Discurso no Senado Federal

REPUDIO AO FATO OCORRIDO NO DIA 12 ULTIMO, NA TV RECORD, EM QUE O PASTOR DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, SERGIO VON HELDER, AGREDIU A IMAGEM DE NOSSA SENHORA APARECIDA.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • REPUDIO AO FATO OCORRIDO NO DIA 12 ULTIMO, NA TV RECORD, EM QUE O PASTOR DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, SERGIO VON HELDER, AGREDIU A IMAGEM DE NOSSA SENHORA APARECIDA.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/1995 - Página 1472
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • CONDENAÇÃO, ATO, PASTOR, IGREJA EVANGELICA, AGRESSÃO, IMAGEM RELIGIOSA, IGREJA CATOLICA, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

            O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, retomo hoje assunto que considero importante ser debatido nessa Casa, na busca de soluções para evitar que se repita e possa gerar conseqüenciais mais graves do que as que já vêm ocorrendo.

            Trata-se do fato ocorrido no último dia 12, quando o Sr. Sérgio Von Helder, num programa da TV Record, esmurrou e chutou por diversas vezes a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

            É sabido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Brasil é um País que dá muita importância à religião, e que a grande maioria de sua população tem fé em Nossa Senhora Aparecida, a ponto de ser ela proclamada padroeira do Brasil.

            Assim, como bem disse o Editorial do Jornal do Brasil do último dia 14, "sua profanação pública foi um desrespeito semelhante ao de um católico que chutasse publicamente a imagem de Buda na Índia, insultasse Maomé na Meca, ou conspurcasse com pichações o Muro das Lamentações em Jerusalém, a pretexto de que representações e sítios sagrados para os outros não passam de mistificações".

            Mais do que lamentável, a atitude do Sr. Von Helder é inadmissível não só por esse motivo, mas também por ferir a Constituição brasileira, que dá ao cidadão o direito ao culto, o direito de escolher a sua religião, desrespeitando assim não só os direitos, como também a dignidade do cidadão, além da cena de violência em si, que incita a repetição, o confronto entre religiões e a violência generalizada.

            O Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é tido como um dos países do mundo onde há maior liberdade religiosa, a qual se pode verificar em todas as áreas, como nas escolas, repartições públicas, e até mesmo no Congresso Nacional, onde há Parlamentares com diferentes credos, ou mesmo sem religião, e que, no entanto, convivem de forma harmoniosa e pacífica.

            E assim o é, exatamente por ser um País democrático onde não se pode permitir que atitudes com a do Sr. Von Helder sejam cometidas e disseminadas nos lares através de um canal de televisão, como exemplo a ser seguido.

            Não quero de forma alguma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, defender a volta da censura, um dos instrumentos mais abomináveis da ditadura. No entanto - repito - é preciso ter a atenção para atos de intolerância, de fanatismo, de vandalismo, de desrespeito e de transgressão às leis. A liberdade de expressão, no caso, precisa ser garantida, inclusive para os que optaram pela adoração de imagens.

            Afinal, como determina a regra de boa convivência, os direitos de um cidadão terminam quando começam os direitos do outro.

            E a malsinada atitude do Sr. Von Helder não só transgride os preceitos da boa conduta e do direito ao culto religioso consagrado na Carta Magna, como vai muito além: induz, entre outras coisas, o cometimento de delitos dessa natureza.

            Foi violência pura. Os socos e pontapés desferidos pelo Sr. Von Helder na imagem certamente atingiram em cheio os católicos que acreditam na santa e que, provavelmente, receberam diretamente a agressão, além de outras religiões que se pautam pelo respeito ao ser humano.

            Os próprios integrantes da Igreja Universal possivelmente foram também atingidos por essa violência, e queira Deus não tenham tomado o ato como exemplo a ser seguido e não pretendam repeti-lo, não só com imagens, mas sobretudo com pessoas que tenham pensamentos contrários aos seus.

            A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Flaviano Melo?

            O SR. FLAVIANO MELO - Pois não, Senadora Marina Silva.

            A Srª Marina Silva - Parabenizo V. Exª pela oportunidade do tema que está abordando nesta manhã e pela maneira cuidadosa com que o faz. É V. Ex o segundo Senador a falar sobre esse assunto. É lamentável que aconteça um episódio dessa natureza em um País como o nosso, onde existe grande liberdade e diversidade no que se refere à prática de cultos religiosos. Há, no País, uma convivência respeitosa, ainda que muitas vezes ocorra uma certa disputa, do ponto de vista ideológico, entre os possíveis fiéis de cada igreja. É de suma importância que, ao abordarmos essa questão, o façamos com o cuidado - como faz V. Exª, repito - que o assunto requer. Caso contrário, ao invés de trazermos um alerta, seremos veículo de estímulo ao conflito inadequado, que não traz proveito para nenhuma religião e para nenhum credo. Esse episódio do Pastor, desse membro da Igreja Universal, poderia ser analisado, pelos que querem ter boa vontade - porque o Evangelho nos aconselha a sermos homens e mulheres de boa vontade -, como um ato destoante do conjunto da doutrina da igreja. Não vou entrar no mérito da minha posição com relação às práticas da Igreja Universal. Vamos supor que se tratou de uma extrapolação. Ainda assim, após o próprio Bispo Edir Macedo pedir desculpas, tive oportunidade de assistir hoje, pela manhã, a mais uma pregação transmitida pelo canal de propriedade da Igreja do Bispo Macedo. Nesse programa, o Bispo faz advertências para o que ele chama de culto de imagens e de símbolos. Nessa hora, mostraram imagens características da religião espírita, ligadas ao candomblé. No meio dessas imagens, vê-se nitidamente a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Ou seja, ainda hoje houve essa atitude de continuar o embate - a meu ver, muito perigoso - entre católicos e os membros da Igreja Universal. Tenho formação católica, mas me considero uma pessoa que tem religiosidade. Sempre digo que não tenho religião específica, tenho religiosidade. Acredito em Deus e traduzo para as religiões aquilo que Deus traduziu em forma do que seria o céu. Ele diz: "Na casa de meu Pai existem muitas moradas e Eu vou preparar-vos um lugar". Penso também que para chegar a essas muitas moradas devem existir muitos caminhos. Que trilhemos os caminhos de acordo com a nossa consciência e da forma que mais combine com a nossa religiosidade. Senador Flaviano Melo, a Igreja Católica, os católicos e aqueles que respeitam as imagens não consideram que elas sejam Deus ou que elas sejam realmente os santos ali presentes através daquelas representações. Trata-se apenas de representações simbólicas, de âncoras nas quais nos pegamos para reverenciarmos Àquele que, em última instância, é quem deve receber todo o culto: Deus. As pessoas muitas vezes tentam dizer que estaria havendo uma contrariedade no aconselhamento do Evangelho, que diz que não se devem adorar símbolos e imagens. Não é isso que acontece no culto católico. Até mesmo os membros da Igreja Universal - tive a oportunidade de ver, hoje pela manhã - trabalham com símbolos. Foi o caso do pastor, que apontava para um guardanapo de papel com a gravura de um leão e dizia que aquilo seria a doença, a possessão demoníaca, o infortúnio e que, no caso, o fiel devia rasgar aquele papel simbolicamente dizendo que estava destruindo o mal. Assim, eles também trabalham com símbolo; então, por que desrespeitar os símbolos sagrados dos católicos? Era o que tinha a dizer. Muito obrigada.

            O SR. FLAVIANO MELO - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento.

            Nobre Senadora, além desse aspecto do símbolo e da religião abordado por V. Exª, preocupam-me muito as notícias, publicadas pelos jornais, de conflitos existentes entre católicos e evangélicos. Isso está gerando uma animosidade e um conflito religioso que nunca tivemos, graças, única e exclusivamente, à atitude do Pastor na televisão. O brasileiro é um povo pacífico, nunca tivemos problemas religiosos, e, de repente, a troco de uma atitude impensada, uma atitude talvez até louca, começam a ocorrer conflitos e incidentes em vários Estados do Brasil, como a imprensa tem noticiado.

            Continuando, Sr. Presidente.

            Queira Deus não aumente, entre aqueles que se sentiram atingidos com a agressão do Pastor, a revolta, para que não tenhamos o acirramento dos conflitos que, infelizmente, já estão acontecendo, como em Pernambuco e no Rio de Janeiro, conforme tem noticiado a imprensa. Ainda ontem, inclusive, bispos do Brasil usaram esquema de segurança quando se reuniram, em Aparecida, para debater a questão.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são apenas alguns exemplos dos fatos que já vêm ocorrendo e do que os murros e pontapés deferidos por aquele senhor da Igreja Universal na imagem da Padroeira do Brasil podem significar.

            Nesse aspecto, cumpre ressaltar a posição adotada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em relação ao caso, que se manteve serena, evitando certamente o acirramento dos conflitos religiosos no País.

            De qualquer modo, é lamentável, ou melhor, inadmissível que, enquanto tentamos combater a violência - um dos problemas mais graves do País -, tenhamos alguém que, mesmo com a responsabilidade de pregar os mandamentos religiosos - como deve ser o objetivo de qualquer religião - faz exatamente o contrário: espalha intolerância, semeando ódio e violência.

            O pedido de desculpas do Sr. Edir Macedo, líder da Igreja Universal, é importante pelo próprio reconhecimento do erro do integrante da sua igreja.

            Muito mais importante, porém, é o reconhecimento do Sr. Sérgio Von Helder do seu próprio erro. Até mesmo como forma de corrigir os danos que já causou e evitar problemas maiores.

            Nesse sentido, quero louvar as posições já adotadas pelas autoridades competentes em relação ao caso, e reforçar a necessidade de rigor com esse tipo de atitude, para evitar que se repita e sirva, insisto, como escola da transgressão das leis, do desrespeito, da intolerância, do ódio e da violência.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/1995 - Página 1472