Discurso no Senado Federal

AVANÇO DA PRODUÇÃO EDITORIAL NO BRASIL, A PROPOSITO DO DIA NACIONAL DO LIVRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • AVANÇO DA PRODUÇÃO EDITORIAL NO BRASIL, A PROPOSITO DO DIA NACIONAL DO LIVRO.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/1995 - Página 2155
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIA, EDITORA, BRASIL, OPORTUNIDADE, HOMENAGEM, DIA NACIONAL, LIVRO.
  • AVALIAÇÃO, ESTATISTICA, AUMENTO, INDUSTRIA, EDITORA, PUBLICAÇÃO, BRASIL.
  • RECONHECIMENTO, AUSENCIA, BENEFICIO, TOTAL, POPULAÇÃO, AUMENTO, INDUSTRIA, EDITORA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO ECONOMICA, INDUSTRIA, EDITORA.
  • DEFESA, POLITICA, INCENTIVO, PUBLICAÇÃO, BRASIL.
  • ELOGIO, ATIVIDADE, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, INCENTIVO, APOIO, PUBLICAÇÃO.
  • HISTORIA, EVOLUÇÃO, INDUSTRIA, EDITORA.
  • COMENTARIO, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, COMPUTADOR, INCENTIVO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÃO.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, 30 de outubro é considerado o Dia Nacional do Livro, data apropriada para levarmos adiante uma breve reflexão sobre a atual situação brasileira no campo da editoração. Creio também que é necessário cogitar-se sobre as fundas implicações que o crescimento rápido dos chamados meios multimídia vem tendo sobre a indústria editorial.

            Refletindo sobre o livro, estamos, de certa forma, avaliando o estágio cultural em que nos encontramos já que ele é um dos principais veículos da cultura. Seus reflexos, no entanto, vão muito além do campo meramente cultural.

            Na verdade, a produção editorial - não só no formato tradicional de livro, mas também nos meios de multimídia - é o indicativo mais seguro do nível de desenvolvimento científico, tecnológico e econômico de um povo. Na área editorial, o Brasil tem avançado de forma permanente. No entanto, pode-se contestar a velocidade desse avanço. Será que estamos crescendo num ritmo suficiente para superar o largo feito que nos separa dos países mais desenvolvidos? A questão é delicada e para respondê-la urge analisar diversas variantes.

            Observemos alguns números: Em 1994, a produção editorial brasileira alcançou 236 milhões de exemplares produzidos num total de 36,5 mil títulos, representando um faturamento de US$1,2 bilhões. Esse números indicam um crescimento de 6% em relação aos 222,5 milhões de exemplares rodados em 1993. Como naquele ano, chegaram às livrarias 33,5 mil novos títulos; o aumento nesse aspecto foi de 9%. Finalmente, no que se refere ao faturamento, o avanço de 1994 sobre 1993, quando o faturamento total alcançou U$930 milhões, foi de 29%. Desses números se conclui, portanto, que o maior crescimento foi no faturamento. Isso quer dizer que o livro teve, no ano passado, uma acentuado aumento no seu preço, aumento que os editores atribuem à elevação do preço internacional de matérias-primas, em especial, papel de imprensa.

            Essas cifras aparentemente grandiosas são modestas quando comparadas a outros números registrados aqui mesmo no Brasil. Dez anos atrás, em 1986, durante o Plano Cruzado tivemos uma tiragem total que atingiu o fantástico meio bilhão de exemplares impressos. Também em 1991, alcançamos 303,4 milhões de livros, número bem mais significativo do que a produção no ano passado. A circulação de livros no Brasil, como se vê, deveria ser hoje muito maior.

            Lamentavelmente, é preciso considerar que grande parcela da população brasileira está, hoje, à margem da cidadania. São milhões de pessoas que não freqüentam escolas; são também contadas em milhões os que, embora alfabetizados, não têm condições financeiras de adquirir livros. Por fim, é preciso admitir que o hábito da leitura, devido não só aos fatores apontados acima, mas também à falta de uma tradição, não está arraigado na sociedade brasileira.

            Se juntarmos todos esses fatores, a explosão recente dos meios eletrônicos de comunicação social e de massa - rádio e televisão -, teremos uma visão mais aproximada da situação brasileira. O panorama que vislumbramos não chega a ser ruim, quando nos comparamos aos países de patamar sócio-econômico equivalente de desenvolvimento. Mas a verdade é que nossa posição, no campo do livro, é bastante modesta quando confrontada com a de países ricos.

            Há quem diga, entre os estudiosos da questão, que o Brasil, infelizmente, chegou à era do rádio e da televisão antes que o analfabetismo tivesse sido erradicado, sem que tivéssemos uma experiência de massificação da leitura de jornais.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, principal veículo da cultura por cinco séculos, o livro tem hoje seu lugar ameaçado. Aliás, é um vaticínio já feito muitas vezes e até aqui desmentido porque o livro continua sendo um eficiente veículo de difusão cultural e de informação.

            O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Lúcio Alcântara?

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, nobre Senador Josaphat Marinho.

            O Sr. Josaphat Marinho - Senador, V. Exª fixa um assunto que é dos mais indicativos do desinteresse do Poder Público pela cultura. No Brasil, trata-se a editoração como se fosse atividade puramente comercial. Não se atenta à particularidade de que o estímulo, o auxílio, o amparo à editoração é extremamente útil à expansão do livro e, conseqüentemente, à ampliação da cultura em todos os seus graus. Há institutos do livro. Na Bahia há um em que os dirigentes fazem um esforço enorme para conseguir dar objetividade ao trabalho de editoração. Não temos ainda no Brasil o hábito dos grandes empresários ajudarem essas casas de preparo de livro como forma de ajudar a cultura; como o Governo também não se preocupa, essas organizações vivem no desamparo. É preciso notar que nem todas são editoras comerciais. Há instituições que se formam para editorar livros mais com a finalidade cultural do que comercial, mas não se atenta a isso, infelizmente. V. Exª faz bem em cuidar do assunto.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Josaphat Marinho, V. Exª tem toda razão. O Governo, até agora, não tem dado a devida atenção ao problema.

            Vejamos sob o aspecto puramente empresarial, econômico. Há toda uma cadeia que vai desde as editoras a redes de livrarias, distribuidores, produtores de matéria-prima, gráficas, ou melhor dizendo, papel, tintas e assim por diante. Essa cadeia não tem se entendido bem. Uns se acusam mutuamente sobre os preços elevados do livro. Por outro lado, tiragens pequenas encarecem o livro. Por serem caros os exemplares o consumo é menor, e há um círculo vicioso que o Governo até agora não teve a disposição para quebrar.

            Por outro lado, em alguns países, como a Colômbia, que tem uma situação sócio-econômica próxima da nossa, há estímulos para garantir a produção nacional. O número de títulos nacionais é relativamente pequeno no conjunto de títulos publicados pelas nossas editoras, porque muitas vezes são autores novos, não têm o retorno assegurado, e certos títulos, como V. Exª lembrou muito bem, são de alto interesse cultural, até para a compreensão da nossa nacionalidade, da nossa cultura, da nossa economia, dos nossos costumes, mas não têm apelo de consumo, como o Instituto Estadual do Livro da Bahia e outras instituições, inclusive de natureza privada, que são constituídas com esse fim, precisariam ser amparadas, auxiliadas.

            Existem títulos de grande importância para nós que estão esgotados e não houve reedição, porque o próprio Governo, sob o pretexto de que não cabe a ele imiscuir-se nessas atividades, deve deixar isso à iniciativa privada, não tem cuidado de reeditar esses textos, por exemplo, A Brasiliana, enfim, tantos outros títulos que estão aí a reclamar reedição por parte do Governo que tem se retraído, a nosso ver, injustificadamente, dessa atividade, com grandes prejuízos para a nossa cultura e para a formação do povo brasileiro.

            O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª poderia acentuar que há um retraimento, um desinteresse por parte do Governo, como por parte dos grandes titulares do poder econômico, no pressuposto de que o comércio de livros é todo ele empolgado por autores como Jorge Amado, Josué Montelo e outros.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Como Paulo Coelho.

            O Sr. Josaphat Marinho - Mas essa não é a realidade. Em todas as províncias, há autores de merecimento sem condições de publicar os seus livros, porque as grandes editoras não têm interesse. Por outro lado, há o fenômeno, a que V. Exª se referiu, de grandes títulos, pelos quais as editoras comerciais também não têm interesse. Aqui, cito o exemplo do que acontecia - não sei se, no momento, ainda acontece - com a Universidade de Brasília. Há dez anos ou mais, a Editora da UnB publicava títulos dos mais úteis à cultura, pelos quais não tinham nenhum empenho as editoras comercias; cito, como exemplo, o livro O Espírito das Leis, de Montesquieu, e vários outros livros. Foi a Universidade de Brasília que tirou a segunda edição de um dos maiores livros do nosso tempo sobre o Brasil: A Cultura Brasileira, de Fernando de Azevedo, e, assim, sucessivamente. Mas as Secretarias de Educação e Cultura não se preocupam com isso e, às vezes, empenham-se na publicação de obras ordinaríssimas, que em nada concorrem para aperfeiçoar ou melhorar a cultura.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Josaphat Marinho, V. Exª, mais uma vez, aborda a questão com muito aprumo, com muita segurança, o que, aliás, não é novidade para nós, porque V. Exª conhece essa matéria. Mas há um dado que nós não podemos deixar de mencionar, aquele brocardo saxônio publish or perish, publicar ou perecer, sob o argumento de que as idéias que não são publicadas, não são divulgadas, não têm ressonância.

            E publicar na província, eu diria, é perecer duas vezes: deixa de ser inédito, mas, na verdade, aquilo se esgota em um pequeno círculo, porque as tiragens são limitadíssimas. E há grandes valores na província que estão privados de ter as suas obras conhecidas porque não há estímulo à publicação.

            Há pouco, eu citava a Colômbia. Naquele país há um dispositivo legal que obriga o governo a adquirir um determinado número de exemplares dessas obras para assegurar uma tiragem que seja suficiente para permitir uma circulação daquelas obras.

            Também a referência à Universidade de Brasília é muito justa, porque foi a Editora da UnB que permitiu a reedição de muitas obras não só de interesse nacional, mas obras clássicas e de alto teor científico e político. Enfim, as publicações da Editora da UnB honram aquela universidade.

            Mas, se não tem primazia quanto a vendas, o livro é ainda a forma mais comum de se armazenarem idéias ou conhecimentos. Mas até mesmo essa sua posição está ameaçada pelos chamados meios multimídia de estocagem de informações, como CD-ROM e as redes internacionais de comunicação.

            A verdade é que estamos, talvez, na iminência de vermos, em breve, o fim de um predomínio de dois mil anos, domínio que vem desde que o livro apareceu na China e na Coréia, fabricado com folhas de palmeira, em peças de seda ou em tábuas de madeira polida, ou na Assíria e na Caldéia, na forma de placas de argila.

            Uma lenta evolução - que atingiu seu ápice no século XIV, quando Gutemberg aperfeiçoou o prelo e a tipografia - pode ser varrida rapidamente pelo fantástico avanço dos meios modernos de armazenagem de conhecimento. Até aqui o livro tem mostrado uma resistência e se mantido ainda, como disse há pouco, como um grande instrumento de divulgação e difusão cultural.

            Já foi possível gravar em apenas um CD-ROM uns 26 volumes da Enciclopédia Britânica, que equivalem a textos que encheriam 250 mil folhas do formato A4.

            Temos também agora as chamadas redes mundiais de informação instantânea, como a Internet e a Bitnet que ameaçam o livro. Por intermédio dessas redes é possível não só ter acesso ao conhecimento, mas também interagir com o autor de determinada obra.

            Escrevendo sobre essa possibilidade, no jornal O Estado de S.Paulo, Luís Eduardo Peixoto Gervásio diz que "a perspectiva que se abre é a de um novo campo de atuação para a editoração unida à multimídia, dentro das grandes redes mundiais de comunicação". E exemplifica dizendo que os cerca de seis mil artigos sobre assuntos médicos que, atualmente, são publicados diariamente na imprensa de todo o mundo poderiam ser incluídos nessas redes "com imagens ou não, com sons ou não, permitindo que seus leitores possam conversar com os autores".

            De modo resumido, esse é o desafio futuro do livro: enfrentar o CD-ROM e a redes internacionais de comunicação. No entanto, como em nossa era tudo avança numa velocidade espantosa, esse desafio pode estar bem mais próximo do que podemos imaginar. As perguntas que nos fazemos são: Será que o livro vai persistir na sua forma atual? Se persistir, até quando?

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre 1751 e 1772, na França, 150 especialistas, ajudados por mil operários, construíram um impressionante monumento cultural: a chamada Enciclopédia de Diderot, que, em 35 volumes, pretendia abarcar todo o conhecimento humano disponível até então.

            Hoje, embora nossos meios sejam incomensuravelmente maiores, essa tarefa seria impossível. Isso porque os artigos científicos, literários e técnicos divulgados mensalmente em publicações do mundo são contados em centenas de milhares.

            Ora, a armazenagem física dessa fantástica produção de conhecimento só pode se dar, agora, nos meios modernos de multimídia. E, mesmo assim, separada por áreas específicas, que têm de ser constantemente atualizadas.

            De todo modo, o livro na sua forma atual - conjunto de textos tipográficos, reunidos em cadernos de papel cosidos entre si e encadernados ou brochados - deve prosseguir ainda por muito tempo. O livro pode ser facilmente transportado. Não exige fonte de energia, a não ser a do sol. Pode ser lido tanto por uma pessoa que caminha quanto por uma que está deitada. Pode ser carregado na mão ou no bolso. Não exige nenhum aparato técnico para ser desvendado.

            No Brasil, no que se refere ao livro, temos que nos preparar para enfrentar o desafio do futuro. Mas é igualmente necessário que nos preparemos para encarar o desafio do passado. Ou seja, temos que fazer, retroativamente, o que não foi feito ao longo de todo o nosso processo histórico. Precisamos alfabetizar a totalidade dos brasileiros. Precisamos fixar o hábito da leitura de livros, ao mesmo tempo em que preparamos nossa juventude para trabalhar com os modernos meios de comunicação. Precisamos formar aquela sólida base cultural indispensável ao crescimento sócio-econômico.

            O Brasil ingressou muito tarde sua era do livro. Só em 1808, com a chegada da família imperial, tivemos tipografia. Nas colônias espanholas, isso se deu muito antes. Já antes de 1600, o México obteve da coroa espanhola uma licença para a impressão de livros. O dia 30 de outubro, Dia do Livro, é a data ideal para ponderarmos sobre tudo isso.

            Encerro - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, - dizendo que, na minha opinião, o poderoso fascínio que o livro na sua forma antiga sempre exerceu sobre os homens - ora entesoura conhecimentos, ora transmite poesia - vai permanecer intato ao longo dos tempos.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/1995 - Página 2155