Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO MINISTRO BRESSER PEREIRA PELA FORMA COMO VEM TRATANDO O FUNCIONARIO PUBLICO NA REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • CRITICAS AO MINISTRO BRESSER PEREIRA PELA FORMA COMO VEM TRATANDO O FUNCIONARIO PUBLICO NA REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/1995 - Página 1479
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • CRITICA, BRESSER PEREIRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE), PROPOSTA, REFORMA ADMINISTRATIVA, AMEAÇA, DEMISSÃO, RETIRADA, ESTABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO, EXTINÇÃO, CONCURSO PUBLICO.

            O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida alguma de que somos vítimas de um vício de visão.

            A maneira pela qual analisamos os fenômenos nos leva, muitas vezes, a explicar, por meio de gestos e de condutas individuais, fatos e fenômenos dos quais esses indivíduos são meros portadores.

            Há uma estrutura econômica, política, social, há uma tradição, há as resistências do passado, há uma ordem jurídica, constitucional, que são formas pelas quais o passado rege o presente.

            Assim, sei muito bem que nem toda a culpa atribuível ao Presidente Fernando Henrique Cardoso é uma culpa individual, mas Sua Excelência, nesta sociedade individualista, tem de ser, infelizmente, individualmente responsabilizado por aquilo que se passa num governo presidencialista como o nosso.

            A reforma administrativa que o Ministro Bresser Pereira urdiu para fazer passar como rolo compressor sobre o Congresso é apenas uma pequena amostra de todo o processo de desconstitucionalização, de desemprego de funcionários, de desmantelamento das bases produtivas da Nação, levando o desemprego brasileiro a se aproximar rapidamente do desemprego argentino, de 16,8%.

            É um Governo que até agora nada construiu; desconstruiu, desconstitucionalizou e desmantela o serviço público em nome de promessas de um futuro mais enxuto, um futuro mais eficiente, mais produtivo. A produtividade e a eficiência dessa nossa sociedade, a modernização de uns e de outros têm como um dos seus objetivos, um dos seus ideais, uma de suas promessas futuras aquilo que é tão antigo quanto a própria história do capitalismo, pelo menos. A robotização do processo produtivo, a informática, a robótica e outras modernas formas - principalmente de comunicação - encantam e justificam o ataque ao homem; a máquina que desemprega o homem, a robotização que desemprega o trabalhador e que agora, atinge, na periferia do mundo, traços dantescos.

            O Governo, por intermédio de Bresser Pereira, antes de examinar qualquer tipo de programa, qualquer padrão de racionalidade, já adivinhou que a sua racionalização levaria a 80 mil demissões de funcionários públicos! Cada funcionário público, através de seus gastos, através dos empregos, de empregados domésticos, de cozinheiras, de auxiliares domésticos e de suas despesas que fazem cada um desses funcionários desempregados, vai ter o seu desemprego multiplicado - através do multiplicador de desemprego - por, pelo menos, quatro. Então o Sr. Bresser Pereira, que enxugou o Pão de Açúcar a ponto de quase liquidar o seu lucro, foi, felizmente para essa empresa, parte da aguaceira que foi enxugada de suas despesas, através da quantia de US$1 milhão que ele recebeu de forma bastante oculta a fim de não pagar o Imposto de Renda dessa negociação que toda a imprensa noticiou.

            Mas os funcionários públicos S. Exª não quer enxugar com os critérios que ele empregou na iniciativa privada. Lá, sim, onde o lucro tem que ser maximizado e deve ser maximizado não através de auxílios, incentivos, juros negativos e outros auxílios do Governo; deveria ser maximizado, sim, lá, na iniciativa privada, em outra esfera que se move por outra racionalidade. Lá, existe um critério que não pode ser confundido com o critério que preside o preenchimento de cargos e o funcionamento da Administração Pública.

            É por isso que o sistema capitalista com sua eficiência, com a sua robótica, com a sua informática, desemprega trabalhadores. São 820 milhões de trabalhadores desempregados em escala mundial - depois do processo mais prolongado e mais intenso de acumulação de capital, resultaram 820 milhões de desempregados. Até há pouco tempo, o governo capitalista conseguiu, através da reabsorção da mão-de-obra desempregada, quebrar as arestas desse sistema desumano e manter o nível de emprego em patamares razoavelmente aceitáveis entre 4% e 6% do desemprego.

            Agora, no entanto, governo como o dos Estados Unidos, que mantém 15,5% da população economicamente ativa como funcionários públicos; governo como o da Srª Thatcher, na Inglaterra, que tem 21% da mão-de-obra ativa nos quadros de funcionários públicos, ultrapassa muito os 9,4% de funcionários públicos em relação à população economicamente ativa do Brasil.

            O Brasil já enxugou, há muito tempo, seu quadro de funcionários. Agora, como ninguém é isolado no mundo, como afirmei no princípio desta minha fala, também o serviço público não é uma ilha, não é mera coincidência o fato de 10% da população brasileira receber 53% da renda nacional, a maior concentração de renda do mundo; na área dos funcionários públicos essa injustiça se repete: 10% dos funcionários públicos no Brasil recebe 52% das despesas com funcionários.

            O Senador Jefferson Péres e outros Senadores que conhecem muito melhor do que eu o Direito Constitucional brasileiro já demonstraram que a Constituição de 1988 fornece os instrumentos para o combate a essas injustiças, aos marajás, o que foi transformado em bandeira, por exemplo, no malogrado Governo do Sr. Fernando Collor de Mello. A Constituição de 1988 fornece os instrumentos que não são utilizados; fixa o teto máximo de remuneração dos funcionários públicos, teto esse que não é obedecido. Vemos, no Piauí, um coronel receber R$21 mil por mês de salário, enquanto eu, por exemplo, recebo salário líquido de R$3,4 mil por mês, não tenho auxílio-moradia, não tenho apartamento, não tenho nada, a não ser um carro 1985. No Distrito Federal, um Deputado Distrital recebe, bruto, R$32 mil, quase 10 vezes o salário líquido que recebo.

            De modo que, então, é caótica, realmente, a situação do funcionalismo público, mas não será modificada ameaçando-se demitir 80 mil pessoas, retirando-se a estabilidade no funcionalismo público e extinguindo-se o concurso público - a grande aquisição do ditador Getúlio Vargas, essa aquisição fantástica, em relação à qual caminhávamos para constituir realmente um Estado com uma equipe de funcionários públicos profissionalmente capacitada e dedicada ao serviço da coletividade. Agora querem, de um lado, abrir vagas acabando com a estabilidade e, de outro lado, encher de novo, rechear de novo com critérios meramente políticos e não com critérios racionais, critérios realmente seletivos através de concursos públicos.

            Portanto, a máscara já caiu há muito tempo. Fernando Henrique Cardoso, por sinal, tal como eu, não era apenas estável, era vitalício. Gozávamos da vitaliciedade da cátedra, a única maneira que, num País conturbado politicamente, era possível defender a independência para a transmissão do conhecimento científico e tecnológico nas universidades. E qual será a atitude? Qual será realmente não a produtividade em papel e em carimbo, mas a produtividade em coragem para modificar a estrutura presente, em coragem para rebater os argumentos, em coragem para mostrar as falhas do Governo, que um funcionário sem estabilidade poderá ter?

            Absolutamente nenhuma! Teremos, portanto, um conjunto de funcionários públicos amedrontado, inerme, incapaz de imaginar, de criar e defender-se diante de um Governo que se mostra cada dia mais despótico, centralizador e autoritário.

            Declarações são divulgadas pela imprensa, a mesma imprensa que foi tão generosa na condução da campanha política e no apoio a todas as medidas feitas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e que agora é a culpada pelos males e desvios que, lapsus calami, teriam sido cometidos pelo Presidente da República.

            A experiência individual, portanto, do Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria mostrar que, no nosso contexto econômico, político e social, sequer a vitaliciedade tem-se mostrado como um escudo suficientemente forte para que a liberdade de ação, a liberdade de uso da inteligência, a liberdade para contribuir no sentido do aprimoramento das instituições pudesse ser realmente utilizada.

            O Sr. Bresser Pereira não sabia sequer o número de funcionários públicos existentes no Brasil, quando já havia prometido demitir 80 mil, que se somariam aos 160 mil demitidos pelo Presidente Collor em uma só penada, muitos dos quais acompanho aqui em Brasília e vejo as agruras pelas quais eles passam. Muitas funcionárias demitidas, desesperadas chegaram à prostituição; muitos funcionários altamente qualificados transformaram-se em camelôs.

            O submundo da marginalidade está sendo alimentado por esse processo altamente despótico de desemprego e de enxugamento. Mas por quê? Se a ordem jurídico-constitucional dá outros instrumentos mais eficientes para que esses fins sejam colimados, para que a Administração Pública seja realmente tornada mais eficiente? É porque existe uma ordem supraconstitucional neste País, esses mandamentos que aí estão de política cambial, de abertura para concorrência estrangeira destruidora, para a elevação e manutenção das taxas de juros nos píncaros em que se encontram.

            O FMI acabou de declarar que, enquanto não houver uma reforma tributária, os juros no Brasil não poderão ser reduzidos. E assim, essa política de fome e de terra arrasada não está nas nossa leis, não é desejo de nossos governantes, mas, então, é imposta por uma legislação supranacional.

            Dizem que o Estado Nacional é coisa do passado. Se é, eu não sei; se é, ele desapareceu não como superação, não como um processo de solidariedade universal entre os povos, mas como um processo de decadência em que algumas nações se ajoelham sob o cutelo, o mando e o imperialismo das relações de dominação de outros países.

            O FMI, sem dúvida alguma, mandou, independentemente da Constituição, que os funcionários públicos brasileiros fossem demitidos em massa, enquanto nos Estados Unidos 15,5% da população economicamente ativa é constituída de funcionários públicos. Por que o FMI não manda o Sr. Clinton demitir os seus funcionários e vem mandar aqui o Sr. Bresser Pereira arranjar argumentos capengas para praticar esse genocídio contra a população brasileira?

            Portanto, trata-se de um esquema de parte de uma grande montagem, de parte de uma grande articulação que visa desempregar trabalhadores no Brasil, para empregar trabalhadores na Itália, nos Estados Unidos, na Alemanha, no centro do capitalismo mundial, produtores de partes, peças e componentes que serão importados por nós, a preço de banana, com um câmbio adredemente favorável a essas importações. E chegaremos à situação do México, em que 87% dos componentes dos carros mexicanos não eram produzidos no México, mas importados desses países onde o desemprego foi minorado através dessas exportações.

            É uma articulação mundial da qual esses indivíduos são meros símbolos, são meros representantes individuais. Portanto, neste processo coletivo, neste processo de dominação internacional, o nosso Presidente da República e o pobre Sr. Ministro Bresser Pereira são realmente pouco responsáveis, quase irresponsáveis diante daquilo que lhes é imposto fazer.

            O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - A Mesa lembra ao nobre orador que seu tempo está esgotado e pede para concluir seu pronunciamento.

            O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, Sr. Presidente, estou concluindo.

            Portanto, diante desse quadro, se o Poder Executivo está mais preocupado em poses internacionais e em fabricar imagens para o narcisismo individual e em projetar esta imagem em termos internacionais, se está mais preocupado em ser agraciado com títulos nos Estados Unidos, de homem do ano, espero que, no Congresso Nacional, tenhamos um perfil mais próximo ao perfil pobre, ao perfil sofrido, ao perfil feio do trabalhador brasileiro, da coletividade brasileira.

            Por exemplo, os bancos privados estão ameaçando demitir 180 mil bancários; a Caixa Econômica, a fechar não sei quantas mil agências; o Banco do Brasil, a mesma coisa. Diante deste quadro, eu gostaria que o nosso Presidente tivesse a cara do povo, tivesse bexiga na face, a marca das doenças medievais, que ocupam o espaço da nossa modernidade. Ao invés de ser bonitinho, ao invés de querer, narcisisticamente, tal como o outro Fernando, embelezar a sua figura individual, eu gostaria que ele fosse tão feio que a sua figura individual, física não pudesse ser objeto do desperdício desse tempo dedicado ao embelezamento narcísico e à produção de uma imagem de pés de barro.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/1995 - Página 1479