Discurso no Senado Federal

DESEQUILIBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS E NO DESENVOLVIMENTO DAS DIVERSAS REGIÕES DO PAIS, PRINCIPALMENTE, DO NORDESTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESEQUILIBRIO NA DISTRIBUIÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS E NO DESENVOLVIMENTO DAS DIVERSAS REGIÕES DO PAIS, PRINCIPALMENTE, DO NORDESTE.
Aparteantes
Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/04/1995 - Página 5205
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, AUSENCIA, RECEBIMENTO, PERCENTAGEM, GASTOS PUBLICOS, ADMINISTRAÇÃO DIRETA, ADMINISTRAÇÃO INDIRETA, EMPRESA ESTATAL, CONTROLE, UNIÃO FEDERAL, FINANCIAMENTO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OFICIAL, ESPECIFICAÇÃO, BANCO DO BRASIL, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), INCENTIVO FISCAL, EFEITO, RENUNCIA, NATUREZA FISCAL, PROVOCAÇÃO, MANUTENÇÃO, DISPARIDADE, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, BENEFICIO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pela ordem.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de comentar hoje, a propósito dos desequilíbrios regionais e da necessidade de preservarmos o espírito federativo, o fato de que, não obstante alguns esforços anunciados pelos governos que têm ocupado a chefia do País nos últimos anos, persistem, ainda, grandes disparidades no desenvolvimento das nossas regiões; disparidades inter-regionais e, principalmente, entre pessoas.

Gostaria, também, de tecer comentários sobre a questão dos gastos do Governo Federal, dentro da administração direta, vamos dizer assim, nas empresas estatais nas diferentes regiões, sobre o ponto dos incentivos por renúncia fiscal da União e sobre os financiamentos feitos por bancos estatais, principalmente o Banco do Brasil e o BNDES, que mostram que realmente há um grande desequilíbrio na aplicação desses recursos nas diferentes regiões.

A julgarmos pelas divulgações na imprensa, pelos anúncios de desvio de recursos, de má utilização de incentivos fiscais, talvez a grande maioria dos Srs. Senadores acreditasse que a região mais beneficiada com incentivos fiscais fosse o Nordeste, o que não é verdadeiro. Os dados oficiais e o estudo que o Senador Beni Veras conduziu aqui no Senado mostram que, na verdade, tanto a Região Sudeste quanto a própria Região Norte têm um volume de incentivos muito maior do que o Nordeste.

Pairam ainda dúvidas e questionamentos de que o Nordeste estaria sendo extremamente beneficiado com um volume de recursos financeiros, transferidos via União. Alguns apostam que nosso subdesenvolvimento deve-se, em boa medida, ao desvio desses recursos aportados e ao seu uso incorreto em programas e projetos. Generaliza-se a opinião, que não é verdadeira, de que o Nordeste recebe um grande volume de incentivos fiscais e não rompe a barreira do subdesenvolvimento, do atraso, porque esses recursos são mal utilizados ou desviados.

Os dados e os indicadores atestam, no entanto, que a região nordestina, em função de sua população, posição geográfica estratégica para exportação e seu grande potencial econômico, onde se destaca o petróleo, recebe ainda poucos recursos do Governo central. A análise de importantes instrumentos de intervenção do Governo Federal, como a renúncia fiscal, ou seja, os incentivos do Imposto sobre Produtos Industrializados, do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas e Físicas e outros tributos, as despesas públicas da União (Governo e estatais) e o financiamento oficial, mostra uma grande desigualdade na distribuição dos recursos a nível regional, tanto em termos absolutos quanto em proporção à população e ao produto regional.

Ao contrário do esperado e do divulgado nos meios de comunicação, as regiões proporcionalmente mais aquinhoadas com renúncia fiscal e gastos federais são as mais desenvolvidas e não as mais atrasadas e pobres do Brasil, como veremos a seguir.

Para uma população de 6,2% do Brasil, a Região Norte, por exemplo, só recebeu 2,9% das despesas governamentais federais, enquanto o Nordeste, com um contingente populacional equivalente a 27,6% do Brasil, foi contemplado com apenas 8,5% em 1985. Enquanto isso, o Sudeste, com uma população equivalente a 44,8% do País e com um PIB de cerca de 58,5% do total brasileiro, recebeu cerca de 54% do total de despesas governamentais, aí compreendidas despesas do Governo, administração direta e indireta, e despesas das empresas estatais, ou seja, aquelas das quais o Governo Federal detém a maioria do controle acionário.

Verifica-se que, não obstante a Constituição Federal em vigor determinar a regionalização dos gastos do Governo Federal, esta Constituição não está sendo observada. Há uma disparidade muito grande nas despesas do Governo Federal e das estatais controladas pela União nas diferentes regiões, em desacordo com o PIB e com as populações existentes nessas regiões.

Vamos à questão dos incentivos fiscais.

Comparada com a participação na população total e no PIB brasileiro, a distribuição da renúncia fiscal favorece claramente a Região Norte, por conta da excessiva concentração de incentivos à Zona Franca de Manaus (ZFM), mas penaliza o Nordeste, o Sul e o Centro Oeste. O Sudeste, com uma população equivalente a 44,8% e um PIB superior a 58% do nacional, está recebendo cerca de 45,2% de toda a renúncia fiscal da União. Por sua vez, o Nordeste aparece com um incentivo proporcionalmente muito inferior a sua população e ao PIB, respectivamente, 27,6% e 13,6% do PIB, para apenas 9,5% da renúncia fiscal.

Ao contrário do que se quer fazer crer, na verdade o Nordeste recebe um percentual no total dos incentivos fiscais da União completamente inferior a sua participação no PIB e a sua participação na população do País.

Em termos de financiamento público, através do sistema financeiro brasileiro, o Nordeste foi aquinhoado com um percentual muito abaixo da sua participação relativa na população total do Brasil e no PIB nacional. Os dados regionalizados disponíveis demonstram que um financiamento oficial tende a se concentrar nas regiões mais desenvolvidas, reforçando as disparidades regionais de desenvolvimento.

Na virada da década de 80, por exemplo, o conjunto das aplicações financeiras do Banco do Brasil apresentava uma forte densidade nas regiões Sudeste e principalmente Sul. Na média do período 1988/92, o Sudeste recebeu mais de 40% de todos os financiamentos do Banco do Brasil, enquanto a média do Nordeste atingiu apenas 8% no período.

É evidente que os dispêndios, empréstimos dos bancos estatais - no caso, citei dados do Banco do Brasil - devem ser utilizados como fomento ao desenvolvimento e produção e não podem deixar de atender, de maneira distinta, às regiões menos desenvolvidas, que são aquelas que mais necessitam do apoio dessas agências oficiais de crédito para a promoção do seu desenvolvimento e da melhoria das condições de vida das suas populações.

Se não levarmos em conta que essas ações dos bancos comerciais e os incentivos fiscais - a ação desses dois instrumentos financeiros e de desenvolvimento - têm que buscar erguer as condições de pobreza, de atraso de algumas regiões do País, vamos verificar que elas estão longe de atender os seus objetivos. Os incentivos fiscais e os financiamentos das agências de crédito do Governo federal, bem como os próprios gastos do Governo Federal e das estatais controladas pela União, estão juntamente se concentrando muito mais nas regiões desenvolvidas, como a Sudeste e a Sul, em detrimento do Nordeste e do próprio Centro-Oeste.

A alocação dos financiamentos do BNDES apresentou um perfil bem mais concentrado no Sudeste, que absorveu, em média, 47,8% de todo empréstimo oficial do referido Banco, no qüinqüênio 1988/92, participando o Nordeste com pouco mais de 18,45%.

Para completar a análise, os dados revelam a posição desprivilegiada que o Norte e Nordeste possuem em termos de crédito per capita. De fato, enquanto a Região Sudeste absorveu cerca de 14 mil reais, o per capita nordestino não atingiu 3 mil reais, portanto, 1/3 da média do País, que foi de 9 mil reais per capita, em 1992.

Esses dados mostram, de maneira eloqüente e indiscutível, que as regiões mais atrasadas do País - e aqui quero me referir de maneira especial à Região Nordeste - não estão recebendo o percentual dos gastos da União através dos organismos da administração direta e indireta, das estatais controladas pela União, dos financiamentos feitos pelas agências de crédito federais, principalmente o Banco do Brasil e o BNDES, e dos incentivos fiscais que decorrem de renúncia fiscal. Essas regiões mais pobres, não desenvolvidas, particularmente o Nordeste, não recebem esses recursos em consonância com o dispositivo da Constituição Federal, que manda regionalizar os gastos públicos Federais, inclusive das estatais, e o princípio de justiça e eqüidade, que deve presidir as ações do Governo Federal e da União, no sentido de promover o desenvolvimento e o soerguimento social e econômico dessas regiões.

Ouço com toda a atenção o Senador Waldeck Ornelas.

O SR. WALDECK ORNELAS - Senador Lúcio Alcântara, esses números que V. Exª traz hoje ao conhecimento desta Casa são da maior importância e oportunidade, e é preciso que sejam mais divulgados porque são conhecidos apenas de uns poucos. Encaminhei vários requerimentos de informações exatamente para permitir que se acompanhe essa série histórica porque, decorridos seis anos da promulgação da Constituição de 1988, o fato é que não tem sido praticada, não tem sido cumprida a política que prevê, progressivamente, ano a ano, no prazo de 10 anos, a redistribuição dessas aplicações da União. Ora, estamos, nesse momento, numa situação bastante peculiar. Primeiro, porque há uma política de estabilização no País que, naturalmente, tende a prevalecer os interesses do centro do pólo hegemônico. De outro lado, há uma política de liberalização da economia que, no limite, põe por terra muitos instrumentos e mecanismos que têm sido tradicionalmente utilizados no País para a correção de desequilíbrios regionais. De outro lado, o efeito MERCOSUL faz com que, espontaneamente, os investimentos concentrem-se no Sul e Sudeste do País. De modo que são particularmente importantes esses dados que V. Exª traz ao conhecimento do Senado, que, sendo a Casa dos Estados, há de estar preocupada com a questão dos desequilíbrios regionais. É bem verdade que o Ministro do Planejamento, representando o Presidente da República, em reunião da SUDENE, disse que é preciso desregionalizar a questão regional. Efetivamente, é preciso que deixemos de lado essa política autárquica particularmente para a Região Nordeste e, no conjunto, para o Norte e o Centro-Oeste. Vamos esperar e aguardar, Senador Lúcio Alcântara, mas vamos cobrar do Governo que, ao mandar para esta Casa, este ano, seu Plano Plurianual, que projetará suas ações para os próximos quatro anos, cumpra-o com clareza e apresente propostas objetivas em relação à correção dos desequilíbrios regionais. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouvi V. Exª com toda a atenção. V. Exª é conhecedor dessa questão regional e teve a oportunidade, nesse aparte, de mencionar alguns aspectos do problema que são muito pontuais.

A questão regional, traduzida pelos desequilíbrios entre as regiões, o desequilíbrio entre a renda das pessoas, entre os indicadores econômicos e sociais é tão grave que, de fato, tem que ser alçada ao patamar nacional. Ela deve ser discutida como assunto de interesse não apenas nordestino, mas também nacional aqui nesta Casa, porque esta instituição, o Senado Federal é o fórum próprio para tratarmos dessa questão que envolve toda a Federação, os Estados, as Regiões. Não teremos nunca um País forte, um País integrado, desenvolvido, próspero enquanto tivermos tantas e tamanhas disparidades entre as Regiões e Estados brasileiros.

O jornal O Estado de S.Paulo do dia 2 de abril de 1995 trouxe editorial no qual, entre outras assuntos, afirma que neste ano os incentivos fiscais conseguidos pelo Tesouro Nacional devem elevar-se a 7,039 bilhões de reais. Lembra que esses incentivos fiscais estiveram envolvidos em tais escândalos que foram suspensos em 1990. Houve uma decisão, salvo engano, do próprio Congresso Nacional, que suspendeu durante um determinado tempo a aplicação dos incentivos fiscais.

Este ano os recursos - esses sete bilhões - serão distribuídos, em números redondos, da seguinte maneira: para a Região Sudeste: 3 bilhões de reais, ou seja, 44,3% do total; para o Norte: 2,38 bilhões, ou seja, 33,8% do total; para o Nordeste: 841 milhões, ou seja, 11,9%; para o Sul: 454 milhões ou 6,4%, e para o Centro-Oeste: 234 milhões ou 3,3% do total.

Fica muito claro que a disparidade, a desigualdade da distribuição desses benefícios penaliza enormemente as Regiões menos desenvolvidas; em princípio, esses incentivos deveriam perseguir justamente uma política de promoção do desenvolvimento, uma vez que significam renúncia fiscal; quer dizer, a União abre mão de uma parte dos tributos que lhe são devidos para promover progresso, desenvolvimento econômico e social dessas regiões. Mas estamos verificando por esses números, que são insuspeitos, que há uma tendência a se perpetuar essa situação iníqua, injusta, essa situação perversa contra a qual esta Casa tem o dever de se opor, porque é justamente a matriz da Federação, a Casa dos Estados. É aqui que devemos discutir e debater esse tipo de política, esse tipo de tratamento que, inclusive, contraria flagrantemente a própria Constituição Federal, que determina, como muito bem lembrou o Senador Waldeck Ornelas, a regionalização progressiva dos gastos públicos da União no atendimento ao princípio da eqüidade e da justiça social.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pedindo que, em nome da Federação, em nome de uma maior igualdade econômica e social, procuremos modificar esse tipo de tratamento que é extremamente injusto para com as Regiões menos desenvolvidas do País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/04/1995 - Página 5205