Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A ARTIGOS DO ENTÃO SENADOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, NA EPOCA DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, PUBLICADAS NO JORNAL 'FOLHA DE S.PAULO', SOBRE AS DESVANTAGENS DO PRESIDENCIALISMO NA PRATICA DO FAVORECIMENTO, FISIOLOGISMO E CLIENTELISMO POLITICOS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • COMENTARIOS A ARTIGOS DO ENTÃO SENADOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, NA EPOCA DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE, PUBLICADAS NO JORNAL 'FOLHA DE S.PAULO', SOBRE AS DESVANTAGENS DO PRESIDENCIALISMO NA PRATICA DO FAVORECIMENTO, FISIOLOGISMO E CLIENTELISMO POLITICOS.
Aparteantes
Geraldo Melo, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/1995 - Página 1474
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERIODO, GESTÃO, SENADOR, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, DENUNCIA, IMPROPRIEDADE, PRESIDENCIALISMO, FAVORECIMENTO, CORRUPÇÃO, POLITICA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, graças ao serviço de informação que temos aqui no Senado, pude obter a síntese de algumas das palavras do hoje Presidente Fernando Henrique Cardoso, sobretudo quando, no ano de 1988, foi um dos fundadores do PSDB.

            Vou citar a síntese de alguns de seus pronunciamentos, como, por exemplo, o do dia 14 de janeiro de 1988. O texto, conforme publicação da Folha de S. Paulo, do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil, do dia 15 de janeiro, retrata as palavras de Fernando Henrique Cardoso, Líder do PMDB no Senado, quando responsabilizou o PMDB pelo fato de a Emenda de Matheus Iensen, Deputado Federal do PMDB-PR, que estabelecia cinco anos de mandato para o Presidente José Sarney, ter recebido 317 assinaturas de apoio, sendo 160 do PMDB:

            "Fernando Henrique Cardoso (SP), Líder do PMDB no Senado, responsabiliza o PMDB pelo fato de a emenda de Matheus Iensen, Deputado Federal (PMDB-RJ), que estabelece cinco anos de mandato para o Presidente José Sarney, ter recebido 317 assinaturas de apoio, sendo 160 do PMDB. Pensa que a sociedade deve pressionar o Congresso Constituinte para reverter a possível aprovação dos cinco anos. Informa que o Comitê Pró-Diretas vai organizar o "Dia Nacional de Advertência", no dia 4 de março, quando haverá manifestações em várias capitais contra o mandato de cinco anos. Acredita que "se não houver negociação, não haverá Constituição este ano, haverá uma guerra de trincheiras, sem maiorias nítidas". Diz que a Constituinte está dividida entre o Centrão e a minoria, representada pelas esquerdas, cúpula do PMDB e os "modernos" do PFL. O governo e o Centrão usaram de todo seu poder, competência e pressões sobre os parlamentares, contra o imobilismo do PMDB, para conseguir o apoio à emenda Iensen."

            Há um outro trecho relevante, conforme reportado na Folha de S. Paulo, de 27 de janeiro de 88, sobre o que ocorreu no dia 26 de janeiro de 1988, na sede da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo. E aqui está o registro:

            "Fernando Henrique Cardoso (SP), Líder do PMDB no Senado, realiza conferência. Critica a "corrupção eleitoral" promovida pelo Governo Federal dentro da Constituinte. Lembra que "vários deputados declararam que ganharam concessão de rádio a troco de voto". Quanto à atuação do Centrão, afirma que o grupo "não esconde o fisiologismo nem no texto do projeto de Constituição". Essa postura foi incentivada - segundo o Senador Fernando Henrique Cardoso - pelos Ministros Prisco Viana (PMDB), da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU), e Antonio Carlos Magalhães (PFL), das Comunicações. Considera o fato de "o governo assumir que vai usar a máquina estatal inadmissível", e espera que essa questão, além da do mandato do Presidente José Sarney, seja discutida pelo Diretório Nacional do partido. Informa que conversara com os governadores para uma decisão combinada que resulte na rapidez da Constituinte e um prazo de 4 anos de mandato presidencial. Admite que poderá deixar o PMDB caso "os conservadores tracem as linhas do partido"."

            De outro trecho, reportado pela Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo em 26/6/88, sobre o que ocorrera em 25/6/88 no Plenário da Câmara dos Deputados, aqui registro a síntese:

            "Oito Senadores e trinta e sete Deputados Federais fundam o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB. O Senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) anuncia o discurso do Senador Mário Covas (PSDB_SP), primeiro presidente do partido. Neste momento, os presentes ao encontro gritam em coro: "um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos Covas Presidente do Brasil". Em seu discurso, Covas enfatiza que o novo partido nasce alicerçado na esperança, fé, caridade e fraternidade. Ele será um partido plural e tolerante. Ele nasce para que, finalmente, o povo tenha um instrumento de poder. Fernando Henrique diz aos presentes: "Muita gente não acreditou nesse novo partido. Vocês acreditaram. (...) A militância sincera do PMDB vai para o novo partido.(...) Hoje renasce a esperança do Brasil. Queremos ética na política".

            Gostaria também de citar dois artigos publicados em 1988, de autoria do Senador Fernando Henrique Cardoso, na Folha de S. Paulo. O primeiro, em 10 de março de 1988, denominado "Presidencialismo, Corrupção e Clientelismo".

            "Nos próximos dias a Assembléia Nacional Constituinte deve votar o sistema de governo. A escolha crucial será entre o presidencialismo e o parlamentarismo e tomara que não se aprove um "híbrido" que pode ter conseqüências desastrosas.

            O nervosismo no plenário é grande. Não fossem os "presidentistas" - isto é, os constituintes mais atentos aos desejos do Planalto do que a qualquer outra consideração - e a vitória parlamentarista seria nítida. Entretanto, com apelos, argumentações políticas e benesses do oficialismo, é difícil prever resultados. A carne (e às vezes o espírito) como se sabe, é fraca.

            Até agora só os parlamentaristas apresentaram razões para justificar a inovação. Os presidencialistas, embora devam ter seus argumentos, estiveram encolhidos, salvo os pedetistas (com argumentos óbvios) e os petistas que, embora contem na bancada com muitos parlamentaristas, a começar pelo Lula, estão presos a uma diretriz partidária. Esperemos que nos próximos dias o Presidencialismo apresente razões mais consistentes do que o simples apelo à tradição republicana ou os riscos da mudança, para não mencionar o impagável "argumento" que insiste em que a Assembléia Nacional Constituinte não tem poderes para mudar o sistema de Governo.

            Enquanto não vêm os argumentos, vamos aos fatos. Estes depõem contra o presidencialismo. No escândalo das listas da fisiologia e da intermediação financeira, desenha-se nitidamente o retrato do arbítrio que o Presidencialismo abriga e sob cujo manto vicejam a corrupção e o clientelismo.

            Com efeito, se é certo que hoje é a SEPLAN e seu ex-Ministro quem estão no pelourinho, até certo ponto eles estão apenas "pagando o pato". Não quero me antecipar às conclusões dos vários inquéritos que rolam sobre o assunto, mas a verdade é que os depoimentos estão a mostrar que instalou-se na República um verdadeiro "sistema" de favorecimento político e de facilitação de negócios. E este sistema, o que é mais de lamentar, gravita ao redor da Presidência.

            Por quê? Acaso é o Presidente quem por seu estilo incentiva tais práticas? Seria pobre argumentar por aí. O grau de arbítrio que o presidencialismo propicia faz, quase inevitavelmente, com que áulicos e interessados desloquem as decisões do plano técnico-administrativo para o político e neste tudo acaba nas costas do Presidente.

            Se aprofundarmos a análise deste "sistema", veremos que a SEPLAN é a ponta do iceberg. É só ir ao MEC, ao MDU, aos Funrurais da vida e veremos o mesmo espetáculo: o favorecimento político e, na esteira deste, o ilícito das práticas de intermediação espairando-se por toda a administração. Neste rumo, todos os caminhos acabam chegando a Roma...

            Fosse parlamentarista o sistema de governo e a história seria outra. Para começar, ao contrário do que se apregoa, o projeto parlamentarista vem junto com a proibição constitucional para a nomeação dos funcionários sem concurso, até mesmo para cargos de confiança. Não se poderá fazer, como alguns temem, um mercado de nomeações tendo por sede a Câmara. A Constituição que instalará o parlamentarismo proíbe o empreguismo.

            Por outro lado, assim como estamos vendo hoje, a CPI da Corrupção do Senado e a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara inquirindo e controlando os desmando da administração, no sistema parlamentar instala-se a prática permanente de os ministros prestarem contas à nação através da Câmara. O contraditório permanente, a fiscalização contínua da oposição e, sobretudo, o controle da destinação do orçamento impedirá o que hoje é rotina.

            Hoje, parcelas vultosas do orçamento são distribuídas ao bel-prazer dos ministros e, obviamente, da Presidência. Não tem cabimento algum que se distribuam verbas para o "atendimento social" - ou para qualquer outro fim - sem destinação prévia proposta segundo critérios técnicos e com a aprovação do Congresso. Mas nosso presidencialismo imperial subtrai do controle público a destinação de verbas e torna o presidente, queira-o ou não, o instrumento do arbítrio.

            Se quisermos acabar com este "sistema", além de punir os responsáveis que (infelizmente, como sempre, serão os lambaris e não os tubarões) será preciso adotar o parlamentarismo e aprovar leis que coíbam a discricionariedade de ministros e funcionários na destinação de verbas ou em sua suplementação. Projetos há, inclusive meus. Resta a decisão política que a adoção do parlamentarismo certamente fortalecerá."

            É interessante um Presidente que tem a consciência crítica dos abusos que pode permitir o presidencialismo, agora precisa tomar cuidado para não incidir nos mesmos abusos, na mesma forma de abusos sobre os quais ele chamava a atenção. Então, se for verdade que Sua Excelência teria dito a um dos líderes que o Presidente que tem a caneta que nomeia é o mesmo que tem a caneta para "desnomear", é preciso que O Presidente tenha a consciência do que ele próprio disse em 1988: "Não estamos no parlamentarismo".

            Mas uma coisa é muito interessante. Ainda outro dia, quando estivemos visitando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Presidente Nacional do PT, José Dirceu, o Líder do PT, na Câmara, Deputado Jacques Wagner, e eu próprio, Sua Excelência estava impressionado pelo número de vezes que os seus Ministros estão sendo chamados ao Parlamento para prestar esclarecimentos, a ponto de, naquela semana, os Ministros José Serra e Pedro Malan terem estado quase que quatro vezes, os dois, na Câmara e no Senado, somados.

            Ora, relembremos que o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso achava muito conveniente que o Parlamento estivesse cobrando de seus Ministros esclarecimentos com a freqüência que normalmente ocorre no parlamentarismo, mas que pode ocorrer também no presidencialismo, quando o Congresso Nacional bem exerce as suas funções de fiscalizar o Executivo.

            Mas gostaria de dar mais substância ainda para a reflexão de V. Exª, porque há um outro artigo, de 26 de maio de 1988, também do então Senador Fernando Henrique Cardoso, cujo nome é "Dando e Recebendo".

            "O Palácio do Planalto está mesmo obcecado. Por um lado apregoa que a vitória dos cinco anos está garantida. Por outro, mobiliza e faz "terrorismo moral adverso" contra os quatroanistas. Se os governistas estão seguros da vitória, como dizem, por que a pressa e o medo de que não se vote esta semana a duração do mandato?"

            Quero aqui fazer um parêntese porque, hoje pela manhã, conversei com o Presidente José Sarney para relembrar os fatos da época. S. Exª - e é justo que o diga - informou-me e lembrou-me que recebeu, quando da entrega do seu diploma de Presidente e da faixa presidencial, a informação de que seu mandato era de seis anos. Portanto, disse que a redução de seis para cinco anos era um movimento para encurtar o mandato, mas, obviamente, estava-se lutando, no Congresso Nacional, pela definição de um mandato que, àquela época, não continha a natureza tão importante de ser estabelecido através de eleição direta. Daí a razão fundamental de que não fosse de seis anos.

            Prossigo com a leitura das palavras do então Senador Fernando Henrique Cardoso:

            "Entre os que se opõem à votação apressada, notadamente da liderança do PMDB, a preocupação é outra. Para aprovar a duração do mandato é preciso votar as Disposições Transitórias da Constituição e o número de "trens de alegria" e de privilégios esdrúxulos é grande neste capítulo. É necessário, portanto, definir uma estratégia que permita conter estes excessos e isto demanda tempo.

            Vê-se, mais uma vez, a diferença de postura política. O governo se preocupa, na Constituinte, com tudo que não seja a duração do mandato. Os que fazem oposição, não a fazem ao Brasil. Por isto mesmo, estão envolvidos até a medula em discussões e acordos infindáveis para melhorar o texto constitucional.

            De fato, no momento em que há uma reação nos setores políticos contra o fisiologismo e a corrupção - notadamente nas CPIs do Senado - não podemos deixar passar casuísmos na Constituição que beneficiem grupos de interessados. Eu acho mesmo que deveria haver um movimento suprapartidário, sob incentivo da sociedade, para que nas Disposições Transitórias e no segundo turno seja possível limpar a Constituição de tudo que é privilégio indevido ou despropósito constitucional.

            E por falar em despropósito, adianto mais um que se está gestando. Fala-se agora em "mandato de quatro anos e meio" para Sarney. Na prática, não é nada disso. Querem apenas antecipar o primeiro turno das eleições presidenciais para setembro de 89 e o segundo para outubro, mas a posse do eleito seria em 1990. Por trás disso o que desejam é prorrogar os mandatos dos prefeitos, sob a alegação de que não convém uma "eleição solteira" para Presidente.

            A tão pouco se está reduzindo a nossa "transição democrática" que esta é última invenção do arsenal dos politiqueiros. Finge-se que reduz o mandato presidencial para, na prática, prorrogar mandatos dos prefeitos que já governam há seis anos...

            Claro que há os interessados nisso. São precisamente os que pensam eleger-se com apoio das máquinas eleitorais dos municípios e que estão confundindo o verdadeiro municipalismo com interesses eleiçoeiros. E o que é pior: os porta-vozes do PMDB e da administração paulista.

            É outra forma de agir conforme a frase famosa: é dando que se recebe. Dá-se uns meses a mais para os prefeitos e se espera a retribuição com uns votos a mais para presidente...E ainda há quem faça isto em nome da democracia ou da transição democrática. Haja desfaçatez."

            Palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, condenando esta política do "é dando que se recebe".

            O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

            O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lauro Campos.

            O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Eduardo Suplicy, gostaria de tecer algumas considerações a respeito do pronunciamento de V. Exª, que traz à baila um tema importantíssimo que inquieta a sociedade brasileira e que, nesta semana, alvoroçou os trabalhos da Câmara e, ao mesmo tempo, mostrou uma parte da face real deste Governo. Fez baixar a máscara deste Governo, mostrando o caráter despótico de suas entranhas e de suas verdadeiras finalidades. O próprio jornalista Jânio de Freitas observou, em três ou quatro artigos sobre este assunto que fez publicar, nesta semana, na Folha de S.Paulo, que essas práticas que estão sendo adotadas pelo Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso constituem um recuo nas suas relações com o Congresso Nacional e com os outros Poderes da República, diante mesmo do aprendizado que os governos militares já vinham fazendo e que haviam levado a relações mais transparentes, mais honestas, mais respeitosas com o Congresso Nacional. Portanto, é importante recordar - como V. Exª está fazendo - as posições anteriormente tomadas, completamente antípodas das posições que o Governo Fernando Henrique Cardoso adotou. Não apenas o Presidente é a negação do sociólogo, mas também o político, o legislador, o Senador Fernando Henrique Cardoso é a negação do Presidente Fernando Henrique Cardoso. De modo que, como vou falar sobre este assunto dentro de poucos minutos - espero eu - uso deste aparte apenas para congratular-me com V.Exª pela sua sensibilidade em trazer essa questão que, em breve, estará aqui ocupando nossa atenção no Senado. Muito obrigado.

            O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V.Exª, Senador Lauro Campos, que mostra como é importante haver coerência nos procedimentos, na história de cada pessoa. É claro que cada um de nós evolui, no que diz respeito às idéias; todos nós amadurecemos, observamos os fatos da História e nos transformamos. Mas a quem cabe chamar à responsabilidade? Em primeiro lugar, de nós próprios, membros do Congresso Nacional, Deputados e Senadores. Até que ponto estamos aqui votando matérias de acordo com a nossa convicção e a consciência do nosso Partido? Ainda nesta semana, vivemos uma situação extremamente relevante em termos de observar a seriedade de propósitos na discussão - refiro-me à votação relativa à criação do CPMF. Nós, os cinco Senadores do PT, discutimos, conversamos a respeito desse assunto e expusemos nossas dúvidas. No conjunto, tivemos dúvidas sobre o que foi decidido pelo Diretório Nacional; propusemos uma nova reflexão sobre a matéria - e refiro-me a este fato porque estamos pensando no conteúdo do que pode ser benéfico ou não para a população. Mas imaginem se, em meio à nossa discussão, não estivesse em voga a questão da análise do propósito da criação do CPMF ou, no caso, a questão relativa à reforma administrativa, mas sim outras questões como aquela que foi transmitida ao Deputado Ivandro Cunha Lima, do PMDB, da Paraíba: "não se esqueça de que a mesma mão que nomeia é a que demite". Ora, um frase como essa, naquele contexto, é algo que não corresponde à consciência crítica do então Senador Fernando Henrique Cardoso. V. Exª recorda muito bem que se faz necessário ao Presidente Fernando Henrique Cardoso lembrar do que foram as suas próprias observações críticas. Às vezes, as pessoas mudam muito com a história.

            Sr. Presidente, concluirei o meu pronunciamento, pois sei que o meu tempo já está esgotado.

            O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - O tempo de V. Exª já se esgotou há três minutos. Pediria a V. Exª que concluísse o seu pronunciamento.

            O Sr. Geraldo Melo - Lamento, Sr. Presidente, não ter oportunidade de apartear o nobre Senador Eduardo Suplicy, o que faria se a Mesa me concedesse essa possibilidade e o nobre orador me permitisse o aparte.

            O SR. EDUARDO SUPLICY - Sr. Presidente, uma vez que o Senador Lauro Campos, que também deseja usar da palavra, foi chamado, se for possível, concederei o aparte ao Senador Geraldo Melo com prazer.

            O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - Concederei ao Senador Geraldo Melo a oportunidade de apartear V. Exª por um breve espaço de tempo.

            O Sr. Geraldo Melo - Agradeço a generosidade da Mesa e a do nobre Senador Eduardo Suplicy. Desejava fazer uma ponderação sobre o assunto. Se eu estivesse convencido, Senador Eduardo Suplicy, de que o Presidente Fernando Henrique tinha de repente se transformado na figura que pode ser deduzida do discurso de V. Exª, do noticiário que a imprensa vem fazendo a respeito de Sua Excelência, o meu papel aqui seria, como Congressista e como Senador, o de me associar à indignação de V. Exª. No entanto, além de dizer que tenho uma imensa confiança na seriedade e na integridade intelectual e política do Presidente Fernando Henrique, eu queria trazer à lembrança da Casa o episódio recente que envolveu o Governador Cristovam Buarque, acusado como o foi de haver tido um comportamento discutível ao apoio que deu à grande concentração popular, que se realizou em Brasília. À época, atribuiu-se a S. Exª, ao seu Governo, a utilização de recursos públicos para uma atividade que não era pública. Recordo-me com que solidariedade e energia V. Exª e alguns Senadores do seu Partido se manifestaram, protestando, inclusive, contra a forma que consideraram leviana e imprópria de a imprensa registrar aquele episódio. Com relação a isso, eu me pergunto: Será que está havendo a completa fidelidade às palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso? Ou não se trata de mais uma vez pinçar uma frase outra como se fez, por exemplo, no depoimento do Ministro Sérgio Motta, que o tempo se encarregou de esclarecer que as coisas não tinham sido daquela maneira? Ao mesmo tempo, afastando todo componente de hipocrisia que muitas vezes perpassa a análise que se vê, feita por aí afora, e que chega, algumas vezes, a esta Casa, provocando em homens da seriedade de V. Exª, da do Senador Lauro Campos, a indignação justa que expressam nesta Casa? Será que em um Governo presidido por um homem do Partido de V. Exª, homem sério como o Governador Cristovam Buarque, por quem tenho admiração pessoal e muito respeito, deixariam, ocupando posições importantes, auxiliares que, de repente, em relação a decisões concretas da linha programática do seu Governo, a alguma medida concreta de política de ação do seu Governo tivessem uma posição expressamente contrária? Na realidade, quando se discutem as reformas que estão sendo propostas ao Congresso Nacional, está se discutindo o que é a essência, a substância, a própria natureza do Governo e da proposta do Presidente Fernando Henrique. Quando alguém, dentro do seu Governo, eventualmente não seja uma peça totalmente comprometida com a sua linha de ação, pouco importa se isso tem a ver com voto de Congressista ou não. Entendo que o dever do Presidente da República será o de manter a unidade de ação do seu Governo. É dessa maneira que encaro a posição que o Presidente da República vem expressando. Conhecendo o Presidente Fernando Henrique, como V. Exª, não creio senão numa caricatura que se procura fazer do Presidente, que a sua imagem, a sua maneira de encarar os problemas e, sobretudo, as relações com o Congresso tenham passado a ser essas que, ultimamente, o noticiário procura descrever.

            O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte, Senador Geraldo Melo. Conheço bem o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Espero, pelo menos, que as expectativas que tenho com respeito a sua trajetória de vida possam ser preenchidas.

            Trouxe, aqui, as palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque quero, para a consciência dele próprio, de toda a Nação e do Congresso Nacional, expor a evolução de seu pensamento. Em certas situações históricas que vivemos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso fez críticas sérias a procedimentos do Poder Executivo, que, para atingir os seus desígnios, como o de aprovar certas matérias no Congresso Nacional, estaria praticando atos que Sua Excelência, então, qualificava de inadequados. Se a imprensa não registrou com fidelidade o que aconteceu, tanto melhor, mas o Senador Lauro Campos e eu nos consideramos com a responsabilidade de aqui chamar a atenção da própria consciência que se formou ao longo da história do hoje Presidente Fernando Henrique Cardoso. Estão registradas críticas severas, com palavras dele próprio nos seus artigos, publicados na Folha de S.Paulo, inclusive críticas que fazia a seus colegas de Parlamento. É importante que cada Deputado e Senador, nesta Casa, tome decisões em função daquilo que considera melhor para o interesse público e não eventualmente pela negociação de cargos ou de interesses mais privados do que públicos.

            Era este o registro que eu desejava fazer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/1995 - Página 1474