Discurso no Senado Federal

COMENTANDO REPORTAGEM DA REVISTA VEJA, INTITULADA. 'O PODER DA PAULEIRA E DO CHOQUE', SOBRE A PRATICA DE TORTURA POLICIAL EM NOSSO PAIS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • COMENTANDO REPORTAGEM DA REVISTA VEJA, INTITULADA. 'O PODER DA PAULEIRA E DO CHOQUE', SOBRE A PRATICA DE TORTURA POLICIAL EM NOSSO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/1995 - Página 2160
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, DETALHAMENTO, VIOLENCIA, UTILIZAÇÃO, TORTURA, INVESTIGAÇÃO POLICIAL.
  • HISTORIA, UTILIZAÇÃO, TORTURA, REGIME MILITAR.
  • NECESSIDADE, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CARACTERIZAÇÃO, CRIME, TORTURA.

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a revista Veja desta semana traz, na sua reportagem de capa, uma matéria que, pela riqueza de detalhes, merece um profunda reflexão desta Casa e da própria sociedade brasileira.

            Trata-se de uma reportagem que descreve minuciosamente os métodos utilizados pela Polícia brasileira para investigação de crimes. O título "O poder da pauleira e do choque". "Empregada como principal método de investigação, a tortura policial continua a produzir vítimas e tiras criminosos".

            Entendo que este assunto merece uma reflexão maior desta Casa e da própria sociedade à medida que os fatos descritos nesta reportagem atentam contra a consciência de qualquer cidadão civilizado.

            É inadmissível que, no limiar do século XXI, o Brasil, considerado como 9ª ou 10ª economia mundial, que proclama a necessidade da sua modernização e de sua inscrição entre os países do Primeiro Mundo, tenha ainda que conviver com práticas desta natureza.

            Sabemos todos nós que a prática da tortura remonta a tempos imemoriais, até antes de Cristo; sabemos que ela - em determinados momentos da História - era institucionalizada e tratada como legal. Mas é inadmissível que, nos dias de hoje, continue sendo tolerada e praticada pelo órgãos oficiais da Polícia.

            A matéria levanta alguns aspectos importantes, que são reais à medida que afirma que essa prática existe principalmente em função de a sociedade brasileira tolerá-la.

            Por ocasião do movimento do Regime Militar, por ocasião da repressão, em que a tortura passou a ser utilizada para se apurarem informações a respeito das organizações de esquerda, se apurarem informações a respeito de ações de entidades oposicionistas, e na medida em que esse crime hediondo passou a atingir setores da chamada "classe média", setores esclarecidos, setores da chamada "sociedade civil civilizada", houve efetivamente um grande movimento no sentido de que fosse banida da prática política e criminal brasileira.

            Infelizmente, no momento em que o crime da tortura volta a ser aplicado àqueles que tradicionalmente foram vítimas dele, que são as chamadas "classes menos privilegiadas", que são os pobres, a sociedade se cala; infelizmente o poder constituído se cala e temos que nos submeter a ver descrições bárbaras como essas que estão expressas na reportagem da revista Veja.

            O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador José Eduardo Dutra?

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Pois não, nobre Senador Bernardo Cabral.

            O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador José Eduardo Dutra, V. Exª aborda uma das circunstâncias mais vergonhosas que se abatem sobre a Nação. E é rigorosamente verdadeiro quando registra a omissão no instante em que a sociedade deveria reclamar, no seu mais alto tom, para que fosse apurada uma denúncia cercada de riqueza e de pormenores. Houve uma preocupação na Assembléia Nacional Constituinte com a prática da tortura, que é conhecida, proclamada. E os Constituintes, acabamos por colocar no art. 5º, inciso XLIII, da atual Constituição, a seguinte redação: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ... por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". Veja V. Exª a preocupação com que se houve o Constituinte ao não permitir que aquele indulto, aquela graça, aquela anistia de fim de ano fosse concedida pelas autoridades competentes aos mandantes ou executores de tortura. Essa reportagem a qual V. Exª faz referência enxovalha a Nação.

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Nobre Senador Bernardo Cabral, agradeço a V. Exª o aparte, incorporando-o com muito prazer ao meu pronunciamento.

            Quero registrar ainda que, de acordo com a reportagem, o ex-Ministro da Justiça Maurício Corrêa encaminhou ao Congresso um projeto de lei que trata sobre o crime de tortura.

            Infelizmente, esse projeto está parado, mas é necessário que seja agilizado. Não sei se está na Câmara ou no Senado; mas enquanto esse projeto não é aprovado, o que acontece na prática é que o crime de tortura está inscrito no Código Penal como crime de lesões corporais, que prevê pena máxima de um ano.

            Gostaria de ler alguns dos pontos da matéria como, por exemplo, o seguinte:

            "laudo do médico legista Fernando Diógenes Teixeira, do IML do Ceará, sobre José Ivanildo Sampaio de Souza, 33 anos, cearense, confeiteiro, detido na sede da PF de Fortaleza."

            Diz o laudo:

            "Oito costelas de José Ivanildo foram quebradas. As de números 7, 8, 9 e 10 dos costais externos de ambos os lados. A morte se deu em conseqüência de instrumento contundente que provocou hemorragia abdominal interna aguda com lesões traumáticas do rim esquerdo e do fígado."

            Outro depoimento dramático: "

            "Messias Francisco de Souza, 63 anos, comerciante, baiano, torturado na quarta-feira passada em sua casa, junto com a mulher, Dirce, por PMs de São Paulo:"

            "Uns vinte soldados entraram na minha casa, me algemaram e começaram a me bater e chutar. Caí, pisaram no meu peito e quebraram um rodo e uma gaveta na minha cabeça. Enfiaram um pano na minha boca. Arrancaram o fio do abajur e enrolaram as pontas descascadas nos dedinhos das minhas mãos. Um deles encostava os fios na tomada do chuveiro para me dar choques de uns 220 volts. Apanhei umas duas horas. Não consigo mais dormir nem comer direito. Minha mulher apanhou tanto, que treme até agora."

            Depoimentos como esses, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estampados em uma reportagem de revista de circulação nacional, realmente, como disse o Senador Bernardo Cabral, envergonham a todos nós.

            Outro trecho da reportagem diz o seguinte:

            "Para a polícia, a tortura pode dar a sensação de trabalho bem-feito. Dá também um discurso segundo o qual a polícia prende, mas a Justiça solta. Dá ainda, para os políticos demagogos, o discurso de que a polícia faz bem em torturar, pois não deve haver direitos humanos para bandidos. Para a maioria dos eleitores, que viu o candidato Fernando Henrique Cardoso levantar um dos cinco dedos do seu programa de governo para oferecer segurança, a proliferação de tortura é prova de que nada foi feito. A tortura, um crime, continua a ser cometida pelos agentes do Estado, aviltando toda a polícia."

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria que a íntegra desta matéria fosse transcrita nos Anais do Senado. Espero que a sociedade civil, as autoridades e o Congresso Nacional tomem providências imediatas, para que não tenhamos mais que conviver com situações como essa nem que nos defrontarmos com matérias dessa natureza.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/1995 - Página 2160