte de V. Exª enriquece o meu pronunciamento e aumenta a minha responsabilidade quando me considera um dos responsáveis, nesta Casa, pela atuação da agricultura.

De fato, por 35 anos estou trabalhando na área técnica da agricultura, dos quais 12 anos como Deputado Federal, e espero bradar mais 8 anos como Senador da República. Apenas não concordo a colocação de que o Governo não vá ouvir o nosso brado no deserto.

Acredito que vamos ter sucesso num trabalho que a Frente Parlamentar da Câmara dos Deputados está assumindo, com muita perspicácia, contando com o apoio de vários Senadores, que estamos trabalhando no sentido de que o Governo venha a atender urgentemente a área rural do nosso País, sobretudo neste momento.

Como V. Exª bem disse, a agricultura é a âncora do Plano Real. Existe um estudo muito bem feito pela Universidade de São Paulo, demonstrando que o Plano Real tirou da agricultura, este ano, quase R$10 bilhões.

Continuando, Sr. Presidente:

Mais recentemente, as negociações concentraram-se na busca de uma solução para o endividamento dos agricultores, pela via da securitização das dívidas. Uma engenhosa e oportuna solução, já que de nada adianta acenar com possibilidades ou vantagens para a próxima safra agrícola se os agricultores estão engessados pelo alto estoque de dívidas acumuladas.

Por esse processo, o Tesouro Nacional emitirá títulos com prazos prefixados, que serão entregues às instituições financeiras credoras, que poderão ficar com esses títulos em carteira até o seu vencimento ou negociá-los no mercado secundário. Os produtores rurais terão um prazo de pagamento de suas dívidas de igual período fixado nos títulos, dando, como garantia, os produtos agrícolas.

Na prática, as instituições financeiras estarão também equacionando parte da inadimplência dos créditos que possuem junto ao setor rural e melhorando o resultado de seus balanços. No caso específico do Banco do Brasil, a dívida atinge a cifra de R$16,6 bilhões e o déficit no seu balanço no primeiro semestre de 1995 atingiu R$2,3 bilhões.

Restam, ainda, definições sobre o prazo, sobre a carência para pagamento, sobre o indexador de correção e sobre o limite de emissão dos títulos.

Estamos tendentes a julgar razoável que esses títulos tenham dez anos de prazo, com dois de carência, indexados pela equivalência/produto e tenham o limite por título fixado em R$250 mil por produtor, o que contemplaria cerca de 90% dos produtores rurais e despenderia cerca de R$6,6 bilhões.

Entretanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, sentimos, mais uma vez, que as negociações com a equipe econômica do Governo Federal se arrastam, a despeito de numerosas reuniões e entendimentos.

Parece-nos que nessas reuniões de entendimento se cria um clima de antagonismo e de competição entre os Parlamentares e integrantes da equipe econômica.

Nós, Parlamentares, não devemos ser vistos simplesmente como aqueles que desconhecem as realidades e as limitações do Governo Federal, que estão sempre tentando convencer e aumentar a crise, apresentando dados e pleitos irreais e inaceitáveis e procurando obter sempre benesses para os agricultores.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Jonas Pinheiro, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JONAS PINHEIRO - Ouço com muita atenção o aparte de V. Exª, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara - Senador Jonas Pinheiro, eu queria fazer um comentário para me solidarizar com a justeza do raciocínio de V. Exª. E queria fazer uma indagação, que talvez V. Exª possa me esclarecer. A primeira parte se refere a essa afirmação que V. Exª acabou de fazer, justamente sobre a incompreensão que setores do Governo vêm tendo com a problemática rural, na produção da agropecuária. V. Exª deve se lembrar de que, no início, se criou um clima altamente negativo e antipático, como se os agricultores fossem impatriotas, apenas pessoas que queriam se locupletar e se beneficiar de tratamentos favorecidos. Em seguida, o Governo caiu na realidade, quando verificou a falência do setor. Existem produtores rurais inadimplentes, pessoas que desviaram recursos, que malbarataram os empréstimos que receberam; para esses, não temos o direito de pedir e não vamos pedir nada; pelo contrário, esses são maus produtores e estão criando problemas para as justas reivindicações da categoria. Depois, o Governo caiu em si e verificou a situação calamitosa em que se encontrava a agricultura brasileira e o descalabro, inclusive com repercussões terríveis, para o ano, na queda da safra; assim, buscou um clima de entendimento, reabriu as negociações, passou a oferecer outro tipo de tratamento aos produtores rurais. Eu queria que V. Exª me esclarecesse se esses entendimentos com vista a securitização da dívida estão adiantados, se já se estabeleceu um teto, enfim, se essas negociações estão realmente caminhando para um bom entendimento ou não?

O SR. JONAS PINHEIRO - Senador Lúcio Alcântara, foi muito oportuna a sua indagação para que esta Casa tome conhecimento desses últimos entendimentos. Temos alguns impasses que estão próximos a chegar ao entendimento.

O Governo quer securitizar até R$150 mil por produtor, atendendo aí em torno de 190 mil produtores. E nós, do Centro-Oeste, onde o crédito avoluma mais o produtor, estamos tentando chegar a R$250 mil. Vamos ter esse entendimento até a próxima terça-feira.

Nessa securitização, o Governo entende que deva existir, além da equivalência/produto, juros de 6%. Entendemos que não deve ter juros, uma vez que, para atingir aquela quantidade de produto que vai estar em equivalência, está inserido todo o custo de produção.

O Governo também entende que o prazo deva ser de cinco anos, com um ano de carência. Entendemos que isso é pouco para a real dívida que têm os agricultores, e estamos apelando para 10 anos de prazo, dos quais dois anos de carência.

Sr. Senador, como disse V. Exª, entendemos que o Governo caiu na realidade de que o Plano Real tirou do bolso do agricultor quase R$10 bilhões. Estamos, hoje, prevendo uma queda em nossa safra de cerca de 10% para o próximo ano. Isso poderá atrapalhar o Plano Real. Daí o esforço que está fazendo o Governo para se chegar a esse entendimento. Nossa reclamação é no sentido de que isso não poderá perdurar por muito tempo, senão não vamos recuperar a perspectiva de uma queda de 15% a 20% na safra do próximo ano.

Parece-nos que nessas reuniões de entendimento se cria um clima de antagonismo e de competição entre os Parlamentares e integrantes da equipe econômica

Se tal não é a intenção, é necessário desarmar os ânimos e evitar que essa impressão perdure, para que possamos desenvolver uma negociação de forma mais objetiva e menos competitiva entre as partes, tendo-se em mente que, acima de tudo, se está buscando a solução para uma crise, que é real e grave e, sobretudo, criar novas bases para o fortalecimento do setor agrícola.

A verdade é que a cada semana que retornamos ao interior dos nossos Estados somos insistentemente cobrados pelos agricultores sobre o desfecho das negociações e, lamentavelmente, temos que repetir a mesma resposta: "estamos em negociações com o Governo Federal e esperamos uma decisão para a próxima semana". O que não deixa de ser constrangedor e escapar à própria compreensão do homem do campo, preocupado e envolvido em suas dúvidas e os seus pesados encargos do dia-a-dia.

Sr. Presidente, fazemos aqui nesta tribuna este desabafo; o desabafo de um Parlamentar que, ao longo de toda a sua vida pública, sempre se empenhou em procurar saídas para as crises e soluções para os problemas pela via do entendimento e da negociação.

Acreditamos no sucesso dessa via, mas é necessário que também haja mudanças nas posturas dos negociadores para que as soluções não se arrastem em demasia ou sejam tomadas tardiamente, quando já forem praticamente inócuas.

De nossa parte, reiteramos a nossa disposição de continuarmos empenhados nessas negociações, por entendermos que é nosso dever, como Parlamentar e como homem público, comprometido com a agricultura e com os agricultores brasileiros.

Muito obrigado. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1995 - Página 867