Discurso no Senado Federal

IMPASSE NA CAMARA DOS DEPUTADOS NA APRECIAÇÃO DA REFORMA ADMINISTRATIVA PROPOSTA PELO GOVERNO. CONTRARIO A QUEBRA DA ESTABILIDADE ADQUIRIDA.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • IMPASSE NA CAMARA DOS DEPUTADOS NA APRECIAÇÃO DA REFORMA ADMINISTRATIVA PROPOSTA PELO GOVERNO. CONTRARIO A QUEBRA DA ESTABILIDADE ADQUIRIDA.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Marina Silva, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/1995 - Página 1460
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • ANALISE, IMPASSE, COMISSÃO ESPECIAL, CAMARA DOS DEPUTADOS, APRECIAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, CONTESTAÇÃO, QUEBRA, ESTABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO.

            O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o noticiário da imprensa nesta semana se ocupou amplamente do impasse criado na Comissão Especial da Câmara a respeito da Reforma Administrativa.

            E o que se vislumbra desse noticiário é que parece haver de parte do Governo intransigência em manter dispositivos no projeto que são, clara e irrecusavelmente, inconstitucionais. Mas, por outro lado, parece haver da parte do Relator, Deputado Prisco Viana, e de outros seus companheiros acendrado apego ao corporativismo dos servidores públicos.

            Sr. Presidente, parece-me ponto pacífico, fora de discussão, que a quebra da estabilidade não pode atingir servidores que já a adquiriram, não apenas mediante legislação infraconstitucional, como sequer através de emenda à Constituição.

            O ilustre Senador Josaphat Marinho já deixou claro, num artigo muito lúcido, dado à estampa esta semana, que o Congresso não pode aceitar, não pode admitir emendas que violem direitos adquiridos. E o direito à estabilidade de um funcionário concursado é irrecusavelmente um direito que não lhe pode ser retirado. O Governo agiria muito bem se reconhecesse o equívoco em que incorreu a equipe do Ministro Bresser Pereira e concordasse com a rejeição desse ponto da proposta.

            Mas, do lado oposto, Sr. Presidente, preocupa-me ver, no parecer do ilustre Deputado Prisco Viana, a defesa do pretenso direito adquirido dos chamados "marajás", sob a alegação de que a proposta governamental que limita a remuneração dos servidores públicos, tendo como teto os vencimentos do Presidente da República, violaria, em primeiro lugar, os princípios federativos e, em segundo lugar, o princípio da separação dos Poderes.

            Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto ao princípio federativo, é ampliar demais o conceito de Federação neste País; é querer transformar a Federação brasileira numa Federação norte-americana, que surgiu em condições históricas inteiramente diferentes.

            Como sabem os Srs. Senadores, lá os Estados eram independentes, pois as colônias tornaram-se independentes, abriram mão de uma parcela de sua soberania e aglutinaram-se num Estado federativo. O Brasil, ao contrário, era um Estado unitário; na República, a União abriu parte dos seus poderes e cedeu-os às antigas províncias, que foram transformadas em Estados federativos. Portanto, a autonomia desses Estados é muito mais limitada do que a dos Estados Unidos.

            Como se isso não bastasse, Srªs e Srs. Senadores, diz o Deputado Prisco Viana em seu parecer: "Que o Princípio Federativo é rompido porque o parâmetro teto é a remuneração do Presidente da República, que faz parte de uma entidade que se chama União. Portanto, os vencimentos dos servidores municipais e estaduais não podem ter como teto o de um funcionário - no caso, o Presidente - federal."

            Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acatando-se isso, no entendimento do ilustre Relator Bernardo Cabral, não estaria valendo a Emenda nº 1, incorporada à Constituição, que limita os subsídios de Deputado Estadual ao teto de 75% dos de Deputado Federal, e o de Vereador ao de Deputado Estadual. Logo, se a Câmara Federal acolher o parecer do Deputado Prisco Viana neste ponto, teremos que revogar a Emenda nº 1, pois estaria violando o princípio federativo.

            O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo, com muito prazer, o aparte ao nobre Senador Bernardo Cabral.

            O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, quanto ao problema da estabilidade, noto que querem transformar o pobre do funcionalismo público, ao invés de protagonista, em vítima dessa reforma administrativa. V. Exª diz bem: depois da Constituição de 1988, o ato das Disposições Constitucionais Transitórias garantiu a estabilidade àqueles que de 1983 até lá faziam cinco anos. Não importa se fomos contra ou deixamos de ser. Mas, o mais grave é o caso do concursado. Passa, durante dois anos, por estágio probatório e, de uma hora para outra, ficará à mercê - se quebrarem a estabilidade - de um aborrecimento que o eventual Governador, Presidente da República ou Prefeito tenha contra ele, por não se orientar pelo seu credo político. Por quê? A Constituição acaba com os "marajás", como acabou. No art. 37, inciso XI, diz: "a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos..." E o que ele manda observar? Os respectivos Poderes. E o art. 17 das Disposições Transitórias diz: "Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição" - e, portanto, com aquele artigo - "serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes" - e o mais importante - "não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título". Aqui está. O Governo tem o material às mãos, basta querer usá-lo. Mas, transformar o pobre do funcionário público, seja em qual Poder, em vez de protagonista, em vítima, é demais. Minha solidariedade a V. Exª.

            O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral, que fala com a autoridade de ex-Relator da Constituinte, função que desempenhou com reconhecida competência.

            O SR. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. JEFFERSON PÉRES - Pois não, nobre Senador Romero Jucá.

            O Sr. Romero Jucá - Senador Jefferson Péres, gostaria de registrar também a nossa posição. Temos nos manifestado no plenário contra a quebra da estabilidade dos servidores. Somos de um região onde os problemas políticos têm uma influência grandiosa no trabalho do servidor público. No meu Estado de Roraima, se não houvesse a estabilidade, não sei se hoje haveria a metade dos funcionários públicos que o Estado tem - e não por questões de desempenho, mas por questões políticas. Portanto, entendo que a estabilidade, antes de ser um direito do próprio servidor, é um direito da sociedade de preservar os seus prestadores de serviço. Creio que essa questão é fundamental. Penso que o Governo erra - como bem disse V. Exª - ao encaminhar nessa ótica a reforma administrativa. Acredito que o Governo tenha outros caminhos mais producentes para pôr em curso a reforma administrativa, que é necessária. É preciso modernizar, é preciso reformular a atuação do setor público no País, mas é preciso fazer isso com competência e seriedade, sem penalizar os seus servidores. Quero aqui prestar o meu apoio às palavras de V. Exª e dizer que temos de estar atentos contra a quebra da estabilidade, que é um absurdo. Quanto à questão dos salários, gostaria exatamente de dizer o contrário: a Constituição já dá instrumentos, e é importante que se dê continuidade ao que já está explicitado. A questão dos super salários, dos "marajás" no Brasil é uma questão moral que a sociedade brasileira tem de fiscalizar, cobrando posições. Nunca deveriam ter sido levadas a debate duas questões tão díspares como dos super-salários e a da quebra da estabilidade. Creio que se as colocarmos juntas, estaremos cometendo uma injustiça com a grande maioria dos servidores públicos que ganham uma miséria e que estão sendo colocados de forma maldosa, perante a sociedade, como culpados pela má gestão, pelo mau encaminhamento dos recursos públicos. Registro aqui essas palavras e aplaudo as colocações de V. Exª.

            O SR. JEFFERSON PÉRES - V. Exª tem inteira razão, Senador Romero Jucá: além da flagrante inconstitucionalidade da quebra da estabilidade, há a questão de mérito. O que será desses humildes barnabés funcionários, nos Estados com alguns Governadores e Prefeitos que conheço, nos grotões deste País? Será a degringolada de demissão de funcionários por força de mesquinhas perseguições políticas e pessoais.

            Mas, além de não haver violação do princípio federativo, como procurei demonstrar, porque do contrário - repito - a Emenda nº 1, então, seria violadora desse princípio, não me parece Srs. Senadores que viole também o princípio da independência dos Poderes. O Deputado Prisco Viana se apega ao fato de que o parâmetro é o Chefe do Executivo, que não poderia servir de teto para os servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário. Mas S. Exª parece esquecer, Deputado Bernardo Cabral, que no Presidencialismo o Chefe do Executivo não é Chefe de Governo apenas, é Chefe de Estado também - daí o título que tem de Presidente da República. Como a remuneração do Chefe de Estado, do Presidente da República, que queiramos ou não, por essa condição, está acima, pelo menos simbolicamente, dos Chefes dos demais Poderes, como não pode servir de teto para a remuneração de todos os servidores do País, de todos os Poderes e de todos os entes federativos?

            Eu realmente não entendo o argumento do ilustre Relator da Câmara Federal.

            A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte, Senadora Marina Silva, com muito prazer.

            A Srª Marina Silva  - Quero parabenizar V. Exª pelo tema que traz à discussão nesta sexta-feira. Há uma avidez por parte de governadores e prefeitos, com relação à questão da quebra da estabilidade; eles acham que é uma das fórmulas, um mecanismo que terão ao seu dispor para tentarem enxugar a folha de pagamento. Realmente, em vários Estados e no caso dos Estados do Norte essa folha de pagamento compromete - como é o caso do Acre - quase 100% das receitas do Estado. Eles vêem nisso a possibilidade de um enxugamento. Por outro lado, esses governadores e prefeitos não têm essa herança por acaso. Foram eles mesmos, por má gestão, por uma incompreensão do que é ser o dirigente maior de um Estado ou de um Município, que provocaram esse inchaço. No caso, atribui-se aos servidores toda a responsabilidade por algo que, em última instância não é verdadeira, na medida em que não foram eles que se autocontrataram. Algum critério deve haver. Por exemplo, a questão da estabilidade para os servidores públicos muitas vezes se assemelha à questão da nossa imunidade parlamentar. Muitos começaram a entender a estabilidade parlamentar como uma espécie de escudo para se protegerem de determinadas atitudes não compatíveis com o serviço público de boa qualidade e comprometido, realmente, em prestar um serviço à Nação, já que ela lhes paga o salário, lhes contrata em última instância. No nosso caso, a questão da imunidade também não é escudo para qualquer outro tipo de atitude que não seja por nossas palavras, por nossas atitudes no âmbito das atribuições enquanto parlamentares, enquanto legisladores. Mas, infelizmente, no decorrer do processo, isso conseguiu ser deturpado. Acho que não se pode deixar os servidores à mercê da avidez de pessoas que não teriam critérios ao fazerem, digamos assim, essa avaliação quanto ao desempenho do servidor. Enfim, a meu ver, essa questão não deve ser retirada da Constituição na forma como está propondo o Governo. É preciso fazer uma reavaliação. Muitas vezes, serve como escudo para a incompetência, para a má prestação de serviço. E não é isso o que está na Constituição. Eles não estariam isentos pela estabilidade de cometer determinadas atitudes. Muito obrigada.

            O SR. JEFFERSON PÉRES - V. Exª tem inteira razão, Senadora.

            Mas a estabilidade não é um direito absoluto. O funcionário que pratica a desídia - está previsto no Estatuto - ele pode ser inclusive demitido. Agora, se os Poderes são lenientes, inclusive o Judiciário, isso é outra coisa. Não há legislação que funcione para instituições que não querem funcionar, porque os seus titulares são eles próprios negligentes e cúmplices desse estado de coisas.

            Para concluir, Sr. Presidente, o que eu gostaria de deixar registrado aqui é a necessidade de o Congresso Nacional - Câmara dos Deputados e Senado Federal - agirem com independência e bom senso neste episódio.

            Espero em Deus que este Congresso não seja subserviente ao Poder Executivo para aprovar absurdos como a quebra da estabilidade, mas também não seja subserviente ao corporativismo para perpetuar absurdos como o marajaísmo neste País. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/1995 - Página 1460