Discurso no Senado Federal

LANÇAMENTO, PELO GOVERNO FEDERAL, DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTERIO. SALIENTANDO A NECESSIDADE DE ASSEGURAR NÃO SO AOS PROFESSORES, MAS TAMBEM AOS PAIS DOS ALUNOS UM NIVEL DE RENDIMENTO, COMO OCORRE NO ALASCA E NA ESPANHA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • LANÇAMENTO, PELO GOVERNO FEDERAL, DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTERIO. SALIENTANDO A NECESSIDADE DE ASSEGURAR NÃO SO AOS PROFESSORES, MAS TAMBEM AOS PAIS DOS ALUNOS UM NIVEL DE RENDIMENTO, COMO OCORRE NO ALASCA E NA ESPANHA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/1995 - Página 1193
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, LANÇAMENTO, PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, VALORIZAÇÃO, MAGISTERIO, DISTRIBUIÇÃO, RACIONALIZAÇÃO, RECURSOS, ESTABELECIMENTO, PISO SALARIAL, PROFESSOR.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, ORADOR, SUGESTÃO, CRIAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE, IGUALDADE, IMPLANTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, ESPANHA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Jefferson Péres, Srª e Srs. Senadores, nesse último 12 de setembro e no último final de semana, o Governo lançou o Plano de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Nessas ocasiões, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, juntamente com o Ministro da Educação e do Desporto, concederam entrevistas em que explicam novas diretrizes nas quais se baseiam a proposição que procura garantir mais recursos para a educação, equilibrando recursos entre Estados e Municípios nos diversos níveis.

            O Plano de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério procura distribuir responsabilidades entre Estados e Municípios, cumprir vinculações constitucionais, procura eficiência de gestão e racionalização no uso de recursos, trata de carreira e qualificação profissional, de remuneração dos professores, fala da realidade salarial e propõe diversos mecanismos visando a melhoria de gastos com a educação, além de propor parâmetros para fixação de pisos salariais para o magistério.

            As proposições anunciadas causaram bastante descontentamento entre os professores, em muitas das regiões da Nação, e não é à toa que docentes das mais diversas categorias, reunidos hoje em Brasília por suas entidades, realizaram protestos com respeito às proposições anunciadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso.

            Todavia, há um aspecto da proposta do Presidente Fernando Henrique Cardoso que gostaria de comentar. Sua Excelência salientou que há diversos professores em inúmeros Estados - sobretudo os mais pobres no País -, professores do ensino fundamental do 1º Grau, que estão ganhando remunerações da ordem de R$30 por mês, por uma jornada de meio período, quatro horas por dia ou 24 horas semanais, e que seu plano para a educação visa justamente corrigir isso, visa estabelecer um salário médio da ordem de pelo menos R$300 por mês, o que possibilitaria um piso - para aqueles que trabalham hoje de 20 a 24 horas semanais - de pelo menos R$150. Foi o que entendi.

            Ainda que essa remuneração seja altamente insatisfatória, ainda que se faça necessário o provimento de mais recursos para a educação no sentido de se garantir um nível de remuneração mais condizente para aqueles que exercem atividade tão importante como a de lecionar, saliento um importante aspecto: Se o Governo Fernando Henrique Cardoso resolveu estabelecer uma renda mínima para aqueles que estão na cátedra, para os professores, há que se pensar no que ocorre com os pais das crianças que estão nas salas de aula. Se ao docente que trabalha em período integral se assegurará uma remuneração média de pelo menos R$300, nenhum professor no País receberá menos que R$150; e observem V. Exªs que, hoje, há professores que recebem R$30, R$40 ou R$50 por mês em Estados como os do Nordeste e do Norte do Brasil.

            Assim, Sr. Presidente, creio que há que se assegurar também aos pais daqueles que estão nas carteiras um nível mínimo de rendimento. Para que as crianças possam ter condições mínimas para se alimentarem e conseguirem estudar e aprender alguma coisa e não se verem forçadas a ir trabalhar desde os sete, oito, dez ou doze anos de idade, faz-se necessário assegurar também rendimento mínimo a suas famílias. Gostaria de salientar isso.

            Em 1516, em A Utopia, Thomas More escreveu a seguinte passagem - uma menção do português viajante Rafael Hitlodeu ao Cardeal-Arcebispo da Inglaterra - sobre a pena de morte:

            "Em vez de infligir esses castigos horríveis, seria muito mais apropriado assegurar a todos algum meio de sobrevivência, de tal modo que nenhum homem se visse compelido, por terrível necessidade, a roubar e depois pagar por isso com a morte".

            É necessário assegurar, como um direito à cidadania, a sobrevivência das pessoas.

            Nessa última terça-feira, sobre esse tema, publiquei o seguinte artigo denominado "Sobrevivência" no jornal O Estado de S.Paulo:

            Na semana passada, cada habitante do Alasca recebeu US$990,30. O Fundo Permanente do Alasca (FPA), conforme me informou seu diretor-executivo, Byron Mallot, pagou um total de US$536 milhões aos 542 mil habitantes que, de janeiro a março deste ano, preencheram um formulário dando suas informações pessoais, comprovando que estavam morando no Alasca durante 1994 ou há mais tempo. Os pais preencheram pelos filhos até 18 anos. Duas testemunhas assinaram. Todos na família recebem, não importa a idade. O que significa que uma família de dez pessoas está recebendo US$9,903. Mais da metade dos beneficiários recebeu o dividendo por transferência eletrônica na sua conta bancária, em 11 de outubro. Os que preferiram cheque o receberam na sua residência, ontem.

            Nós, brasileiros, colaboramos para que cada residente no Alasca receba esse dividendo, pois no patrimônio do FPA há ações das empresas Klabin S/A, Usiminas, Refrigeração Paraná, Siderúrgica Rio-Grandense e, até recentemente, da Aracruz Celulose. A parcela de ações internacionais, que correspondem de 10% a 12% das aplicações do fundo, teve a maior rentabilidade este ano - 45% são títulos de renda fixa, sobretudo do governo norte-americano, 35%, ações de empresas dos EUA e 10% a 15%, empreendimentos imobiliários.

            O FPA, criado em 1976, por decisão referendada por todos os eleitores do Estado, é formado a partir de pelo menos 25% de início e 50% a partir de 1980 das receitas de royalties que o Estado recebe de toda a exploração de minérios, sobretudo petróleo, aplicadas em benefício de toda a população. O patrimônio do fundo passou de US$1 bilhão, em 1980, para US$17 bilhões, em 1990. Desde 1982 os dividendos vêm sendo distribuídos, de forma gradualmente crescente. Segundo estudos realizados por economistas da Universidade do Alasca, esse mecanismo tem tido efeitos positivos para a economia do Estado, proporcionando um ritmo de crescimento mais estável e com menor taxa de desemprego.

            O sistema de dividendos do Alasca é tão popular que estudo recém-concluído propondo a transformação da natureza do FPA de maneira a ajudar mais no financiamento das despesas do Orçamento e a limitação do dividendo a um teto de R$700 vem causando forte reação da opinião pública. A proposta será examinada em janeiro pelos 40 deputados e 20 senadores. Pelo que constatei pessoalmente em julho, entretanto, poucos se disporão a modificar a natureza do fundo.

            O que existe no Alasca é considerado a forma mais avançada de garantir uma renda básica ou uma renda de cidadania, pequena, porém incondicional, a todas as pessoas na sociedade, conforme vem sendo propugnado com cada vez melhor argumentação e influência crescente pela Rede Européia da Renda Básica, fundada em 1986, sobretudo pela iniciativa do professor Philippe van Parijs, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, que acaba de publicar pela Oxford o livro Real Freedom for All Can (if anything) Justify Capitalism?

            A proposição de garantir uma renda mínima a todos os cidadãos vem ganhando força extraordinária, suprapartidária, no Brasil, a ponto de a idéia ter sido agora abraçada pelo Prefeito Paulo Salim Maluf, do PPB, a partir de proposição do Vereador Arselino Tatto, do PT, que teve aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo seu projeto que institui o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima Municipal. Maluf avaliou que só o Executivo teria o direito de formular tal projeto, baixou de R$300,00 para U$150,00 o teto das famílias que terão o direito a receber o complemento até aquele montante e limitou o direito àquelas que estejam morando na cidade há pelo menos dez anos. Deu o nome de Sobrevivência ao projeto, o que é interessante, pois relembra a argumentação em favor da renda mínima formulada em 1516, por Thomas More, citada acima. Justamente a que inspirou o seu amigo Juan Luis Vives a propor para a cidade flamenga de Bruges, em De Subventione Pauperum Sive de Humanis Necessitatibus, a instituição de uma forma de renda mínima, em 1526, e que lá foi aplicada.

            Tanto o projeto de Tatto quanto o de Maluf, que poderão agora ser aperfeiçoados no diálogo com os vereadores, propõem que o direito seja garantido às famílias que tenham suas crianças até 14 anos freqüentando creches ou escolas, a exemplo das experiências já introduzidas nos governos do Distrito Federal, de Cristovam Buarque (PT), de Campinas, de José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB), de Salvador, de Lídice da Matta (PSDB), das leis sancionadas a semana passada pelos prefeitos Antônio Palocci (PT), de Ribeirão Preto, e Waldir Trigo (PSDB), de Sertãozinho. As Câmaras Municipais de dezenas de cidades e várias Assembléias Legislativas estão debatendo propostas na mesma direção, com forte efeito catalisador para que amadureça o momento de votação do projeto que institui a garantia de renda mínima na Câmara dos Deputados, já aprovado no Senado e que conta com parecer favorável do deputado Germano Rigotto (PMDB-RS), líder do governo FH, e o apoio transmitido a mim do ministro extraordinário dos Esportes, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, além do apoio já expresso pelos ministros Pedro Malan e Bresser Pereira.

            O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Enrique Iglesias, informou-me que poderá aquela instituição, em convênio com o Ipea, financiar pesquisas a serem realizadas por instituições de ensino superior sobre as diversas experiências de projetos de garantia de renda mínima que estão se realizando no Brasil, comparando com as mais variadas formas vigentes em outros países. Tais estudos, a exemplo do que está sendo feito pela Universidade de Campinas, ao acompanhar o projeto naquela cidade, certamente contribuirão para o aperfeiçoamento de uma proposta que alcança apoio no mais amplo espectro de economistas e intelectuais no Brasil e no exterior, que vão de Bertrand Russel a Friedrich A. Van Hayek, de Thomas Paine a Mário Henrique Simonsen, de Joan Robinson a Milton Friedmam, de James Edward Meade a George Stigler, de John Kenneth Galbraith a Antony Atkinson, de Daniel Patrick Moynihan a Lionel Stoleru, de Antônio Delfim Netto a Celso Furtado, de Lauro Campos a Pérsio Arida, de Maria da Conceição Tavares a Roberto Campos, de Paulo Nogueira Batista a Edmar Bacha, de José Márcio Camargo a Antônio Maria da Silveira. Há diferenças de enfoques e de formas, mas o número de pessoas que ainda considera a renda mínima, como um direito à cidadania, idéia tresloucada se restringe a um círculo cada vez menor que se recusa a estudar melhor a matéria.

            Sr. Presidente, gostaria de salientar que felizmente cresce o número de pessoas que se interessam por este tema. Ao relatar ao Presidente da Palestina, Yasser Arafat, o debate realizado no Brasil e a experiência realizada no Alasca, solicitou-me ele que lhe levasse informações as mais completas sobre tal proposição, o que fiz ainda na tarde de ontem.

            Está hoje no Brasil o Primeiro-Ministro Felipe González, da Espanha, País que adotou, a partir de 1988, projeto semelhante ao da França, ou seja, a renda mínima de inserção. Toda pessoa cuja renda não atinja um certo patamar passou a receber, há seis anos, na Espanha, um complemento de renda até aquele patamar.

            Naquele País o projeto tem diferentes formações, segundo as diversas províncias. Não se trata, portanto, de um projeto nacional, mas de um projeto vário, existindo em todas as províncias formas que guardam semelhança. Mas é mais uma experiência que convém a nós, brasileiros, estudar de perto para podermos aqui aperfeiçoar a proposição.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/1995 - Página 1193