Discurso no Senado Federal

SOLICITANDO INTERVENÇÃO FEDERAL NO ACRE, EM FACE DO DESCALABRO ADMINISTRATIVO PATROCINADO PELO GOVERNADOR ORLEIR CAMELI.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.:
  • SOLICITANDO INTERVENÇÃO FEDERAL NO ACRE, EM FACE DO DESCALABRO ADMINISTRATIVO PATROCINADO PELO GOVERNADOR ORLEIR CAMELI.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/1995 - Página 1510
Assunto
Outros > ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, INTERVENÇÃO FEDERAL, GOVERNO, ESTADO DO ACRE (AC), MOTIVO, DENUNCIA, ORLEIR CAMELI, GOVERNADOR, EXECUÇÃO, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

            O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo hoje a tribuna desta Casa no horário destinado à Liderança do PMDB para tomar uma decisão que em toda a minha vida pública jamais imaginei precisar fazer: solicitar a intervenção federal no Governo do Acre tendo em vista o descalabro administrativo que se instalou nos últimos dez meses no Estado e as graves denúncias que pesam contra o seu Governador, o Sr. Orleir Messias Cameli. São denúncias que estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal e que já lhe renderam, inclusive, o título de "fora da lei" e "campeão de falcatruas" - conforme o definiu, domingo, o jornal O Globo.

            O Acre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vive uma das piores crises já registradas em toda a sua história: não há investimentos, não há empregos, não há sequer os devidos serviços básicos de saúde, segurança, educação, infra-estrutura; e a violência, a insegurança, a miséria e a fome campeiam por todos os lados.

            Enquanto isso, com pouco mais de dez meses, desde que assumiu o Governo, o Governador do Estado, Sr. Orleir Messias Cameli, já é acusado de 16 crimes, dos quais 11 estão sendo investigados pela Procuradoria-Geral da República, entre os quais passo a relatar:

            No dia 15 de fevereiro deste ano, 45 dias depois de assumir o cargo, o Sr. Orleir destinou R$60 mil para a Prefeitura de Cruzeiro do Sul - onde está a maior parte dos seus negócios. A verba era para recuperar uma escola e estradas vicinais, mas foi desviada para pagar a empresa Cameli Comercial e Distribuidora Ltda., de propriedade do governador.

            Pouco depois, o governador do Acre contratou, sem licitação, uma empresa para transportar a mudança do seu Secretário de Fazenda, de Quixadá, no Ceará, para Rio Branco. Orleir autorizou a dispensa de licitação justificando que se a mudança não fosse feita logo haveria riscos para a sociedade e o patrimônio público.

            No dia 30 de março, o Governo solicitou ao Fundo de Assistência Previdenciária dos Servidores Públicos do Estado do Acre um empréstimo de R$7 milhões para pagar os salários dos servidores. Assegurou, na ocasião, que o Estado passava por dificuldades financeiras o que, porém, não era verdade uma vez que o Tribunal de Contas do Estado comprovou haver disponibilidade financeira de R$13 milhões.

            Orleir ainda é acusado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Extensão Rural do Acre de reter as contribuições sindicais que são descontadas dos salários dos funcionários, mas não são depositadas na conta da entidade sindical - o que afronta a Consolidação das Leis do Trabalho.

            O governo do Estado também é acusado de rescindir o contrato com o Exército para asfaltar trechos de duas rodovias federais existentes no Estado (as BRs 317 e 364). Com isso, o governador estaria beneficiando empresas particulares ligadas a ele. Além disso, nenhuma das empresas contratadas fez o Relatório de Impacto Ambiental para execução das obras, infringindo o art. 225 da Constituição Federal que, associado ao art. 12 da Lei 8.666/93, exige o RIMA como requisito para as obras que porventura possam afetar o meio ambiente.

            O Tribunal de Contas do Acre também constatou, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, possíveis irregularidades numa só liberação de recursos para a Prefeitura de Cruzeiro do Sul, onde, repito, Orleir tem a maioria dos seus negócios particulares. O TCE constatou superfaturamento na reforma da Escola Absolon Moreira.

            Outra irregularidade cometida pelo atual governo foi dispensar a licitação para reformar o Pronto Socorro de Rio Branco, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Acre. As justificativas dadas pelo Governo são consideradas insuficientes. O governador argumentou que era preciso adequar o hospital aos padrões exigidos pelo Conselho Federal de Medicina, entre outras alegações. Entretanto, isso não é motivo que justifique a dispensa de licitação, segundo a Lei 8.666/93.

            O Tribunal de Contas do Estado constatou, também, que de janeiro a maio deste ano, o governo do Estado liberou mais de R$65 milhões a terceiros, através de ofício e não por empenho prévio, como determina a Lei 4.320/64. Para o TCE, pode estar havendo um caixa dois no Estado.

            O próprio presidente do Tribunal de Contas, Hélio Saraiva de Freitas, entrou com representação contra o governador Orleir Cameli que, segundo justifica, lhe teria feito ameaças durante entrevista num programa de televisão.

            As acusações contra o Sr. Orleir não param por aí. Antes mesmo de tornar-se governador ele já tinha sido denunciado por prática de trabalho escravo e retirada irregular de 405 toras de cedro e 152 de mogno das terras dos índios Kampa, no Município de Cruzeiro do Sul.

            Entretanto, uma das acusações mais graves que pesam contra o governador não está apenas no âmbito administrativo e sim policial. No último dia 6 de agosto, a Receita Federal apreendeu, em São Paulo, um Boeing 727-200, de propriedade da empresa Marmud Cameli, transportando contrabando (mercadoria irregular). O próprio avião entrou no Brasil com documentação irregular e pode ser confiscado pela Receita Federal.

            Todo o fato ganhou repercussão nacional. Orleir nega que a aeronave seja de sua propriedade, mas, dias antes da apreensão, num programa de televisão, em Rio Branco, havia confirmado a compra do avião.

            Em pronunciamento feito nesta mesma Casa, alertei sobre o fato de o Governador ter viajado, pouco tempo antes disso para os Estados Unidos, a pretexto de negociar recursos externos.

            Ao voltar, não anunciou verba alguma para o Estado. Chegou apenas com a história do avião, o que leva a crer, inclusive, que ele estaria utilizando recursos públicos (passagens e diárias) para fazer negócios particulares.

            Mais grave ainda, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a notícia divulgada hoje pelo Jornal O Globo que garante: há duas semanas o Governador do Acre admitiu, à Polícia Federal, que intercedera junto à embaixada dos Estados Unidos para conseguir visto de entrada para o piloto Mauro Olivier de Castro.

            Mauro Olivier é o mesmo piloto que trouxe de Miami o Boeing 727-200 apreendido pela Receita Federal em São Paulo e marido de Sônia Haddock Lobo, presa em 1994, em Tocantins, na maior apreensão de cocaína do País.

            Recentemente ainda, o Senador Romeu Tuma denunciou a existência de uma carta de intenções firmada no dia 4 de abril deste ano, entre o Governo acreano e a empresa colombiana Mobil Ami que oferece um empréstimo de US$165 milhões (valor algumas vezes superior ao seu capital, US$55 milhões) como empréstimo para o Estado. Em troca, o Governo oferece, em regime de comodato, um terço do território acreano para a empresa explorar durante 10 anos.

            Como se não bastasse, agora Orleir é acusado de crime de falsidade ideológica. Segundo noticiou a imprensa neste final de semana, o Governador do Acre possui 4 CPFs, sendo dois falsos, um desativado e outro que estaria sendo usado atualmente.

            O jornal O Globo de domingo denuncia também que a Eletroacre - Empresa de Eletricidade do Acre - contratou a transportadora CONAVE, da família Cameli, para transportar 5,5 milhões de litros de combustível de Manaus para municípios do interior. Uma empresa amazonense, conforme o jornal O Globo, acusa o governo do Acre de beneficiar a empresa de Cameli e assegura que faria o mesmo transporte por valores inferiores. Apesar de ser o contratante do serviço, a Eletroacre para apenas 10% do transporte, ficando o restante por conta da Petrobrás.

            São denúncias que, em boa parte, há muito venho fazendo, desde a campanha para o governo do Estado, na tentativa de evitar a eleição de quem não tinha comprometimento com o Estado. Evitar fatos como esses que, mais do que lamentáveis, são inadmissíveis, por tratar-se de alguém que deveria lutar pelo bem do Estado, torná-lo próspero e acreditado. Mas, ao contrário, nem mesmo completa seu 1º ano de governo e já começa a mostrar que seu objetivo parece ser outro: conforme as acusações, promove a dilapidação do Estado, envergonha e desonra o seu povo.

            Não são denúncias fabricadas por opositores, conforme alega o Governador. Muitas delas, devidamente documentadas, foram entregues na Procuradoria-Geral da República, assinadas por mim, pelos Senadores Nabor Júnior e Marina Silva, por Deputados Federais, Estaduais, e por mais de 30 entidades representantes da sociedade civil do Acre.

            Segundo frisa o jornal O Globo de domingo, os crimes cometidos por Orleir poderiam levá-lo a perder o cargo 3 vezes, a cumprir pena de prisão durante 33 anos e a permanecer outros 13 anos proibido de celebrar contratos com o setor público.

            Como se pode ver, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Sr. Orleir Cameli não tem condições de continuar no comando do Estado. A renúncia ou o afastamento do cargo, enquanto durarem as investigações sobre as irregularidades das quais está sendo acusado, seria a saída. É sua obrigação e a única maneira de evitar a intervenção federal.

            É muito duro, Sr. Presidente, eu estar sendo forçado a pedir intervenção federal em meu próprio Estado. Todavia, diante de tais circunstâncias, considero a medida ainda melhor do que a manutenção da crueldade, do desrespeito e da vergonha a que os acreanos estão sendo submetidos.

            Entendo, data venia, que a intervenção federal se encontra agasalhada no inciso III do art. 34 da Constituição Federal, que prevê o referido procedimento quando houver comprometimento da ordem pública. No momento em que há no Estado, em todos os segmentos da sociedade, um clima de instabilidade, de incerteza, de insegurança, é imperioso que União proceda à intervenção, a fim de restabelecer a normalidade naquela sofrida Unidade da Federação.

            A única alternativa que poderia evitar essa medida é o Governador renunciar ou, pelo menos, afastar-se do Governo do Estado, enquanto as denúncias contra ele estiverem sendo investigadas.

            É necessário ressaltar ainda que o descalabro administrativo que se instalou no Acre e as denúncias que pesam contra o Governador Orlei Cameli há muito justificam a intervenção da Assembléia Legislativa no Estado através de um processo de impeachment.

            Estou orientando a Bancada do PMDB a tomar essa medida, e apelo para as lideranças nacionais dos partidos de sustentação ao governo local (que são maioria na Assembléia) que intercedam junto às suas Bancadas no sentido de que reflitam melhor sobre a situação do Estado e da população e apóiem o processo de impeachment - sob pena de conivência com o que vem ocorrendo no Estado e todos os seus desdobramentos.

            O Acre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é um Estado extremamente pobre que sobrevive basicamente da extração da seringa, da castanha e de repasses federais. Seu povo é marcado pelo sofrimento e pela discriminação, e não pode ter no seu comando um "fora da lei", um "campeão de falcatruas", segundo as manchetes do jornal O Globo de domingo; precisa, sim, de uma administração séria e honesta, comprometida com o desenvolvimento econômico e social do seu povo.

            Assim, volto a apelar para as autoridades competentes, para que ajam com o máximo rigor na apuração das denúncias feitas contra o Governador Orlei Cameli e a definitiva entrada da Polícia Federal no caso. Fui informado de que a Procuradoria-Geral da República já está enviando dois procuradores para a região. Louvo a medida e encerro o meu pronunciamento reforçando a necessidade de urgência nas apurações, uma vez que, quanto mais rápido forem concluídas, melhor para o Acre e o seu povo.

            Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/1995 - Página 1510