Discurso no Senado Federal

LONGA, DIFICIL E TUMULTUADA TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 101/93, CONSTANTE DA ORDEM DO DIA DA PRESENTE SESSÃO, QUE FIXA DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • LONGA, DIFICIL E TUMULTUADA TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 101/93, CONSTANTE DA ORDEM DO DIA DA PRESENTE SESSÃO, QUE FIXA DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/1995 - Página 1607
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, PROJETO DE LEI, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, DEFESA, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO.
  • HISTORIA, ELABORAÇÃO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • ANALISE, CONSOLIDAÇÃO, REDAÇÃO, TEXTO, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, SENADO, TEXTO, PROJETO DE LEI, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • ELOGIO, TEXTO, PROJETO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.

            A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao ocupar esta tribuna hoje, faço-o com a mais segura convicção de estar focalizando um tema que, por sua relevância e absoluta prioridade, merece de todos nós o máximo de atenção. Refiro-me ao Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de longa, difícil e tumultuada tramitação no Congresso Nacional, projeto que estou acompanhando já há alguns anos, desde a Câmara dos Deputados.

            A inacreditável e inaceitável demora para a aprovação do referido projeto, cujo início de tramitação remonta ao ano de 1988, logo após a promulgação da nova Constituição, reflete, em boa medida, o jogo de interesses - muitos dos quais inconfessáveis, digo-o com muita convicção - que envolve o assunto. Postergar a definição dos fundamentos norteadores do sistema educacional brasileiro também pode ser entendido como forma de impedir sua melhoria, mantendo-se um quadro que, com certeza, não corresponde aos anseios e às necessidades da população.

            Não tenho a ingenuidade de supor que uma lei, por si só e num passe de mágica, consiga transformar a caótica fisionomia da Educação no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, sei que uma LDB bem elaborada, democraticamente construída e tendo clara concepção da educação como instrumento para o pleno exercício da cidadania é condição essencial para se reverter o atual panorama do ensino que temos.

            Essas características, Sr. Presidente e Srs. Senadores, estão presentes no projeto que a Câmara dos Deputados aprovou a 13 de maio de 1993, e que, no Senado, teve a sua essência mantida pelo Relator, Senador Cid Sabóia de Carvalho.

            Para se entender melhor o alcance e o sentido do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que a Câmara dos Deputados encaminhou ao Senado, cuja aprovação defendo enfaticamente agora, é necessário recuperarmos a sua história.

            Pouco depois de promulgada a Carta Magna de 1988, o então Deputado Octávio Elísio, de Minas Gerais, apresentou o Projeto de Lei nº 1.258/88, hoje PLC nº 101/93, que fixava as diretrizes e bases da educação nacional. A seguir, outros parlamentares apresentaram projetos sobre a matéria e que, como estabelece o processo legislativo, foram apensados à proposta pioneira.

            Tinha-se claro, naquele momento, tal como ocorre agora, a imperiosa necessidade de se regulamentar e, principalmente, de se aprofundar e de se ampliar os conceitos e as normas gerais sobre a educação que o novo texto constitucional consagrava. Assim foi feito, com a mais ampla, aberta, responsável e democrática participação dos mais diversos setores da área educacional.

            Das inúmeras contribuições recebidas, emanadas de incontáveis seminários, debates e audiências públicas - estas patrocinadas pela própria Comissão de Educação da Câmara dos Deputados - nasceu o primeiro Relatório, sob a responsabilidade do então Deputado Jorge Hage. Interesse contrariados impediram que o texto fosse levado ao Plenário, para votação.

            Faço esse histórico, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque não é esta a primeira vez que venho à tribuna abordar esse assunto. Votaremos hoje, em primeiro turno, essa proposta. Quero crer que ainda há oportunidade de se dar à LDB outra versão, resgatar o projeto original. Por essa razão, fiz questão de ocupar esta tribuna antes da votação. Há emendas que se referem às inúmeras contribuições recebidas, emanadas de incontáveis seminários, de estudos aqui realizados. O projeto original, portanto, sofreu profunda mudança.

            Iniciada a nova Legislatura, o projeto foi sendo retomado. Repetia-se a enriquecedora metodologia de se ouvirem todas as partes envolvidas com a educação. Estudantes, docentes, pessoal técnico-administrativo, dirigentes de instituições, autoridades governamentais, todos, sem exceção, puderam expor suas opiniões, defender suas posições e oferecer suas contribuições.

            Na difícil tarefa de consolidação do texto a ser votado, Sr. Presidente, Srs. Senadores, alguns fatos ganharam destaque e, com justiça, merecem aqui serem lembrados. Reporto-me, por exemplo, à sensível mudança de orientação do Governo em relação a matéria: poucos meses após assumir o Ministério da Educação e do Desporto, o Professor Murílio Hingel dirigiu-se pessoalmente à Câmara para manifestar o seu mais vivo interesse na votação do projeto da LDB. Coerentemente, foi além: destacou o seu assessor especial para, falando em seu nome e em apoio à Liderança do Governo, acompanhar todas as discussões protagonizadas pelas lideranças partidárias.

            Outro ponto digno de registro foi o compromisso, sustentado até o fim, dos partidos políticos com relação ao projeto. Graças a isso, foi possível chegar a um texto que, redigido consensualmente, artigo por artigo, pudesse ser finalmente aprovado. Para tanto, foi fundamental o comportamento da Relatora, a ex-Deputada Ângela Amin. Consciente das dificuldades do processo e da necessidade de vê-lo concluído, teve a Relatora a grandeza de, mesmo discordando de eventuais itens do projeto, acatar integralmente a redação por todos os líderes aprovada.

            Foi assim, então, Sr. Presidente, que o projeto, aprovado na Câmara, chegou ao Senado Federal. Vê-se, pelo breve relato que acabo de fazer, que o texto encaminhado para o exame desta Casa não foi obra do acaso, nem produto de uma cabeça iluminada. Ao contrário, o PLC nº 101/93 é fruto de construção coletiva, de difícil porém democrática elaboração, permeado pela mais cristalina preocupação de valorizar a participação dos setores comprometidos com a ação educacional. Nisso reside sua força.

            A Comissão de Educação do Senado Federal, então presidida pelo nobre Senador Valmir Campelo, teve a sensibilidade de compreender a grandiosidade do processo de construção do projeto na Câmara dos Deputados e o profundo significado do seu conteúdo. Assim, cumpriu-se a promessa feita pelo Relator, Senador Cid Sabóia de Carvalho, desde o primeiro momento: as alterações apresentadas ao texto jamais comprometeriam a estrutura básica, o eixo definidor do projeto tão bem debatido na Câmara.

            Quando tudo parecia indicar a existência de óbices à votação do Substitutivo Cid Sabóia de Carvalho, eis que um fato novo modifica radicalmente o quadro. Ao PLC nº 101/93 é acoplado o PLC nº 45/91, que "dispõe sobre a concessão de bolsas de estudo e pesquisa dos pós-graduandos" e, com essa manobra regimental, a matéria é encaminhada a exame da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Na CCJ, o nobre Senador Darcy Ribeiro consegue ver aprovado o seu parecer que, na verdade, é outro projeto de LDB.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao reiterar categoricamente minha posição de total e irrestrito apoio ao projeto oriundo da Câmara dos Deputados, inclusive pelas razões já apontadas, não me move nenhum sentimento que desmereça a contribuição do nosso querido e particularmente muito amado amigo e companheiro Senador Darcy Ribeiro. Antes, nele reconheço todas as qualidades do emérito educador e antropólogo, de justo reconhecimento internacional.

            Muito mais do que valores e méritos individuais, o que está em jogo é a educação brasileira e o conteúdo conceitual normativo de sua estruturação. Exatamente por assim ser é que me posiciono a favor do projeto que a Câmara enviou ao Senado. Creio serem densas e consistentes as razões que fundamentam meu ponto de vista.

            Em primeiro lugar, nunca é demais repetir, há um aspecto essencial no PLC nº 101/93, que o faz singular: o extraordinariamente democrático processo de sua elaboração. Além do exaustivo debate promovido pela Câmara dos Deputados, o projeto foi alvo de idêntico e salutar procedimento nesta Casa: por iniciativa da Comissão de Educação, o Senado também promoveu novas audiências, as primeiras das quais tendo como expositor o Ministro da Educação e dos Desportos.

            Aliás, sábias foram as palavras do Professor Murílio Hingel naquela ocasião. Em seu depoimento, em 1º de setembro de 1993, como já disse aqui, o então Ministro salientou o fato de que "a Câmara dos Deputados acabou aprovando um projeto praticamente por consenso, embora, inicialmente, houvesse muitos pontos polêmicos e muitos não acreditassem que se chegasse a esse ponto, dentro de uma harmonia e de um entendimento". Hingel fez questão de lembrar que "o tempo dispendido para discussão trouxe resultados benéficos: ampliou a possibilidade de participação, democratizou o debate", de modo que "praticamente todos os segmentos interessados na matéria puderam opinar, lutar pelo seu ponto de vista".

            Outro ponto definidor do PLC nº 101/93, e que sintetiza conceitualmente todo o texto, diz a respeito à aguda valorização da participação dos atores do processo educacional. Em seu Parecer nº 250/94, o Senador Cid Sabóia de Carvalho captou com extrema correção o cerne do Projeto de LDB da Câmara. Textualmente afirmou o Relator:

            "São propostos o princípio da representatividade dos diversos setores envolvidos com a educação nos órgãos normativos dos sistemas de ensino, assim como a participação da sociedade na elaboração de sugestões para a política educacional. De forma semelhante, é prevista a implantação, pelos sistema de ensino, de progressivos graus de autonomia administrativa, pedagógica e de gestão financeira das unidades escolares públicas, com o objetivo de valorizar a iniciativa daquelas pessoas que mais sentem os problemas educacionais e que, com muita freqüência, possuem melhores condições para a superação dos mesmos."

            Além desses pontos, é preciso que se diga que o PLC nº 101/93 também avança, e muito, em outros campos da educação. Ressalto, entre outros aspectos, a ampliação das oportunidades educacionais: o projeto enfatiza as alternativas adequadas às necessidades de jovens e adultos trabalhadores na educação básica; possibilita a qualquer cidadão ou entidade legalmente constituída, além do Ministério Público, acionar judicialmente o Poder Público pelo não-oferecimento ou oferta irregular do ensino obrigatório; institui a obrigatoriedade da oferta de cursos noturnos nas instituições públicas de ensino superior.

            O PLC nº 101/93, Sr. Presidente, trata globalmente o crucial tema do financiamento da educação, a fim de tornar mais transparente sua gestão. Ademais, impõe maior nitidez na definição de despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino e define os critérios para a transferência de recursos públicos às escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas.

            Dois outros pontos abordados pelo Projeto de LDB da Câmara merecem destaque especial, não apenas por serem de fundamental importância, mas por sua antevisão do futuro. De um lado, a abrangência estabelecida para a educação básica, que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o médio; de outro, o estabelecimento de capítulos próprios para a educação à distância, a educação especial e a educação para as comunidades indígenas.

            Concluindo, faço uso das palavras do Senador Cid Sabóia de Carvalho que, em seu parecer, sublinhou no Projeto nº 101/93 o fato de "o empenho em assegurar padrão mínimo de qualidade em todos os níveis de ensino é manifestado na valorização dos profissionais da educação, especialmente na atenção dada à formação de professores e à carreira do magistério. Também está sendo proposto o aumento dos dias letivos na educação básica e superior, e previsto o alcance de relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento de ensino na educação básica".

            Ao contrário do Substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, o PLC nº 101/93 vincula a educação escolar ao "mundo do trabalho e à prática social"; estabelece a igualdade, a tolerância e a justiça social como princípios basilares da educação; possibilita a criação de um Sistema Nacional de Educação; institui o Conselho Nacional de Educação, como órgão normativo do sistema e com uma composição democrática; define a autonomia universitária e estabelece um processo de avaliação externa ao qual estarão submetidas todas as instituições de ensino superior.

            O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo um aparte ao nobre Senador Lauro Campos.

            O Sr. Lauro Campos - Senadora Benedita da Silva, nós, trabalhadores da educação, estamos realmente empenhados em alterar o sistema de ensino no País, que produziu, ao longo dos anos, entre outros efeitos maléficos, 33 milhões de analfabetos. Senadora Benedita da Silva, exerci apenas uma profissão na vida, a de professor - inclusive, após a aprovação da lei de dedicação exclusiva, fui a terceira pessoa, no Brasil, a requerer a minha inclusão -, e nela permaneci a minha vida inteira. Gostaria, ao lado de medidas que pudessem melhorar a qualidade de ensino no País, diante da situação em que se encontram os professores, os técnicos de educação e as bases materiais de que o ensino se vale, de declarar a minha posição: acho que educação não resolve. Precisamos realmente desmistificar o que está sendo veiculado, principalmente por Brizola e outras pessoas. Sou professor, filho de professor, e digo: educação não resolve para este País. Percebemos que existe uma destruição do homem, o desemprego é grande - acompanhando o da Argentina, que já chega aos 20% -, e há uma destruição das oportunidades de trabalho. Imagine V. Exª: se, ao invés de 31 ou 33 milhões de analfabetos, tivéssemos apenas 5 milhões, o que faríamos com esses 28 milhões de pessoas letradas, procurando um lugar no mercado de trabalho? Mercado de trabalho em que vemos pedreiros, carpinteiros, ascensoristas e motoristas com anel no dedo; doutores, com curso superior, exercendo funções totalmente desvinculadas de suas qualificações. E, além dessas pessoas, desses ex-professores incluídos nos 160 mil demitidos no Governo Collor ou nos 80 mil que vêm por aí, com o atual Ministro da Administração, vemos jovens que se formarão na sétima série - como agora promete o Ministro da Educação carrear recursos para que isso aconteça - e que irão disputar cada vez mais com aqueles que ainda não conseguiram ingresso no mercado de trabalho, de acordo com a sua qualificação profissional. Então, veremos crianças recém-formadas na sétima série disputando com antropólogos e sociólogos desempregados. Sábios miseráveis! Se essa situação continuar, teremos uma sociedade de sábios miseráveis, filósofos platônicos, antropólogos desempregados, disputando um lugar de motorista, de ascensorista. Que sociedade é esta? O microcosmos da educação não resolve o problema do todo, que está sendo estraçalhado, dizimado. A educação só poderá funcionar para soerguer o homem, qualificá-lo e habilitá-lo para a vida, na medida em que essa totalidade for transformada. E nós não temos coragem política para fazer isso. Aqui quem manda é o FMI, quem manda é a desconstitucionalização, quem manda é o desemprego, é a destruição das oportunidades de trabalho. Como podemos falar em educação em um sistema como esse? Educação, para quê? Para a miséria e o desemprego? Não adianta. Para mim não resolve. Muito obrigado.

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos.

            Vejo que o tempo está-se esgotando; estou concluindo, Sr. Presidente.

            Quero apenas dizer que o projeto de LDB, originário da Câmara, tem uma história, uma história de muita luta, como aqui enfatizei, de difíceis negociações, mas, sobretudo, de intensa participação.

            Os que o acusam de extrema prolixidade parecem desconhecer a complexidade de nosso sistema educacional. Os que o desqualificam como produto de pressões corporativas seguramente temem uma sociedade organizada.

            Este é o projeto de LDB que o Brasil exige, que a sociedade aplaude e que a escola tanto necessita. Uma LDB capaz de contribuir para a superação de nossas mazelas educacionais. Uma LDB em condições de fazer com que uma escola renovada nos ajude a caminhar na direção do desenvolvimento, da justiça, da cidadania, como bem colocou o nobre Senador Lauro Campos, ao expressar sua preocupação com relação a uma educação dinâmica, aquela que leve aos brasileiros a informação necessária não apenas para competir no mercado de trabalho, mas também para garantir o conhecimento que possa ultrapassar a classe social.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/1995 - Página 1607