Discurso no Senado Federal

PREMENCIA DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PREMENCIA DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1995 - Página 872
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, EXECUÇÃO, PROGRAMA, REFORMA AGRARIA, RESPONSAVEL, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO, SOCIEDADE, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, PAIS.
  • DEFESA, CONSCIENTIZAÇÃO, AUTORIDADE PUBLICA, AUTORIDADE CIVIL, AUTORIDADE MILITAR, REFORMA AGRARIA, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, INEXISTENCIA, ATIVIDADE, MEMBROS, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, PERU.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda ontem ocupou esta tribuna o nobre Senador Bernardo Cabral para tratar sobre o mesmo tema que hoje é objeto do meu pronunciamento.

Praticamente, há um amplo consenso sobre a necessidade imperiosa de se agilizar a solução da questão agrária, em nosso País. Com efeito, nos últimos três meses, particularmente após a triste e vergonhosa chacina de Corumbiara, em Rondônia, onde 10 posseiros e 2 policiais morreram, as mobilizações dos chamados sem-terra vêm sendo grande destaque da mídia nacional e internacional, pelo crescente número de invasões de propriedades rurais.

E esses fatos, sem dúvida, vieram aguçar novamente a necessidade irretorquível de se fazer avançar o processo de reforma agrária. Tema que vem se arrastando em nosso País há mais de 40 anos, e que está forte e permanentemente incrustado na raiz mesma de sua crise sócio-econômica e política. Tendo sido, especialmente a partir de 1956, com o advento das Ligas Camponeses no Nordeste, criadas por Francisco Julião, um dos fatores fundamentais da exacerbação política nacional, que culminou com o Movimento Militar de 1964.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esse aguçamento, sem lugar a dúvidas, está plenamente expresso nos números que ilustram a questão da posse da terra nos dias atuais. Uma estatística de eloqüência inquestionável, que nos dá conta da existência de 12 milhões de brasileiros, ou seja, uma população comparável às de Países como a Espanha e a Holanda, vivendo no campo, sem acesso à terra e, conseqüentemente, sem auferir praticamente renda alguma.

Segundo o próprio Ministério da Agricultura, são 4 milhões e 800 mil famílias que se movimentam hoje em busca da posse de uma parte dos 81 milhões de hectares de terras ociosas que possuiria o nosso País. Constituindo, desse modo, um enorme desafio não apenas para o Governo atual, mas para toda a sociedade.

Um desafio que, convenhamos, até o presente, tem sido atacado de forma lenta. Pois, ainda de acordo com as informações do Ministério da Agricultura, temos hoje apenas 1 milhão de hectares em processo de desapropriação, em todo o País. Ou seja, tão-somente 1,2% do total das terras em ociosidade. Encontrando-se espalhadas por todo o País cerca de 20.521 famílias, que tentam sobreviver debaixo de barracas de plástico negro, numa precisa e dramática ilustração de sua sorte, em 89 acampamentos provisórios.

Logicamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante desse quadro, não se poderia mesmo esperar outro desfecho, senão o explodir de invasões de terra em todo o território nacional, mesmo que algumas dessas sejam incentivadas. Devendo lembrar, inclusive, como disse aqui, em pronunciamento anterior, que essa situação veio a agravar-se ainda mais, por conta, também, dos desassentamentos últimos, provocados pela atual crise da agricultura. O quadro levou o Presidente Fernando Henrique Cardoso a ter que adotar recentes mudanças na área do Ministério da Agricultura - se bem que, como afirmou o nobre Senador Bernardo Cabral, não seria apenas a substituição do Presidente do INCRA que viria a mudar a situação que aí está no País.

Mas, ao nomear o engenheiro agrônomo, Francisco Graziano, seu secretário particular, para a Presidência do INCRA, o Presidente da República não o fez apenas movido pelas pressões das lideranças sindicais agrárias. Concretamente, acredito, quis trazer para o seu controle direto as ações relativas à reforma agrária. Com o que demonstrou o seu inegável interesse de concretizar sua meta governamental de assentar 280 mil famílias em quatro anos, buscando de imediato o arrefecimento das tensões no campo, embora essa meta esteja muito longe de vir a ser concretizada.

Entretanto, a realidade é que os fatos parecem suplantar o desejo presidencial. Seu pedido de trégua aos sem-terra, convenhamos, longe está de ser realmente atendido. E menos porque as lideranças do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) estejam simplesmente imbuídas de um sentimento subversivo, mas, sim, porque esse movimento plasma, hoje em dia, toda a problemática da estrutura fundiária do País, e cataliza um processo inadiável de ruptura de uma forte contradição sócio-econômica e política.

Tanto, que as próprias Forças Armadas, como ficou claro nas intervenções dos generais Alberto Cardoso, chefe da Casa Militar da Presidência da República e Cláudio Figueiredo, chefe do Centro de Inteligência do Exército, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, nesta Casa, se empenham hoje em demonstrar que compreendem o problema dos sem-terra e, por extensão, da reforma agrária, antes de tudo, como uma grave questão social. Intervenções que, ademais, serviram positivamente para desmascarar os setores interessados na pura e simples repressão aos sem-terra, argumentando com uma suposta infiltração de guerrilheiros peruanos do chamado Sendero Luminoso, em seu movimento.

Assim, não será um prognóstico agourento, mas a cristalina percepção realista dos fatos, dizer que o problema dos sem-terra deverá continuar num crescendo daqui para frente. Um exemplo são as recentes ações do MST, no Estado do Paraná, ou as do oeste paulista, em Mirante de Paranapanema, que já estão programadas para mobilizar 5 mil famílias.

Um cenário de mobilizações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que efetivamente não se reduz àquelas áreas. Que não se resume ao Sul/Sudeste. Espraia-se por todo o País, ganhando em violência e truculência, por parte dos setores conservadores, à medida que se desenvolve em regiões mais atrasadas em termos econômicos, e onde, naturalmente, ainda pesa a remanescência de latifúndios improdutivos, como o Norte e parte do Centro-Oeste e, sobretudo, no Nordeste. Não são falsas as notícias de que fazendeiros voltam a se armar para o enfrentamento aos sem-terras, o que nos oferece mais um sério motivo de preocupação e de alerta, para que se apresse as medidas de reformulação do quadro fundiário do País.

Claro, que a reforma agrária que hoje se impõe já não é mais aquela reivindicação romanticamente revolucionária da década de 60, em que a distribuição de terras se apresentava como a única solução. Hoje em dia, passados 30 anos, a transformação capitalista do nosso campo, particularmente no Sul/Sudeste e Centro-Oeste, é uma realidade insofismável, sendo impossível imaginar-se a volta da exploração agrícola tradicional, como base modular da produção do setor primário.

Não obstante, como disse em recente entrevista o Economista e Professor Celso Furtado, o fato de o Brasil não ter feito ainda a sua reforma agrária, coloca hoje o nosso País diante de uma enorme dificuldade para efetivar o seu processo de verdadeira modernização. Diferentemente de países como o Japão ou mais recentemente a Coréia do Sul, que desenvolveram providencialmente, a seu tempo, as pertinentes reformas agrárias, que lhes deram o necessário suporte para o crescimento dos seus mercados internos, capacitando-os aos papéis significativos que hoje desempenham na economia mundial. Sem deixar de mencionar os países capitalistas tradicionais, cujas revoluções burguesas partiram embasadas obviamente nas transformações radicais de suas estruturas fundiárias e de suas relações de produção, ao suplantarem o velho feudalismo.

Evidentemente, não nos deve passar despercebido que esta reforma é, com efeito, um dos requisitos do desenvolvimento capitalista no Brasil. Mas o nosso capitalismo, ao contrário dos processos lineares com que se desenvolveu em outros países, pôde, por condições estruturais peculiares, dispensá-la, na fase inicial de sua industrialização. Com efeito, a modernização capitalista do campo brasileiro, se fez entre nós em meio a um processo desigual, gradual e combinado, que resultou inevitavelmente em uma estrutura heterogênea. Mantendo-se, por muito tempo, lado a lado, o latifúndio arcaico de unidades capitalistas propriamente ditas, numa flagrante contradição que só pôde manter-se equilibrada até o momento em que a referida industrialização do País não se completava.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enquanto o processo de industrialização se moldava através da substituição de importações, apoiando-se em um setor produtor de bens de produção arcaico e altamente absorvedor de mão-de-obra, a reforma agrária não se traduziu a uma exigência incontornável para a reprodução do nosso novel sistema capitalista. O setor industrial cumpria, assim, uma das funções básicas da citada reforma, ou seja, absorvia a força de trabalho que era liberada e expulsa do campo, através da desestruturação do complexo rural anterior. E a crise agrária só viria à tona quando conjunturalmente a taxa de investimento declinasse.

Mas, à medida que, ao lado da modernização capitalista do campo, o processo de industrialização propiciava a modernização da indústria pesada, completada na década de 70, a questão agrária passava a ser permanente, exigindo uma rápida produção. De modo que a reforma da estrutura fundiária é hoje uma condição fundamental para que se possa realmente sustentar o próprio avanço do capitalismo em nosso País. E, mais ainda, agora, no momento em que inserimos na chamada globalização da economia mundial, temos que fazê-lo com um mercado interno cada vez mais fortalecido, sob pena de nos colocarmos num plano que alguns economistas denominam hoje de "inserção subdesenvolvida".

A solução contudo não poderia ser, evidentemente, a mera recomposição da economia camponesa tradicional. Estamos hoje na era do agribusiness. Ou seja, trata-se, agora, por um lado, de se promover o desenvolvimento do capitalista no campo. O que determina a necessidade de incentivar o uso capitalista da terra, desestimulando a manutenção do latifúndio improdutivo e anacrônico, calcado no uso especulativo da terra e na continuação dos antigos esquemas de comercialização. E, por outo lado, a necessidade de se reestruturar o nosso complexo rural sob formas novas.

Sem dúvida, um verdadeiro desafio à criatividade dos Governos que se seguirão daqui para diante e seus planejadores. Mas o desafio que, quer se queira ou não, o próprio Movimento dos Sem-Terra já está mostrando ser possível de ser enfrentado, à medida que tem buscado justamente o caminho ditado por essa realidade do campo, ao organizar-se basicamente na forma de uma grande empresa cooperativa.

Contudo, seria ingenuidade não perceber que as relações de assalariamento do campo, à medida que avança a produção agrícola para o mercado, com o crescimento da capitalização do setor, tenderão inevitavelmente a ser generalizadas. E, não havendo, por enquanto, recursos suficientes para que se processem, de imediato, todos os assentamentos que se fazem necessários, torna-se imperioso que se encontrem rapidamente soluções temporárias. Formas de desapropriação que permitam às famílias do campo, sobretudo pela perspectiva de crescimento do exército dos chamados bóias-frias, a possibilidade de uma gleba que lhes propicie uma produção de autoconsumo complementar. O que faz com que a própria reforma agrária se interpenetre com um processo amplo de reforma urbana. E, neste ponto, lembro-me bem, de uma certa feita, quando nesta Casa, falava o saudoso Senador Pompeu de Sousa sobre o assunto. E, ao lhe apartear, ouvia eu de S. Exª uma assertiva que ainda ontem, também, estava presente no discurso do Senador Bernardo Cabral.

Dizia, naquela época, Pompeu de Sousa: "De tanto se demorar a fazer a reforma agrária no Brasil, hoje a reforma urbana é mais grave do que a reforma agrária". Justamente porque os contingentes de sem-terra, que foram marginalizados do processo do desenvolvimento econômico no campo, não tiveram outro caminho senão ir em direção de cidades e formar as populações das periferias das nossas grandes metrópoles.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço o nobre Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Humberto Lucena, é claro que quem está a acompanhar o seu discurso de logo verifica a densidade de que ele é forrado. No fundo, V. Exª demonstra aquilo que eu dizia ontem sobre a interpenetração do processo de reforma agrária com a reforma urbana. V. Exª aborda o tratamento especulativo da terra e diz muito bem que devemos encontrar soluções racionais. Esse é o tema posto ao debate. Para V. Exª, que tem a autoridade de quem foi Presidente da Casa, que não está em seu primeiro mandato, que exerceu o mandato de Deputado Federal - período em que tive a honra de ser seu companheiro, nos idos de 67 - quero não apenas falar de meus cumprimentos neste aparte, Senador Humberto Lucena, mas também reconhecer que este é um assunto sobre o qual o Congresso Nacional não pode e não deve omitir-se. A gravidade é tão grande que, se ainda me sobrar tempo nesta tarde, voltarei à tribuna para abordá-lo, mas não me sentiria bem comigo mesmo se não registrasse a altitude do seu pronunciamento. Praza aos céus que o Governo esteja a recolher, pela sua assessoria parlamentar respectiva, a contribuição que o Senado e, tenho certeza, a Câmara estão trazendo na abordagem desse pronunciamento. A matéria é tão grave que V. Exª não deixou de ocupar a tribuna para dela tratar. Peço que me associe a suas palavras nesta tarde em que, lamentavelmente, não está o plenário, como deveria, prenhe de Senadores para ouvi-lo.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço, nobre Senador Bernardo Cabral. V. Exª, também com muita honra para mim, era meu companheiro de Câmara dos Deputados nos idos da nossa História quando eclodiu o grande movimento pela reforma agrária, no Brasil. Sabe V. Exª o que foram as Ligas Camponesas no Nordeste, criadas do gênio inventivo de Francisco Julião, meu aparentado, de quem sou aproximado, inclusive, nas minhas relações pessoais.

Deputado Federal, naquela época ainda bem jovem, pude acompanhar, de perto, o desenrolar dos acontecimentos no meu Estado e pude inclusive ver até onde chegava o confronto. Tivemos várias mortes entre trabalhadores rurais e proprietários, e temo que, se o Governo não estiver atento - V. Exª admitiu isso ontem - esse quadro possa voltar a se instalar no País. Os proprietários já anunciaram a formação de uma milícia e os sem-terra não arredam o pé das propriedades que invadiram. Resta saber até onde vamos chegar se não houver uma intervenção, a tempo e hora, do Governo não para reprimir, mas para fazer justiça e, sobretudo, dar trabalho a quem precisa.

Tivemos heróis e mártires, na luta pela terra no Nordeste, particularmente no meu Estado. Tivemos por exemplo, o caso de Pedro Fazendeiro e do chamado Nêgo Fuba, dois que desapareceram, que morreram, embora não se saiba até hoje onde seus corpos foram enterrados. Já recebi, inclusive, pedidos para incluí-los no rol daqueles que serão favorecidos pelo projeto de lei do Governo que indeniza famílias de desaparecidos. Dentro de poucos dias, devo requerer ao Senado a inserção, em seus Anais, de um magnífico artigo do Padre Francisco Ferreira Nóbrega, "Queremos Fuba", que nada mais é do que uma homenagem a um desses mártires anônimos, na grande luta pela terra no Nordeste e na Paraíba.

Mais recentemente, tivemos o assassinato da grande líder camponesa Margarida Alves, que por tanto tempo não foi esclarecido, mas agora a polícia da Paraíba juntamente com a Polícia Federal conseguiram prender o principal suspeito.

Volto a minhas considerações, Sr. Presidente: como bem diz o novo Presidente do INCRA, Sr. Francisco Graziano, não se resolve o problema de 12 milhões de pessoas que vivem no campo, dando terra para alguns milhares de famílias. O problema, para usar suas próprias palavras, é levá-las à cidadania, sendo essa realmente uma tarefa não apenas daquela instituição, mas do Governo como um todo ou, melhor ainda, uma realização do conjunto de toda a sociedade, como disse antes.

Assim, ao lado das mudanças institucionais necessárias à agilização dos assentamentos que implicam em fortalecimento político do INCRA, é preciso compreender que o processo da reforma agrária tem uma amplitude muito maior; é preciso compreender ainda que incide na questão problemas de cunho jurídico que estão a demandar urgente ação do Poder Legislativo no tocante à regulamentação dos procedimentos relativos à desapropriação de imóveis rurais por interesse social que, de modo progressista, a Constituição de 88 em boa hora estabeleceu.

Isso logicamente é fundamental para que os processos não permaneçam longamente emperrados no Judiciário, e se apressem as emissões de posse, e implica necessariamente a modificação da lei do rito sumário, bem como outras mudanças na área jurídica, envolvendo os Códigos Penal e Civil que redundem em melhor adequação do aparato jurídico à nova realidade no campo brasileiro, o que deverá levar à elaboração de pertinente emenda constitucional que o Congresso, sem dúvida, terá que apreciar brevemente.

Porém, como está claro, essas são medidas que demandarão um certo tempo para sua real efetivação, sendo, portanto, necessárias outras ações de caráter mais imediato para se tentar solucionar o problema disponibilidade agrária de terras para a desapropriação. Nesse sentido, Srªs e Srs. Senadores, são extremamente importantes as iniciativas de eficácia e objetivos mais concretos, como, por exemplo, o projeto de lei do nobre Senador Roberto Freire que dispõe sobre a desapropriação para reforma agrária das terras onde se sabe existir ainda o famigerado trabalho escravo ou situações de trabalho degradantes. Ou ainda o que está sendo estudado pelo Governo, com base no art. 243 da Constituição, que visa a expropriação de cerca de 500 latifúndios improdutivos no Norte e no Centro-Oeste que estariam sendo usados pelo narcotráfico como ponto de passagem de drogas ou até mesmo para montagem de laboratórios de refino de cocaína.

No entanto, todas essas iniciativas implicam, como é óbvio, suporte financeiro do setor público para que elas se concretizem. Esse fato, por sua vez, nos leva a analisar o próprio modelo de estabilização econômica - ora em curso no País - que está a exigir, urgentemente, a manutenção do necessário equilíbrio fiscal, o que, não tendo sido ainda resolvido, tem determinado uma notória limitação de recursos, inclusive para as ações de assentamentos dos sem-terra.

Pois, com efeito, segundo se informa, o Governo Federal tem hoje mais de R$l bilhão destinados à reforma agrária no Orçamento deste ano, sendo que concretamente teriam sido liberados até agora simplesmente R$32 milhões. Numa demonstração de que, a par de se tomarem todas as medidas antes referidas, é preciso que se consiga resolver urgentemente a questão do ajuste fiscal do setor público. O que nos leva a sentir mais fortemente ainda a necessidade de que se avance com mais rapidez no processo das reformas fiscal-tributária e patrimonial, em particular, para que o Governo possa pensar realmente em deflagrar uma verdadeira reestruturação fundiária no País.

Sem recursos fiscais, Sr. Presidente, o que se tem feito é lançar mão dos chamados Títulos da Dívida Agrária, que sofreram deságio e que se transformaram em instrumentos pouco adequados - porque moedas podres - da privatização das empresas estatais. Tenho conhecimento, por exemplo, de que no caso, USIMINAS: houve quem comprasse milhares e milhares de ações daquela companhia estatal do setor siderúrgico a preço de banana, utilizando recursos provenientes dos Títulos da Dívida Agrária, com um deságio de mais de 60%

Retomo o que dizia. Mas enquanto isso não acontece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há como evitar que os sem-terra se mobilizem, determinando, às suas próprias custas, as bases dessa reestruturação. De modo que se nos impõe, como atitude sábia e adequada aos novos tempos, a necessidade urgente de empreendermos o verdadeiro mutirão nacional, de toda a sociedade, para que se resolva a questão agrária.

Implica isso dizer que é imperioso um amplo debate sobre o assunto. Um debate que congregue todos os segmentos da sociedade, despido dos tradicionais ranços ideológicos, ainda supervenientes na discussão do tema, e tendo como ponto central a sua real significação econômica e social. Para que se compreenda o fato histórico e inexorável de que as contradições de uma sociedade marcada por um forte dualismo, isto é, uma sociedade em que formas atrasadas continuam a conviver com formas modernas, em crescente ascensão, como é o nosso caso, já se encontram definitivamente maduras para sua solução. E que esse salto dialético depende hoje fundamentalmente da nossa capacidade de resolver essa lacuna, não mais concebível, que é a falta de uma verdadeira reforma agrária.

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos, os industriais, os comerciantes e os empresários do setor de serviços, assim como os trabalhadores urbanos, os funcionários públicos, os intelectuais, e sobretudo nós, Parlamentares, temos de encetar hoje uma nova campanha por essa reforma. Ela não é tão-somente parte de uma ampla política que determine o ótimo aproveitamento das terras produtivas, bem como parcela de uma política de rendas e de geração de empregos. É, muito mais do que isso, o verdadeiro resgate da cidadania de milhões de seres que compõem um enorme exército de desvalidos, que, infelizmente, povoam nossos campos e também nossas cidades. Um resgate que inexoravelmente significa a própria garantia de podermos nos constituir de modo real em uma Nação soberana, próspera e justa para com seus filhos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero crer que a realização de uma verdadeira reforma agrária no País, com vistas a ampliar a nossa economia de mercado, aumentando o poder de compra dos brasileiros, sobretudo daqueles milhões que estão marginalizados no interior, possa vir a ser o contrário do que foi antes. Nos idos de 1960 a 1964, tivemos um grande movimento pela reforma agrária, mas o que se viu então foi que os conservadores deram àquela luta um caráter subversivo, o que justificou, inclusive, o golpe militar de 1964.

Agora, não. As próprias Forças Armadas estão compreendendo a necessidade e a urgência da reforma agrária. E certamente ajudarão, naquilo que lhes for possível, para que, ao contrário dos anos 60, nos tempos atuais, com uma reforma agrária bem feita e bem dirigida, possamos, afinal, consolidar, definitivamente, o regime democrático em nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1995 - Página 872