Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO PREOCUPANTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, COM A POSIÇÃO DE CAMPEÃO DE OBITOS POR MALARIA.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • SITUAÇÃO PREOCUPANTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, COM A POSIÇÃO DE CAMPEÃO DE OBITOS POR MALARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/1995 - Página 248
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SAUDE, PAIS, AUSENCIA, IGUALDADE, ACESSO, ASSISTENCIA MEDICA, POPULAÇÃO, GARANTIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • COMENTARIO, AMPLIAÇÃO, INCIDENCIA, MALARIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), RESULTADO, POLITICA, FERNANDO COLLOR DE MELLO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDUÇÃO, NUMERO, AGENTE DE SAUDE PUBLICA, PREJUIZO, COMBATE, DOENÇA ENDEMICA.
  • DEFESA, PARCERIA, ORIENTAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, PREFEITURA MUNICIPAL, EFICACIA, COMBATE, MALARIA.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, MINISTERIO DA SAUDE (MS), SOLUÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SETOR, SAUDE PUBLICA.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em nosso imenso País são inúmeros, diversificados e graves os problemas de saúde. A população brasileira não vem tendo acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde garantidos pela Constituição. Nas regiões mais distantes e inóspitas, as dificuldades são ainda maiores, pois seus habitantes estão sujeitos às endemias tradicionais das zonas tropicais e subtropicais e necessitam de atendimento constante e da redobrada atenção do Governo Federal. É para falar sobre uma das doenças endêmicas que mais vitimam a população da região Amazônica _ a malária _ que ocupo, hoje, a tribuna desta Casa.

Desde o início da década de setenta, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a impossibilidade da erradicação da malária, e propôs a transformação dos programas de erradicação em programas de controle da doença.

A partir de então, dois tipos de movimentos tornaram-se predominantes na área de estudos sobre a doença. Por um lado, intensificaram-se as pesquisas, visando à melhor caracterização das diferentes etapas do processo de transmissão; por outro lado, foram revistos os conceitos e estratégias na luta contra a malária, reconhecendo-se seu caráter preponderantemente focal.

Passando a ser considerada uma doença focal na maior parte do mundo, foram então elaborados paradigmas para reunir os determinantes ecológicos e sociais da malária. Esses paradigmas buscaram caracterizar as situações concretas de persistência da transmissão ou da reintrodução da malária nas diferentes regiões do planeta, baseando-se em dois conjuntos: as condições ecológicas específicas e as condições ocupacionais e/ou sociais específicas.

Inúmeros estudos comprovaram que a presença de surtos de malária é inversamente proporcional ao estágio de desenvolvimento socioeconômico e diretamente proporcional ao sistema de vigilância epidemiológica existente nas regiões em que os focos aparecem. Nas áreas mais desenvolvidas e com melhores sistemas de vigilância, o aparecimento de casos costuma ser prontamente diagnosticado, evitando-se a produção de um foco. Nas áreas com menor desenvolvimento e com piores condições para a vigilância epidemiológica, focos da doença instalam-se com mais facilidade e em maiores dimensões.

No conjunto do paradigma das condições ocupacionais e/ou sociais específicas, estão compreendidas a malária dos projetos de colonização agrícola em áreas de floresta, malária de mineração, malária de acampamento de migrantes, entre outros tipos. É a esse conjunto que pertencem os casos da doença existentes em nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: no Brasil, a malária é, hoje, uma doença localizada e diretamente relacionada com a exploração de riquezas minerais em garimpos abertos e com a ocupação agrícola das terras da região Norte do País, originalmente cobertas pela floresta amazônica.

Recente estudo da pesquisadora Rita de Cássia Barata, do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, intitulado "Malária no Brasil: Panorama Epidemiológico na Última Década", indica que, no início desta década, em todo o território nacional, "a malária encontra-se confinada a setenta e nove municípios da região amazônica, ligados, fundamentalmente, às atividades de mineração, e às atividades de expansão de fronteira agrícola". Tal confinamento, entretanto, não é completo. A partir dessas áreas relativamente restritas, "os indivíduos infectados movimentam-se por todo o território, podendo reintroduzir a transmissão em regiões onde a doença já havia sido controlada"

Desde 1989, os casos de malária vinham diminuindo no País graças às mudanças adotadas na estratégia de controle, que conferiram maior autonomia às direções locais, buscando adaptar os instrumentos disponíveis às diversas situações epidemiológicas. Porém, a desorganização do aparelho do Estado, na esfera federal e também na esfera estadual, ocorrida no início dos anos noventa, e a indefinição dos papéis desses dois níveis de governo face às propostas de municipalização, dificultaram a implantação de uma política de descentralização das ações de combate à doença no Brasil.

Assim, em 1991 e em 1992, ocorreu uma explosão dos casos da doença no País, com dramática incidência no Estado do Mato Grosso, onde, só em 1992, foram registrados mais de duzentos mil casos de malária. Permitam-me traçar um rápido panorama da incidência da malária, citando algumas estatísticas dessa doença em meu Estado, nos últimos anos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Estado do Mato Grosso, que tenho a honra de representar nesta Casa, a malária é uma doença endêmica. O problema começou a adquirir vulto a partir de 1987, com a implantação de projetos de colonização e a abertura de garimpos, duas iniciativas que se caracterizam pela concentração de populações em locais desprovidos de saneamento básico, favorecendo, assim, a proliferação do mosquito transmissor da doença.

Há pouco mais de uma década, surgiram no território mato-grossense mais de uma dezena de cidades novas, povoadas por milhares de sulistas que acreditaram na política de colonização da Amazônia e deixaram os Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul para trabalhar, produzir riqueza e acelerar o desenvolvimento do Mato Grosso.

Até o início da década de noventa, porém, a situação estava sob controle, mesmo nos municípios cuja principal atividade econômica era a exploração do ouro e do diamante. Em 1988, Mato Grosso ocupava o quarto lugar, em termos de registro de casos de malária no País.

Em 1991, porém, Mato Grosso assumiu a vergonhosa posição de primeiro colocado em casos de malária. Naquele ano, cento e cinqüenta e sete pessoas morreram dessa doença, no Estado. Em 1992, ocorreram cento e cinqüenta e cinco óbitos, principalmente nos Municípios de Peixoto de Azevedo, Alta Floresta, Terra Nova e Paranaíta, cuja economia baseia-se na exploração de garimpos, reconhecidamente os maiores focos de irradiação da doença. Entre 1991 e 1993, a malária matou quatrocentos e quatro pessoas no Estado; desse total, cento e setenta e três óbitos foram registrados nos quatro municípios que acabei de mencionar.

É preciso que se diga, Sr. Presidente, quem foi o grande responsável por essa vergonhosa posição ocupada por meu Estado. Se Mato Grosso, por algum tempo, foi o campeão de óbitos por malária, este fato ocorreu em consequência do irresponsável desmonte promovido, em 1990 e em 1991, pelo governo do ex-Presidente Fernando Collor de Mello, que reduziu praticamente a zero o contingente de agentes de saúde daquela época. Foi um verdadeiro desastre.

Em 1993, adotou-se uma nova estratégia de combate à doença. Diante do recrudescimento da malária, a Fundação Nacional de Saúde _ FNS criou, naquele ano, seu Distrito de Sinop, que abrange vinte e cinco municípios da Região Norte, nos quais foram implantados subdistritos que coordenam o combate à malária. Esses subdistritos passaram a ser, desde então, chefiados por inspetores da FNS, que comandam equipes integradas por funcionários contratados pelas prefeituras municipais.

Essa nova estrutura, montada pelo poder municipal, veio substituir as antigas equipes formadas pelas centenas de agentes federais de saúde demitidos pelo governo Collor. Esses funcionários, além de identificarem as áreas de maior incidência de malária para o desencadeamento de campanhas de combate ao mosquito transmissor da doença, certificam-se também da realização dos exames de lâminas de sangue nos laboratórios e cuidam da distribuição de medicamentos aos portadores de malária.

Graças a essa nova estrutura de combate à doença, hoje as estatísticas são outras, Senhoras e Senhores Senadores. Com a municipalização relativa do combate à malária, caiu significativamente a incidência em relação aos anos anteriores. De acordo com a recente e importante matéria, publicada em página inteira pelo Diário de Cuiabá, em maio deste ano, a malária está sob controle no Estado do Mato Grosso.

O Coordenador Regional da Fundação Nacional de Saúde informou que Mato Grosso, felizmente, deixou de ocupar a vergonhosa posição de primeiro colocado nas estatísticas de mortes por malária no País. Graças à ação eficaz dos seiscentos funcionários da mencionada Fundação em todo o Estado e à liberação de recursos para a expansão da rede de laboratórios, para os estoques de medicamentos e para a frota de veículos daquele órgão, hoje, o Estado do Mato Grosso passou a ocupar a quarta colocação nas estatísticas nacionais de mortes causadas por essa doença.

Srªs e Srs. Senadores: parece não haver dúvidas de que o controle de endemias e, dentre elas, da malária, encontra-se em um período de transição, no qual os diferentes papéis institucionais ainda não estão claramente definidos. Segundo a pesquisadora Rita de Cássia Barata, anteriormente mencionada por seu excelente trabalho que traça um panorama epidemiológico da malária no País, "diversas experiências têm sido feitas no sentido de concretizar a transferência das atribuições para os instâncias regionais".

A realidade comprova que, nas áreas mais afetadas pela endemia, a participação das prefeituras municipais nas ações de controle da doença tem crescido bastante, suplementando as atividades desenvolvidas pela Fundação Nacional de Saúde. 

O caminho é este, Sr. Presidente. A rede municipal de saúde, em parceria e sob a orientação da Fundação Nacional de Saúde, tem de dispor dos meios necessários para o controle dos focos e para o combate eficaz da malária em nosso País e estar preparada para a transferência de atribuições e de novas tecnologias de combate à doença. Novas drogas e vacinas, dentre as quais a substância de origem chinesa usada no tratamento da malária maligna _ o arteflene ou RO-421611 _ poderiam ser utilizadas em maior escala.

Srªs e Srs. Senadores, é por estar consciente da necessidade de as autoridades locais assumirem um novo papel e de o planejamento de combate à malária priorizar características específicas das localidades onde os focos ocorrerem, que faço, ao concluir este pronunciamento, um veemente apelo ao Governo Federal. É preciso que se enfrentem de forma enérgica os graves problemas de saúde que tanto afligem a população brasileira. É preciso que seja priorizada a destinação de recursos para o Ministério da Saúde. A luta em busca de recursos, que vem sendo travada pelo respeitado Ministro Adib Jatene, não pode ser vã.

Faço também um apelo às autoridades da área de saúde para que priorizem as ações de combate à malária e intensifiquem a parceria hoje existente com muitas das prefeituras dos setenta e nove municípios da região amazônica, onde a doença encontra-se confinada.

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/1995 - Página 248