Pronunciamento de Geraldo Melo em 30/10/1995
Discurso no Senado Federal
NECESSIDADE DE UMA REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO, COMO FORMA DE INTEGRAR-SE AO MUNDO. RESPEITO AO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL, ESPECIFICAMENTE NO QUE SE REFERE A REFORMA AGRARIA.
- Autor
- Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
- Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. REFORMA AGRARIA.:
- NECESSIDADE DE UMA REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO, COMO FORMA DE INTEGRAR-SE AO MUNDO. RESPEITO AO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL, ESPECIFICAMENTE NO QUE SE REFERE A REFORMA AGRARIA.
- Aparteantes
- Bernardo Cabral.
- Publicação
- Publicação no DSF de 31/10/1995 - Página 2169
- Assunto
- Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. REFORMA AGRARIA.
- Indexação
-
- NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, INSERÇÃO, BRASIL, ECONOMIA INTERNACIONAL.
- DEFESA, MODERNIZAÇÃO, JUSTIÇA, BRASIL.
- COMENTARIO, APOIO, TRABALHADOR RURAL, ELEIÇÃO, ORADOR.
- CRITICA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, NECESSIDADE, PODER PUBLICO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, DIREITO DE PROPRIEDADE, IMPEDIMENTO, VIOLENCIA, CONFLITO, TERRAS, DEFESA, EFICACIA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as preocupações que me trazem hoje a esta tribuna não são diferentes daquelas que sugeriram o Senador Ramez Tebet no importante pronunciamento que acaba de fazer.
Estamos diante de notícias reiteradas, particularmente com relação à invasão de propriedades, ao chamado movimento dos sem-terra, que me obrigaram a vir a esta tribuna convidar V. Exªs a uma reflexão em conjunto.
Penso, Sr. Presidente, que uma das obras mais importantes do poder público, do Estado brasileiro, dos representantes do povo brasileiro, neste ano, uma das obras de maior efeito e de maior repercussão é o redesenho da sociedade brasileira, que resulta do projeto de reformas constitucionais sugerido ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, e que o Congresso Nacional vem realizando.
Esse esforço se insere em um outro maior, que é o de procurar criar, no Brasil, um ambiente que permita a construção de uma sociedade compatível com a nova realidade mundial. Gostemos ou não, queiramos ou não, globaliza-se a economia, internacionalizam-se os processos de decisão e as avaliações de investimento. E, a cada dia que passa, o mundo se torna mais parecido com uma unidade, com uma entidade relativamente uniforme, ao menos em relação a esses aspectos.
A modernização de que se fala no Brasil, seguramente, está impondo retoques e modificações mais profundos aqui e menos profundos ali, no arcabouço institucional e jurídico do nosso País, o que está sendo feito democraticamente, sem arranhões institucionais de qualquer natureza.
Acontece que, na medida em que criamos um novo desenho para o nosso instrumental jurídico, se não formos capazes de mostrar a nossa fidelidade à lei que está em vigor hoje, é lícito perguntar: por que será que se deve acreditar na lei nova que está sendo elaborada hoje, se nós não tivermos o cuidado de defender, de cumprir e de fazer cumprir a lei velha, ou não tão nova, que já foi elaborada e que já está em vigor.
Creio que pelo menos nesta etapa do meu pronunciamento não é a hora de discutir se o direito de propriedade é algo bom ou ruim, contudo creio que não há divergências em relação a um ponto: o direito de propriedade existe no País.
Farei comentários sobre este assunto. O que menos interessa, aqui, é a minha própria biografia, mas devo dar um depoimento a esta Casa apenas para dizer que me considero insuspeito para discutir esta questão.
Na minha vida pública fui candidato duas vezes; disputei duas eleições apenas. Fui candidato a governador do meu Estado e a senador pelo Rio Grande do Norte. Fui eleito em ambas as eleições; e, nas duas vezes em que disputei eleições na minha vida, fui candidato apoiado oficialmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Norte.
O maior líder desse movimento é, talvez, um dos mais importantes líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais do Brasil, o meu conterrâneo Francisco Urbano, hoje Presidente Nacional da CONTAG, confederação filiada à CUT, agora para um segundo mandato. Francisco Urbano não é apenas um norte-rio-grandense, foi também o meu companheiro de chapa nas eleições de 1994, na disputa por duas cadeiras no Senado da República; e por muito pouco não honra hoje esta Casa com a sua presença.
Tive, como Governador de Estado, eleito que fui com o apoio dos trabalhadores rurais, uma das minhas grandes alegrias na vida, que foi a de receber, às vésperas de deixar o cargo, uma grande comissão de dirigentes dos sindicatos rurais do Rio Grande do Norte, que vieram me dizer o seguinte: "você assumiu compromissos conosco como candidato a Governador, ganhou a eleição, governou nosso Estado e deixa o Governo amanhã. Estamos aqui para lhe dizer que você cumpriu todos os compromissos assumidos conosco."
Este depoimento, que constitui um galardão, uma honraria, uma condecoração que incorporei à minha vida, creio que me permite vir aqui discutir essa questão.
Entendo que, em primeiro lugar, essas palavras não devem ser transformadas em nenhuma agressão a quem quer que seja. Elas são, mais do que tudo, a tentativa de fazer um alerta, uma advertência e, sobretudo, um apelo.
É um apelo que dirijo diretamente ao Presidente Fernando Henrique Cardoso que, de certa forma, ao escolher o atual Presidente do INCRA, pessoa da sua confiança, retirando-o de dentro do seu gabinete presidencial para assumir a Presidência do INCRA, Sua Excelência fez duas coisas, com esse gesto: primeiro, mostrar ao Brasil a prioridade que dá ao problema; segundo, assumir, de certa forma, a responsabilidade pelo comando direto da ação do INCRA no Brasil.
E o que está ocorrendo hoje? Quando abro um jornal e leio que, numa determinada propriedade que acaba de ser invadida, o líder dos invasores manda dizer ao proprietário que retire as 800 reses que cria na propriedade, porque eles desejam os cercados para plantar. Quando vejo, como agora, a Justiça do Espírito Santo conceder a reintegração de posse a proprietários que tiveram as suas terras invadidas e a polícia estadual se recusar a cumprir o mandato judicial, penso que estamos às vésperas de momentos perigosos. Não apenas para nós ou não apenas para quem seja proprietário, mas perigosos para a construção dessa atmosfera, desse cenário que queremos construir para dizer ao mundo que estamos modernizando o Brasil. Quem desejar fazer investimentos produtivos, seguros e desejar apostar num grande futuro, que aposte no Brasil.
Se os brasileiros que aqui estão têm direitos indiscutíveis que são questionados, como estão sendo, por meio de invasões de propriedade sem que se tenha uma ação automática do Poder Público para cumprir a lei, como se pode assegurar a alguém que os direitos que estamos elaborando agora serão garantidos a quem quer que seja no futuro?
Penso que se está criando um ambiente que precisa ser objeto de reflexão e que não ajuda o Brasil, nem seus trabalhadores rurais. E o que menos auxilia esses trabalhadores é servirem de argumento, de pretexto e de massa de manobra para lideranças profissionais que não têm ligação com a terra e reforma agrária; se tivessem, os espaços físicos disponíveis no Brasil, as áreas de terra já desapropriadas e postas à disposição dos trabalhadores rurais estariam sendo mais adequadamente usadas do que o são hoje.
Todos que defendem a reforma agrária têm que refletir sobre o que está ocorrendo. O que importa mais aos defensores políticos do programa de reforma agrária é a realização do fato político, é a invasão da propriedade, é a notícia no jornal.
Curiosamente, ocorrem fatos que não consigo entender. Como o fato de, no interior de um Estado qualquer, ocorrer uma invasão de propriedade, e a televisão está lá naquele exato momento? É uma coincidência fantástica que a televisão esteja presente na hora em que em determinada propriedade se decide realizar uma invasão. Quantos momentos importantes o povo brasileiro tem vivido por esses rincões; quantas pessoas já sofreram, precisaram mobilizar a opinião pública ao seu redor e não tiveram a presença da televisão ali? Há algo de extraordinário nessa coincidência fantástica de reunir, na mesma propriedade que vai ser invadida, os invasores e as câmaras de televisão.
Estou querendo dizer que é preciso pensar no homem, em favor de quem se deseja fazer uma reforma agrária; assim como é preciso pensar no País em favor de cuja agricultura se considera que a reforma agrária seja um instrumento de política econômica importante.
Hoje no Brasil faz-se um assentamento; se se voltar a esse lugar depois de passada aquela excitação que atrai tantas lideranças, tanta televisão poder-se-á ver, com raras e honrosas exceções, que ali não aconteceu a brotação de uma nova e moderna agricultura como se esperava. Por quê? Será que é pelo fato de o homem colocado ali ser analfabeto? Será que é pela sua incapacidade, preguiça? Não creio nisso. Penso que ele apenas foi transformado em um pequeno proprietário rural brasileiro. E este, longe de ser invejado, é um infeliz, um desafortunado, sem pai nem mãe, como mostra a história recente da agricultura neste País.
O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?
O SR. GERALDO MELO - Ouço o aparte do nobre Senador Bernardo Cabral.
O Sr. Bernardo Cabral - O discurso de V. Exª não nos permite saber se devemos com ele contribuir, ou ficar calados, pela seriedade com que é abordado. Recordo-me que, há algum tempo, por duas vezes - na segunda até disse que corria o risco de ser repetitivo - abordei o problema da reforma agrária. Senador Geraldo Melo, com responsabilidade de quem foi governador e com a biografia que tem, ligado a essa área, V. Exª demonstra aquilo que o político sério quer encarar. Esse problema de reforma e política agrárias não pode ser tratado de forma emocional. Ainda há pouco V. Exª falava na retirada das cabeças de gado que um líder sem-terra dava como anúncio, antes da ocupação; depois, a recusa de militares em cumprir uma ordem judicial, e aí vem a seguinte tese: a lei que não garante meu adversário hoje não me garantirá amanhã. Se não defendermos aqui o primado da lei, o Poder Legislativo vai ficar como coadjuvante nessa matéria e o Judiciário, completamente desmoralizado. De modo que V. Exª não precisa da solidariedade em torno das palavras que aqui tece com absoluta precisão, mas eu não calaria se não lhe desse este aplauso.
O SR. GERALDO MELO - Fico muito honrado com o aparte de V. Exª, Senador Bernardo Cabral.
Preciso deixar bem claro que não estou aqui para dizer que a estrutura fundiária do Brasil é muito boa e deve ser mantida. Estou aqui para dizer que temos o direito e o dever, nós, que estamos querendo levar as coisas a sério neste Congresso, de reunir toda nossa experiência em torno dessa questão, para que, assim como queremos modernizar os demais setores da atividade econômica, dela possa emergir uma proposta que balize o nascimento de uma agricultura moderna, eficiente, que seja instrumento não apenas de produção, mas também de ampliação de oportunidades aos cidadãos brasileiros.
Não estou aqui para negar a importância de se fazer isso, mas para dizer, seguindo V. Exª, que no meio de tudo isso só existe uma coisa que pode nos dar alguma garantia: a lei. A lei que está em vigor e é para ser cumprida; se a lei não é boa, mudemos a lei. Para isso, existe o Congresso Nacional; para isso, existem os mecanismos de proposição ao Congresso de nova legislação, se do Congresso não sair a proposta modernizadora; mas não pode haver, neste País, uma atitude de contemporização, uma atitude que seja a de considerar que existem arranhões à lei que devem ser permitidos.
Não posso entender que se considere, por exemplo, invadir uma propriedade, por mais absurdo que possa ser o direito de propriedade; mas se o direito de propriedade existe neste País, e se nós todos juramos defender a Constituição e as leis, do Presidente da República ao vereador do menor Município brasileiro, só existe uma coisa a fazer: invadiu-se propriedade, a lei tem que ser aplicada para garantir o direito do proprietário. Se é preciso mudar a substância desse direito, isso deve ser feito aqui e não pela força, no momento em que se derrubam as cercas das terras alheias. E se for possível legitimar-se a invasão da propriedade rural, amanhã poder-se-á legitimar a invasão da propriedade urbana, como sugeriu e mencionou o Senador Ramez Tebet. Porque se é lícito dizer-se "vou tomar um pedaço da sua propriedade, porque você tem terra e eu não tenho", também será lícito alguém dizer "vou ocupar um quarto do seu apartamento, porque você tem quatro quartos e só precisa de três".
Será que, nessa hora, vamos todos contemporizar? É preciso saber que existem apartamentos com quartos vazios pertencentes a políticos de todos os Partidos. Não há nenhum, portanto, que esteja a salvo desse tipo de risco. O que nos salva do risco, portanto, é a lei. Vamos cumpri-la, e, se ela não for boa, que seja melhorada. Mas não vamos ficar aqui engrossando movimentos irresponsáveis.
Como disse o Senador Lauro Campos, a fome, a miséria e a má distribuição de renda são geratrizes da violência urbana, mas aplaudir a irresponsabilidade que se pratica hoje também nas invasões de propriedade é um insulto à lei, geratriz de violência, de intranqüilidade e de insegurança. E nós, homens e mulheres de responsabilidade neste País, de todos os Partidos, qualquer que seja ele, não podemos estar aqui, depois de jurarmos defender a Constituição Federal, defendendo a baderna, passando por cima das leis, que também juramos defender.
Quem não gosta da lei que está em vigor, sobretudo se estiver em uma cadeira do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, tem o dever de escrever a sua proposta de mudança e estar preparado para submetê-la à decisão da maioria e, se a maioria optar por mudar, que se mude, e quando mudar, quem achar ruim encontre pela frente a lei, como deve encontrar pela frente a lei quem não gosta da lei de hoje.
Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso precisa ouvir este apelo. E determinar que, de uma vez por todas, se elabore, se desenhe, discutindo amplamente com a sociedade, uma proposta para modernizar a agricultura no Brasil, mas que garanta, até lá, que aquilo que está escrito na lei será cumprido. Não podemos defender que este País ingresse naquela fase de cada um escolher qual é a lei que está em vigor e qual é a que não está, qual é a boa e qual é a que não presta, qual vamos cumprir e qual não vamos cumprir.
Sr. Presidente, percebo que o nosso colega, Senador José Eduardo Dutra, deseja me apartear, mas V. Exª já me sinaliza quanto ao final do meu tempo.
O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - V. Exª já ultrapassou em três minutos o seu tempo e a Mesa foi tolerante com V. Exª.
O SR. GERALDO MELO - Agradeço a tolerância de V. Exª, mas, se a Mesa me permitir, ouço, com muito prazer, o Senador José Eduardo Dutra.
O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - Senador Eduardo Dutra, por favor, seja o mais breve possível.
O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. José Eduardo Dutra - Vou procurar ser breve, Sr. Presidente. Nobre Senador Geraldo Melo, estou ouvindo com bastante atenção o seu pronunciamento. Não resisto à tentação de fazer um registro a partir da associação de idéias que V. Exª fez com relação a Francisco Urbano, à CONTAG e à CUT, que pareceu-me, através da propriedade transitiva da matemática - a=b e b=c, então a=c -, que V. Exª disse com muito orgulho que teve um certo aval da CUT em relação a sua candidatura. Partindo de um vice-Líder do Governo, considero isso bastante bom, na medida em que V. Exª, ao contrário de outros setores do Governo, não encara a CUT como uma organização malévola para a democracia brasileira. Com relação ao pronunciamento de V. Exª, em primeiro lugar, não tenho procuração para defender o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Entendo que qualquer movimento de massas que envolve milhares e milhares de pessoas, na verdade, sempre deixa margem à participação dos oportunistas, dos irresponsáveis, daqueles que não têm nada a ver com o movimento, mas que, na medida em que surgem oportunidades para praticarem os seus interesses individuais, eles acabam aparecendo. E, da mesma forma como em outros movimentos, acontece também com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Não vou aqui discorrer sobre a importância que o movimento teve, a meu ver, no processo da reforma agrária no Brasil, porque isso já foi feito nesta Casa com muito mais competência, não por um parlamentar de esquerda, mas pelo Senador Esperidião Amin, do PPB, por ocasião do aniversário do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Agora, a sua preocupação, que é perfeitamente justa, em relação à discussão do sentido da lei no Estado de Direito e à existência cada vez maior de ocupações, é explicada a partir de uma realidade. Deve haver exceções, é claro, mas praticamente todas as desapropriações feitas para efeito de reforma agrária, do advento da Nova República até hoje, foram implementadas a partir de ocupações de terra. E isso, naturalmente, leva os trabalhadores rurais sem-terra a raciocinar no sentido de que, se não houver a ocupação, a simples existência da lei não fará com que as áreas sejam desapropriadas. Na medida em que a lei prevista na Constituição de desapropriação de propriedades improdutivas seja implementada sem a necessidade de anteriormente haver ocupação, eu tenho a certeza de que o número de ocupações irá reduzir bastante. Caso contrário estaremos caindo naquela situação de culpar as árvores pela existência do incêndio na floresta. Creio que as preocupações de V. Exª são procedentes. É preciso que se aplique a lei e que, cada vez mais, se acelere o processo de reforma agrária no Brasil, porque sem dúvida alguma é essa situação que provoca todos esses episódios. Concordo com V. Exª que, para haver reforma agrária, não basta simplesmente dar um pedaço de terra para o trabalhador, porque, se não houver uma política agrícola, se não houver condições efetivas para ele produzir, ele vai acabar vendendo ou entregando a terra para outro. Vou concluir este meu aparte com uma frase de Bertolt Brecht, que dizia: "Do rio, que a tudo arrasa no meio de enchente, dizem que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o reprimem". Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - Queira concluir, Senador Geraldo Melo.
O SR. GERALDO MELO - Vou concluir, Sr. Presidente.
O aparte de V. Exª, Senador José Eduardo Dutra, deu uma grande altitude, inclusive intelectual, ao meu discurso. Agradeço a V. Exª por isso. Apenas peço permissão ao Presidente para esclarecer dois pontos, a fim de evitar equívocos que podem me provocar embaraços futuros. Aquele caráter transitivo da matemática também não deve nos levar a um equívoco.
Não tive aval da CUT. É preciso que isso fique bem claro, porque não tenho o direito de usar indevidamente o nome de uma central sindical com a responsabilidade da CUT para dizer que ela tenha tomado algum tipo de posição política em relação à minha candidatura, o que não seria verdade. Na realidade, o Rio Grande do Norte é o Estado onde começou o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra no Brasil com as chamadas comunidades eclesiais de base. Então, ele é um Estado onde esse movimento é bastante maduro. Temos mais de 100 sindicatos rurais num Estado de 152 municípios, com mais 10 que foram criados e não instalados, 162. Na realidade, foram esses sindicatos, pela sua federação estadual, que, tendo debatido com todos os candidatos antes dos dois pleitos, comunicaram à sociedade que tinham escolhido o candidato fulano de tal para apoiar. Não estou querendo que se envolva indevidamente a CUT nisso.
Sobre a CUT quero apenas lhe dizer que sou, como V. Exª, um dos que pensa que ela não é um mal que deva ser extirpado, ela não ofende a democracia brasileira; ela radicaliza muitas vezes onde não deve, discordo muito de muitas posições da CUT, mas penso que o trabalhador brasileiro deve muito a ela, como deve à CGT e como deve ao seu movimento sindical, que precisa ser preservado.
Queria encerrar dizendo que realmente não é apenas dar um pedaço de terra, mas também não é, Senador José Eduardo Dutra, dar o pedaço de terra ao trabalhador rural e ter uma política agrícola para ele. Ele se transforma num agente produtivo igual a todos os outros, aos que chegaram lá pela via da reforma agrária ou não. Se não há uma política agrícola para todos os agentes produtivos, não deve haver para ele.
Finalmente, se fossem verdadeiros os pressupostos de V. Exª, eu não teria o que corrigir. Mas, na realidade, não é verdade que os assentamentos e as iniciativas de reforma agrária no Brasil decorram de ocupações. Pelo contrário, na minha região e na de V. Exª, no Nordeste brasileiro, na Zona da Mata - falava-se que essa região era dominada pelos usineiros e que ali a monocultura da cana dominava a agricultura -, 200 mil hectares foram desapropriados e colocados à disposição dos trabalhadores rurais, mas, até hoje, não foram ocupados. Ocupam-se terras que não precisariam ser ocupadas.
V. Exª sabe que o nosso Presidente Jefferson Péres terminaria cassando a nossa palavra, pois o meu tempo já se esgotou. Para evitar que isso ocorra, encerro o meu pronunciamento dizendo que, neste País, não precisamos transformar a necessidade de modernização da estrutura agrária num problema que, de fato, não existe. Esse é um problema que pode ser resolvido sem conflitos, sem violência, sem sangue, porque este País foi abençoado por tantos espaços, por tão prodigiosas terras férteis, muitas delas com localizações fantásticas em relação ao mercado.
Senador José Eduardo Dutra, na sua viagem para o Nordeste, quando o avião se aproximar de Bom Jesus da Lapa, fique atento e olhe para o seu lado esquerdo. Perto do Rio São Francisco há um projeto agrícola. Eu mesmo contei 83 pivôs centrais para a irrigação. Ali há também irrigação praticada por outros métodos. De um lado e de outro desse projeto há um grande vazio, uma imensidão entre o oeste da Bahia e o Planalto Central, mas ali não está havendo invasão. Está havendo invasão em São Paulo, onde o hectare de terra custa uma fortuna. Está havendo invasão no Paraná, onde a estrutura fundiária talvez seja a melhor desse País, no Paraná e em Santa Catarina.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que eu desejava era registrar uma preocupação e apelar para que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, assumindo, como parece disposto a assumir, o comando desse processo, não permita que a lei seja jogada no lixo; e que, se a legislação atual não for a melhor, que nos debrucemos todos à tarefa de criar uma legislação modernizadora compatível com as necessidades do povo brasileiro. Muito obrigado, Sr. Presidente.