Discurso no Senado Federal

COMBATE AS FRAUDES DO SISTEMA UNICO DE SAUDE, COMO MEIO DE SE EVITAR O FECHAMENTO DE HOSPITAIS NO PAIS. COBRANDO A PUNIÇÃO DOS CULPADOS PELO MASSACRE DOS SEM-TERRA EM CORUMBIARA-RO.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.:
  • COMBATE AS FRAUDES DO SISTEMA UNICO DE SAUDE, COMO MEIO DE SE EVITAR O FECHAMENTO DE HOSPITAIS NO PAIS. COBRANDO A PUNIÇÃO DOS CULPADOS PELO MASSACRE DOS SEM-TERRA EM CORUMBIARA-RO.
Aparteantes
Ernandes Amorim, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/1995 - Página 374
Assunto
Outros > SAUDE. SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • NECESSIDADE, URGENCIA, MEDIDA DE CONTROLE, COMBATE, PUNIÇÃO, FRAUDE, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), REINVESTIMENTO, SAUDE PUBLICA.
  • CRITICA, FALTA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, VIOLENCIA, VITIMA, TRABALHADOR, SEM-TERRA, MUNICIPIO, CORUMBIARA (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • ANALISE, CRITICA, DESNECESSIDADE, ATUAÇÃO, VIOLENCIA, DESPREPARO, POLICIA MILITAR.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ACELERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, POLITICA AGRARIA, ASSENTAMENTO RURAL.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema levantado nesta tarde pelo Senador Lúcio Alcântara e, agora há pouco, pelo Senador Antonio Carlos Valadares, realmente merece uma atenção especial de todos nós, Parlamentares desta Casa, e, em especial, do Governo Federal.

Uma medida que associe a intensificação do combate às fraudes e a punição de eventuais culpados pelas fraudes no Sistema Único de Saúde à melhoria da arrecadação, ou seja, do financiamento do setor Saúde, faz-se realmente urgente. Enquanto soluções nesse sentido não forem encaminhadas, continuaremos aqui a trazer denúncias, a fazer lamúrias, a constatar a nossa tristeza pelos fatos que têm acontecido em quase todos os Estados brasileiros quando se trata da falência do serviço de saúde pública em toda a Nação.

Mas o assunto que trago hoje a este plenário também é de extrema relevância. Trata-se da reforma agrária, com o enfoque centrado no episódio que recentemente atingiu Corumbiara, em Rondônia.

Passaram-se dias, passaram-se meses, e a Nação brasileira continua à espera de resultados práticos com relação a eventuais providências tomadas pelo Governo Federal quanto à punição dos culpados pelo massacre que ceifou a vida de dezenas de pessoas na Fazenda Santa Elina, em Corumbiara, Rondônia, situação que ameaça difundir-se para vários outros Estados brasileiros.

A insistência do Governo Federal em apresentar soluções para o País tendo como base a busca da modernização econômica e social leva-nos a questionar o que é modernidade para os atuais mandatários da Nação.

A modernidade não pode ser confundida com um pacote de medidas político-administrativas direcionado exclusivamente para os problemas urbanos. O recente conflito de terras em Rondônia revelou, entre outras coisas, que nossa concepção de modernidade não se sustenta senão como hipócrita fachada.

Quando o Brasil rural, tão perto e tão longe de nós, desperta em sangue, o simulacro do Estado nacional se desmancha como castelo de areia. De que adianta tanta propaganda em torno de nossa vocação para o futuro, se o que queremos, no fundo, é perpetuar a vil condição de sociedade injusta e violenta?

Que não venham os costumeiros reacionários a atribuir ao campesinato a iniciativa da agressão. Mais uma vez setores da Polícia Militar e seus congêneres se armaram não para defender a sociedade civil, mas, sim, para sufocá-la.

Fatos como o de Corumbiara transformam a Polícia Militar em aparelho público sob o jugo dos poderosos, perdendo sua dignidade funcional em troca de compensações cuja natureza inspira nossa mais imediata desconfiança e repugnância.

Policiais treinados para praticar e garantir a harmonia entre os cidadãos se travestem de truculentos jagunços para executar uma política vexaminosa de extermínio. Tudo parece ter sido planejado para uma operação de efeito rápido e bem covarde.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pelo menos, é assim que o Brasil inteiro fez a leitura de um massacre tão desnecessário e brutal. A fazenda Santa Elina, no interior de Rondônia, se transformou de repente num sangrento campo de batalha. E quem disse que no País não havia em desenvolvimento latente uma verdadeira guerra civil?

Seiscentas famílias ordenadamente reivindicavam com ações concretas melhores condições de vida para si e seus filhos. Seiscentas famílias acampavam nos terrenos de uma fazenda considerada potencialmente desapropriada, pelo completo abandono de seu proprietário, em relação a um projeto mínimo de ocupação econômica.

Seiscentas famílias foram brutalmente perseguidas, como judeus, por nazistas, nos pavorosos guetos poloneses. Seiscentas famílias enterraram seus filhos, em covas solitárias, como croatas e muçulmanos enterram seus familiares, nos campos tristes da Bósnia.

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Concedo o aparte a V.Exª.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Sebastião Rocha, o problema de Rondônia abalou o País e chamou a atenção do mundo. O Presidente da República trocou um Presidente do INCRA, que teve tempo de fazer alguma coisa por aquele povo no que diz respeito à briga pela terra, mas não fez nada, por outro, que até agora está calado, sem um plano. V. Exª diz que aquela fazenda estaria abandonada. Senador, conhecemos essa área e podemos garantir que a fazenda não se encontrava abandonada; ela tem 4 mil cabeças de gado; inclusive, as pessoas acamparam ao lado da sede da fazenda, onde usavam até a luz. A questão da invasão de terras é um problema sério; cabe ao Presidente da República tomar uma atitude veemente para resolvê-la. Não é só dando terra aos sem-terra que se resolve o problema, até porque, em poucos anos, milhões e milhões de agricultores abandonaram suas terras e foram morar nas periferias das cidades por falta de apoio ao agricultor. A meu ver, as fazendas não podem cumprir seu papel social por causa da crise que existe. Cabe ao Senado unir-se ao Presidente da República para buscar uma política fundiária correta para este País. Assentar o homem no campo simplesmente não resolve o problema.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Ernandes Amorim. Como representante de Rondônia, V. Exª conhece sua região bem melhor do que eu. O caso de Rondônia não foi um caso isolado. Inclusive, nós do Senado nunca tentamos imputar qualquer culpa a Rondônia enquanto terra, enquanto povo. Há um ano e meio, o Amapá viveu um episódio, que futuramente trarei ao conhecimento do Senado, em que uma família inteira, a família Magave, foi dizimada, e até agora nenhum resultado concreto se obteve das investigações sobre os culpados e mandantes do crime.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Sebastião Rocha, o meu breve aparte é simplesmente para apoiar as palavras de V. Exª. Reiteradas vezes - não só eu, mas diversos Senadores - temos tratado da questão da reforma agrária. É de fundamental importância que o Governo Federal execute um programa rápido e emergencial para essa questão. Queria lembrar que está tramitando projeto de lei que visa a implementação rápida da reforma agrária, institui a justiça agrária e cria instrumentos ágeis no sentido de resolver os conflitos de terra. Mas desejo parabenizá-lo, dizendo que a questão da reforma agrária é um conflito nacional, e essa chaga nacional nos aflige. Nós, como Senadores, como classe política, como Congresso Nacional, temos que ter a responsabilidade de buscar soluções, como V. Exª bem coloca. Muito obrigado.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª. Desde já pode contar com o meu irrestrito apoio ao projeto de lei de sua autoria.

Sr. Presidente, por detrás de toda essa truculência, há a irresponsabilidade do Estado, que finge que a história aconteceu do outro lado de suas fronteiras. Mais do que condolências, o Governo Fernando Henrique Cardoso deve uma explicação moral e política não só aos sem-terra de Rondônia e do resto do País, mas também aos cidadãos brasileiros.

A promessa da reforma agrária não sai do papel mofado em que adormece nas prateleiras do Palácio do Planalto. Mas, também, como confiar os destinos das terras nacionais ao homem, cujas mãos habitualmente se ocupam de verdes bem mais rentáveis?

O Ministro da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária, Senador José Eduardo Andrade Vieira, imprime ao episódio o tom da indiferença e da impunidade. Não consegue enxergar no posseiro morto um igual, um irmão perdido. Seu sentimento é de piedade medieval que quase beira a comoção teatralizada.

Será que, por um instante, no coração do Ministro surgiu uma lucidez suficientemente forte para despertar sua consciência no rumo da dimensão da tragédia de Corumbiara? Estimo que não. Se assim fosse, tenho a convicção de que nem o Ministro agüentaria tanto remorso por tamanha imprudência e insensibilidade política. Sua omissão mereceria a demissão sumária.

Com efeito, a expectativa que se nutria em direção a um programa mais honesto de assentamento rural, sob o comando do Presidente Fernando Henrique Cardoso, era muito intensa. Hoje, ao contrário, a impressão que se tem é que Corumbiara virou símbolo de vitória para as forças mais reacionárias do País.

Na cabeça de vários nobres brasileiros, posseiro é confundido com bandido e assim é tratado no dia-a-dia. Sem propriedade e destituído da esperança de construir um lar e plantar o futuro da família, o sem-terra descobre a dignidade da vida e vai à luta pelos seus direitos naturais.

O movimento dos sem-terra por todos os quatro cantos do País é motivo de muito orgulho para aqueles que ainda não desistiram de ver e fazer um Brasil melhor. Sua insistência para a conquista de dias melhores estimula a disciplina e o apego ao sentimento de coletividade.

Graças ao aprendizado da vida coletiva organizada, os sem-terra têm inspirado novas participações populares no domínio da dimensão pública democrática. Infelizmente, nem todos os filhos da pátria pensam dessa maneira e alguns preferem impor uma política fascista de extermínio rural.

Quem imagina que a mentalidade do grande proprietário de terra no Brasil foi convertida num campo fértil para o diálogo e sensatez pode preparar-se para a mais cética decepção. A ditadura teve o desfecho que merecia, mas deixou seqüelas de difícil remediação.

Para superar tais forças retrógradas, é preciso que a sociedade civil participe mais do cotidiano nacional, a ponto de exigir a mais rigorosa apuração da tragédia de Rondônia. Mais do que proceder a inquéritos, o Estado tem que ser implacável na punição dos culpados, ainda que o saldo final lhe seja contabilizado desfavoravelmente na balança que avalia a missão de segurança do próprio Estado.

Por outro lado, enquanto os jornais, televisões e rádios se restringirem a fazer uma cobertura meramente sensacionalista de episódios tão amargos como esse, a população vai continuar a reagir por impulsos de imagens, sem qualquer envolvimento moral com a história que acontece diariamente no País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está mais do que evidente que o atual Governo, nesse aspecto, em nada se diferencia de seus antecessores. Longe de procurar aqui dentro resolver a questão dos sem-terra de uma vez por todas, mediante a agilização dos assentamentos previstos, o Presidente da República se acomoda numa falsa ostentação de homem liberal, pronto para candidatar-se ao próximo Nobel da Paz.

Paladino dos direitos humanos, Sua Excelência vira as costas para Rondônia como se o problema fosse de competência exclusivamente local. Cada vez mais, seus discursos soam atonais e destituídos de qualquer conteúdo significativo, tendendo sua vocação política, como a de seu antecessores, mais para a aparência do que para a essência.

A reforma agrária é assunto muito sério e profundo para se deixar aos cuidados de homens tão insensíveis. Ao Senado Federal cabe cobrar das autoridades do Executivo medidas que não só apóiem a apuração e a aplicação penal devida aos culpados de Corumbiara, mas também impulsionem, acelerem o lento processo de assentamento em todo o País.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/1995 - Página 374