Discurso no Senado Federal

INVASÃO DE TERRAS NO PAIS. DEFESA DOS PRODUTORES RURAIS.

Autor
Lúdio Coelho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Lúdio Martins Coelho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • INVASÃO DE TERRAS NO PAIS. DEFESA DOS PRODUTORES RURAIS.
Aparteantes
Ademir Andrade, Iris Rezende, Jefferson Peres, Levy Dias, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1995 - Página 1562
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, REFORMA AGRARIA, PAIS.
  • NECESSIDADE, REVISÃO, POLITICA AGRARIA, PROJETO DE REFORMA AGRARIA, AUMENTO, ASSISTENCIA, FAMILIA, ASSENTAMENTO RURAL, CONCESSÃO, RECONHECIMENTO, VALOR, PRODUTOR RURAL, RESPONSAVEL, MANUTENÇÃO, VIABILIDADE, PLANO, REAL.

            O SR. LÚDIO COELHO  (PSDB-MS. Pronuncia o seguinte. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Imprensa Nacional tem cuidado, nesses últimos tempos, das invasões de terra e da reforma agrária. Temos também acompanhado artigos de sociólogos, do presidente do INCRA, enfim, as apreciações mais variadas sobre esse acontecimento.

            Tenho comigo que a Nação está preocupada com os fatos que estão ocorrendo. Tivemos, no ano passado, uma safra agrícola enorme, uma das maiores que o País já teve. A agricultura brasileira está dando sustentação ao Plano Real. Os preços dos produtos agrícolas, dada a grande oferta, estão ainda menores do que quando da implantação do Plano Real.

            O que estou observando neste processo de invasão de terras é que há outros interesses que não estão relacionados com a agricultura. Estão mudando o nome de invasão para ocupação, o nome de trabalhadores sem emprego para trabalhadores rurais.

            Imagino que o Senado da República deveria examinar o assunto em profundidade. A Nação deseja a reforma agrária. Os preços das terras estão reduzidos em relação ao ano passado, estão valendo em torno de 50% a 60% de seu valor. As propriedades rurais, em sua grande maioria, estão à venda. Deveríamos discutir o assunto em profundidade e o setor do Governo poderia - como disse o Presidente do INCRA em recente artigo - selecionar os trabalhadores sem emprego, e que estão invadindo as áreas rurais, trazendo a intranqüilidade e insegurança, e relacioná-los, para que se faça um assentamento com o setor dos trabalhadores que tivessem conhecimento da agricultura. Agricultura não é uma atividade para qualquer um.

            Certo dia, eu estava explicando a companheiros aqui do Senado sobre o arrendatário. Existem muitas pessoas que fazem restrições ao arrendatário de terras. Dizia eu que o proprietário de terras às vezes não é agricultor. Como a agricultura é uma especialidade, ele arrenda sua terra, como o dono de um prédio na cidade, que não é comerciante, que não é das Casas Pernambucanas ou não sabe mexer com mercearia, aluga sua casa para uma empresa que tenha especialidade na área. Agricultura é uma especialidade.

            Parece que o nosso problema é assentar famílias de baixa renda que estão sem emprego no campo. Tenho me perguntado muito qual é o caminho a tomar.

            Eu disse aos sem-terra lá do meu Estado que no Senado da República eu iria me debruçar sobre este assunto, para buscarmos a solução adequada, sem demagogia e sem conversa fiada. Porque o que está havendo é uma demagogia enorme, colocando proprietário de terras como se fosse marginal, como se fosse crime possuir terras.

            Ouvi, ainda ontem, o Presidente do INCRA falar em criar impostos punitivos ao proprietário de terras. Só que, decerto, ele não lembrou que, das terras do nosso País, não ocupamos nem 10% na agricultura. Se formos fazer agricultura em terras inadequadas, dentro do quadro nacional, vamos ter uma falência geral.

            A agricultura brasileira é muito qualificada. Os países desenvolvidos do mundo - Estados Unidos, França, Canadá - no setor agrícola, transportam por no máximo 200 milhas seus produtos agrícolas e despacham nos portos. Eles têm navegação aquática e, quando não, têm um sistema de transporte rodoviário e ferroviário de primeira linha. O agricultor brasileiro não tem nenhum porto fluvial para transportar seu produto. O agricultor de Mato Grosso, de Goiás e do Tocantins têm que produzir lá para mandar embarcar no Porto de Paranaguá, ou para ser consumido em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, nos grandes centros de consumo.

            Estamos sendo heróis, nós, agricultores do meu País. No meu Estado, já há muitos papéis afixados nas camionetes - inclusive na minha: "agricultor com muita honra", "produtor rural com muita honra", porque não somos marginais, como estão querendo chamar a classe do homem do campo.

            Nasci em uma fazenda para onde meu pai foi no começo deste século. Junto com 12 irmãos, nascemos todos em mão de parteira, sem nenhum assistência. Estou vendo esses engravatados que não entendem nada de agricultura vir pregar conversa fiada aqui. Um dia desses, estava falando com uns companheiros meus - porque freqüento os acampamentos, tenho diálogo com o homem do campo - e prometi a eles que iria trabalhar nisso.

            Eu até pergunto: será que é cristão quem leva famílias pobres, famílias de baixa renda e as coloca no campo sem energia elétrica, sem água, sem transporte? Hoje, não existem mais internatos nas cidades. Esse pessoal que foi levado para o campo está quase todo condenado a deixarem seus filhos semi-analfabetos. É um problema extremamente complexo.

            Sr. Jefferson Péres - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. LÚDIO COELHO - Com muita honra, Senador Lúdio Coelho.

            O Sr. Jefferson Péres - Senador Lúdio Coelho, ouço com muita atenção o seu pronunciamento. A reforma agrária é uma arma de dois gumes; bem conduzida, é um excepcional fator de impulsionamento econômico. Assim ocorreu no Japão, na Coréia do Sul e em Taiwan, onde a reforma agrária foi muito bem conduzida e onde se criou uma estrutura agrária muito bem distribuída, com médias, pequenas e micro propriedades, com excelente sistema de apoio, que resultou na criação de um suporte para a industrialização que veio em seguida. Não é por acaso que esses países não apenas são campeões de crescimento econômico, como também têm excelente estrutura de distribuição de renda. Como sabemos, no Brasil, ao contrário, há desigualdade em tudo, inclusive na estrutura fundiária. Contudo, a reforma agrária é uma arma de dois gumes, porque é simplesmente um desastre se mal conduzida, mal implementada. Uma reforma agrária que consista apenas na pura e simples distribuição de terras pode resultar numa desorganização da produção rural; sem a criação de uma estrutura de apoio, os autênticos pequenos e médios produtores ficam desestimulados e geram-se apenas miseráveis supostos proprietários de terra. Isso ocorreu, por exemplo, na Bolívia. Em 1952, Paz Estenssoro fez uma revolução, nacionalizando as minas de estanho, e fez, ao mesmo tempo, uma violenta e radical reforma agrária, a distribuição de terras, sem um apoio de crédito, de assistência agrícola, de escoamento da produção. Simplesmente distribuiu-a para rurícolas extremamente despreparados para o seu desempenho. E dizem, Senador - faz parte do folclore boliviano -, que ele deu a cada um, além de um trato de terra, duas ou três reses, cabeças de gado que seriam o capital inicial para aquela gente; faz parte do folclore boliviano - repito - que, no dia em que ele fez essa distribuição, podiam-se ver do alto de La Paz, do qual se descortina grande parte do altiplano boliviano, centenas de pontos de luz. Eram os camponeses comemorando a reforma agrária com vastos churrascos. E assim transformaram os seus bens de capital em bens de consumo, e foi um desastre total a reforma agrária, uma frustração. De forma que a reforma agrária no Brasil é necessária, mas ela precisa ser muito bem e racionalmente conduzida. Muito obrigado pela sua atenção.

            O SR. LÚDIO COELHO - Agradeço o aparte de V. Exª. Penso que a reforma agrária é um desejo da Nação brasileira.

            O Sr. Iris Rezende - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Lúdio Coelho?

            O SR. LÚDIO COELHO - Ouço V. Exª com prazer, Senador Iris Rezende.

            O Sr. Iris Rezende - Senador Lúdio Coelho, a presença de V. Exª na tribuna, na tarde de hoje, expondo a preocupação daqueles que militam na vida campesina como proprietários, agricultores, lavradores, chama-nos a atenção, porque V. Exª conhece muito bem a vida rural. Ela nos desperta a atenção, porque V. Exª é um homem, posso testemunhar pelo nosso relacionamento como representantes de Estados vizinhos, que sempre se posiciona com muita seriedade em todos os seus empreendimentos. Quando assume uma posição, quer política, quer empresarial, o faz com muita responsabilidade. E é sabendo disso que também a palavra de V. Exª me chamou a atenção ao abordar aqui problemas existentes, hoje, no campo, quando dezenas, centenas de trabalhadores pelo Brasil afora, quando não invadem, preparam-se para ocupar propriedades ora produtivas, ora improdutivas, mas que têm os seus donos. Portanto, isso realmente nos preocupa. V. Exª, nesta Casa, é um dos Senadores que tem, realmente, qualificação para abordar esse tema; já senti, pelas suas primeiras palavras, que o faz com muita propriedade. Gostaria de congratular-me com V. Exª e acentuar que nós, na verdade, precisamos nos preocupar com o problema da terra neste País; temos de nos preocupar com a reforma agrária; este País precisa adotar um sistema agrário que realmente acolha aqueles que querem trabalhar a terra. Lamentavelmente, o País tem sido infeliz nessa área, porque normalmente são destacados para estudar e executar os planos de reforma agrária pessoas que não são do ramo, pessoas que, muitas vezes, conhecem os problemas teoricamente, mas não os conhecem na realidade. Estudam a reforma agrária de outros países, cujas realidades são totalmente diferentes da nossa. Por exemplo, a reforma agrária imposta pelos americanos, quando assumiram o comando do Japão, deu resultado, mas a realidade japonesa é uma e a nossa é outra. Somos um território de dimensão continental, mas, na verdade, temos que nos preocupar. Não é possível que, em um país de 8 milhões e 500 mil km2 e de apenas 150 milhões de pessoas, ainda existam trabalhadores percorrendo as ruas, muitas vezes até como massa de manobra, mas dentre eles aqueles que realmente querem trabalhar. No Brasil, não pode faltar terra para quem queira trabalhar. Precisamos entender que a reforma agrária não é coisa simples. V. Exª disse-o muito bem; o Senador Jefferson Péres interveio até com riqueza de detalhes. Não é simplesmente dar a terra, levar o homem à terra. Não faz muito tempo que 80% da população brasileira vivia na roça. Atualmente, a situação é inversa: 82% da população brasileira estão vivendo nas cidades, entupindo os grandes centros, inviabilizando a vida das pessoas. Se roça fosse algo bom, o agricultor não teria vindo da zona rural para as cidades, que não estão preparadas para recebê-lo. Agora, o que precisamos é estudar e fazer a reforma agrária com seriedade e competência, porque a primeira denominação que receberam os títulos dados pelo Governo em pagamento das terras foi "moeda podre", que não vale nada, não foi honrada. Quer dizer, aqueles que tiveram suas terras desapropriadas hoje estão na miséria, se porventura possuíam apenas esse bem. Então, louvo a atitude de V. Exª e congratulo-me com o seu posicionamento, nesta tarde, porque a reforma agrária precisa, na verdade, ser alvo de discussão e preocupação de todos nós, que temos nos ombros responsabilidades de coordenação da vida do nosso povo. Muito obrigado a V. Exª.

            O SR. LÚDIO COELHO - V. Exª conhece bastante o assunto, é homem do interior, também ligado ao campo. As observações feitas por V. Exª são muito corretas.

            Chego a perguntar-me onde está a nossa seriedade de querermos fazer algo tão importante para a Nação brasileira, como a reforma agrária, sem dotações orçamentárias adequadas. Um governo que se preza não tem o direito de emitir uma "moeda podre", que não vai honrar.

            Quero prestar um depoimento ao Senado da República: no ano passado, em Miranda desapropriaram as terras, de minha irmã, o que considerei correto. Na última campanha eleitoral, eu viajava por aquela localidade e fui procurado pelo Líder dos acampados que solicitaram o meu apoio. Disseram-me: -"Sr. Lúdio, a nossa salvação será o seu irmão, o Dr. Magno, que nos está atendendo, dando-nos vaca leiteira, arrumando a estrada. Colocaram-nos na Fazenda Sumatra e não nos deram assistência de ordem nenhuma."

            O Senado da República tem a responsabilidade de cuidar desse assunto, com seriedade, porque a primeira etapa desses assentamentos no sistema que estão fazendo deixam as pessoas despreparadas sem nenhuma assistência. Aqueles colonos matam todas as caças que, lá, existem como os tatus, as capivaras, as queixadas; vendem todas as madeiras de lei e uma grande parte delas é desperdiçada porque não há assistência.

            Assistimos, impassíveis, à implantação do Plano Real no nosso País. Asseguro à Nação brasileira que nesse um ano de Plano Real veio mais agricultor para a cidade do que durante dez anos. A área agrícola brasileira foi desapropriada. Derrubamos um veto do Presidente da República, no Congresso Nacional, e Sua Excelência não o aceitou. Disse que só era válido a partir daquela data em diante.

            Hoje, fez-se uma negociação da dívida agrícola, que está dependendo de uma medida provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Não sei quando vem, quando iremos votá-la. Esses agricultores inadimplentes não têm mais a mínima condição de plantar nesta safra. Não adianta colocar corretivo no solo, pois um dos princípios básicos da agricultura é que a plantação tem que ocorrer no tempo certo,. E os financiamentos devem ser suficientes. Se não se planta corretamente, não se tem êxito.

            O Sr. Iris Rezende - Senador Lúdio Coelho, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. LÚDIO COELHO - Ouço V. Exª, Senador Iris Rezende.

            O Sr. Iris Rezende - Peço escusas. Tenho a impressão de que estou tumultuando um pouco o discurso de V. Exª, mas o assunto é na verdade apaixonante. V. Exª acabou de fazer mais uma assertiva e, não pedisse o aparte, talvez passasse o momento. Apenas desejo reforçar a tese que V. Exª defende. O Governo do Presidente Fernando Henrique, ninguém pode negar, é um Governo bem intencionado, está procurando o acerto, está procurando servir a Nação com toda a sua força, com toda a sua inteligência. No corrente exercício, faz parte do plano do Governo Fernando Henrique assentar 40 mil famílias; no ano seguinte, um número maior e assim por diante. Todos nós louvamos a atitude do Presidente, e isso até nos traz tranqüilidade. Mas cometeu-se um erro na política agrícola do corrente ano, da presente safra, com a imposição de juros mais TR numa política econômica estável. Ninguém pode negar que se estabilizou. O agricultor que buscou nos bancos R$100,00, por exemplo, chegou ao final da safra devendo R$160,00 - juros e mais TR. Se ele plantou milho, levou prejuízo, porque no ano passado o milho alcançou R$6,00 o saco de 60kg e neste ano esse milho foi vendido a R$4,50. Então, o preço do produto baixou, acredito que pelo excesso de produção. E o seu débito mais que dobrou. Até estou inscrito para falar sobre as negociações - mas tenho a impressão de que não tenho mais condição de fazê-lo na tarde de hoje - justamente para corrigir uma injustiça que a imprensa cometeu, situando o resultado da negociação como que uma verdadeira negociata entre as Lideranças parlamentares agrícolas e o Governo - o que não é verdade. É isso que desejo trazer ao conhecimento desta Casa. Não houve negociata em troca de votos para as emendas que estão em apreciação. Longe disso! Foi uma negociação séria. Mas as negociações demoraram muito. Há quantos meses eu próprio, o Senador Jonas Pinheiro e outros Senadores, dezenas de Deputados estamos envolvidos nessas negociações! Foram um tanto demoradas. Nesse intervalo, vejam bem, mais de 60 mil lavradores neste País perderam suas propriedades, venderam-nas e estão se encaminhando para o entupimento ainda maior dos centros urbanos. Em outras palavras, vamos assentar 40 mil pessoas no campo e 60 deixaram o campo. Já podemos computar aí um saldo negativo de 20 mil agricultores. Essa é a nossa realidade. E não podemos nos conformar com ela. Temos que mudar. Mais uma vez, meus cumprimentos, Senador, pela preocupação de V. Exª. Enquanto existir um Parlamentar neste País preocupado com o problema, nem tudo está perdido, ainda temos condições de chegar ao final do túnel.

            O SR. LÚDIO COELHO - Muito obrigado.

            O Sr. Ademir Andrade - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. LÚDIO COELHO - Com prazer.

            O Sr. Ademir Andrade - Acho interessante quando tratamos da questão da reforma agrária. Parece que estamos pisando em ovos. As pessoas falam a favor da reforma agrária e ao mesmo tempo criticam as mínimas atitudes do Governo em relação a isso. O Senador Jefferson Péres fez uma crítica muito violenta. Refiro-me à história que o Senador contou ocorrida na Bolívia, de que o trabalhador comeu os bois que foram colocados como capital, como se o trabalhador fosse um irresponsável ou um inconseqüente. Na verdade, temos que compreender a dificuldade por que passa nosso País. Ocupamos 8.500.000km quadrados; somos uma Nação de pouca gente, uma Nação jovem, com apenas 150.000.000 de brasileiros. E, se formos comparar a nossa produção agrícola com a produção agrícola de outros países do mundo, poderemos verificar que a França, por exemplo, que é dezessete vezes menor do que o Brasil, duas vezes e meia menor do que o Estado do Pará, produz a mesma tonelagem de grãos que o Brasil produz quando o Brasil atinge o seu recorde. E por aí vai. Se observarmos a China, veremos que ela tem uma área agricultável menor do que a nossa; no entanto, tem uma produção agrícola com capacidade para atender 1,5 bilhão de habitantes e ainda exporta excedentes. Vamos ver que estamos muito atrasados nesse processo e vamos entender que a reforma agrária é uma necessidade. No entanto, temos que compreender também que a nossa classe política é extremamente conservadora nesse aspecto. Fui Constituinte nesta Casa. Quando se tratou do capítulo da reforma agrária, foi a única votação, entre as mais de duas mil votações que houve aqui, em que não faltou um único Parlamentar neste Congresso Nacional. Nenhum! Não se compara nem à do mandato do Presidente Sarney, a qual faltaram três Parlamentares. A única votação à qual não faltou ninguém foi a do capítulo da reforma agrária. Fala-se em reforma agrária há séculos neste País, mas a classe política não compreende a necessidade e a importância dessa reforma agrária. Ela é conservadora por excelência, e o Congresso Nacional acima de tudo, desde a Constituinte de 1946, passando pela de 1964 e depois pela de 1966. O Governo nunca conseguiu vencer a classe política, mesmo quando o Poder Executivo manifestava vontade. João Goulart caiu em 1964, porque pensou em fazer reforma agrária. E nunca conseguimos fazer nada para facilitar isso. O Governo nunca toma a iniciativa. As pessoas saíram do campo pela falta de condições; os meios de comunicação chegaram ao campo e mostraram a essas pessoas a possibilidade de uma vida melhor, vida essa que nunca lhes foi dada no campo - a oportunidade da escola, da educação dos filhos, do hospital, da assistência médica, ou seja, o que vêem na novela, no rádio e na televisão. Por isso, essas pessoas ficam desestimuladas e vão embora para a cidade. Há ainda a violência que existe contra elas em todo o campo, a concentração do capital etc. O Governo não faz nada. Na hora em que o movimento de trabalhadores sem-terra começa a agir e fazer com que o Governo se sensibilize com o problema, não podemos criticá-lo. Em absoluto! Temos que nos congratular com essas pessoas, colaborando e compreendendo suas necessidades. Se o Governo hoje toma qualquer iniciativa é mais pela ação desses trabalhadores sem-terra, pela ação da Igreja Católica, que fortalece essa luta e esse movimento, do que pela atitude do próprio Governo. Penso que devemos apresentar soluções para os problemas e não tecer críticas ao Governo, que agora conversa com os sem-terra, dá espaço para os sem-terra, começa a compreender a necessidade de respeitar essas pessoas e esses movimentos. Queremos que a reforma agrária seja feita e que seja dado o apoio para que as pessoas possam na terra produzir e permanecer. Acreditamos que a salvação deste País é a agricultura, mas não aquela centralizada, do latifúndio, mas a agricultura do trabalhador rural, que leve o homem de volta ao campo, que leve o conforto, para que ele possa lá viver e produzir. Não cabe, pois, nenhuma crítica à atitude atual do Governo de dialogar com essas pessoas e de procurar abrir espaço para essas pessoas. Ao contrário, penso que merece até elogios da nossa parte a atitude que está sendo tomada agora. Durante esta semana, o novo Presidente do INCRA está reunindo Estado por Estado, movimento por movimento, levantando os problemas da Nação como um todo, para a busca de soluções, que é dever nosso.

            O Brasil tem condições de produzir dez vezes mais do que produz, bastando para isso que proceda à reforma agrária e direcione investimentos para esse setor. Era o que gostaria de manifestar para fazer parte do pronunciamento de V. Exª.

            O SR. LÚDIO COELHO -  Muito obrigado pelo aparte de V. Exª.

            Não estou fazendo crítica ao Governo em conversar com os sem-terra, pois há um acampamento deles há doze quilômetros da minha casa, com quem muito converso.

            O que quero, Sr. Senador, é que estejamos atentos. O nosso desenvolvimento foi baseado na agricultura, no café, na cana-de-açúcar, na erva-mate, no cacau, na ipeca. Foi do campo que saíram os recursos para a industrialização brasileira.

            Não podemos desarrumar o que está pronto, como foi feito na Rússia. A reforma na Rússia, entre 1917 e 1920, transformou aquela nação no maior importador de alimentos do mundo durante meio século, perdurando essa situação até hoje. Os Estados Unidos vendem alimentos para aquele país em condições especiais, porque a grande arma do americano é a Rússia não produzir o necessário para comer.

            Nós produzimos o suficiente para comer e estamos sustentando o Plano Real. Esses frangos de R$0,90 o quilo são filhos de milho, de R$4,50. Nós da agricultura brasileira estamos sustentando o Plano Real, estamos empobrecendo, mas o estamos sustentando. O que o Senado da República, na minha avaliação, tem a responsabilidade de fazer é procurar uma saída para o impasse. Não podemos estimular a luta de classes. O que existe são trabalhadores sem emprego e não trabalhadores sem terra.

            Não tenho estatísticas, mas tenho a impressão de que talvez as terras do mundo inteiro não estejam nas mãos de mais do que 5% da população. Os Estados Unidos são o maior produtor de alimentos do mundo e têm 2,5% da sua população na área rural.

            Temos a responsabilidade de não deixar criar um clima de confronto entre o homem do campo e o trabalhador. Somos companheiros da mesma empreitada. Isso precisa ficar bem claro porque, ao se desapropriar terras inadequadas, que não têm nenhuma fertilidade, como estão desapropriando, para fazer a agricultura dentro dos meios usados hoje, faz-se com que, primeiro, as pessoas comam as caças, vendam a madeira e, depois, entrem em confronto com o proprietário porque terão que se alimentar. A esposa do Sr. Rainha disse que, se não houver o que comer, vai carnear boi.

            Não sei onde existe amparo legal para se invadir terra hoje. A Justiça retira, invadem amanhã novamente e não acontece nada. O Governador do Espírito Santo afirmou ontem que apóia as invasões. O que S. Exª deveria apoiar é buscar recursos e terras adequadas para fazer os assentamentos corretamente, sem demagogia. Não tenho medo de falar em reforma agrária, nem aqui e nem em lugar nenhum. O que não podemos é assistir a essa demagogia desenfreada, como se o dono da terra fosse um marginal.

            Até na Constituição a desapropriação da terra, através da reforma agrária, é para ser paga com título podre, com 20 anos de prazo. Entretanto, a classe política não teve coragem de propor a reforma urbana, porque, se o trabalhador tem direito a ter terra, a família tem direito a ter moradia. Aqui na porta do meu apartamento, na Super Quadra 209, há famílias dormindo ao léu. Falta apenas o PT propor a invasão dos apartamentos que têm quartos vazios para essas pessoas morarem. Ocorre que eles não têm coragem de enfrentar a área urbana, que tem mais força.

            Portanto, convoco os companheiros do Senado da República para, juntos, buscarmos um caminho para a Nação brasileira. Essa é nossa responsabilidade. Não podemos deixar que aconteça um conflito armado, pois toda pessoa tem o dever de defender o que é seu. Até os animais irracionais, quando estão comendo sua presa, tornam-se agressivos ao se sentirem ameaçados. O cidadão que não defende o que é seu não tem dignidade.

            O Sr. Iris Rezende - Disponho-me a fazer parte desse grupo.

            O SR. LÚDIO COELHO - Perfeito, Senador Iris Rezende.

            O Sr. Levy Dias - Senador Lúdio Coelho, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. LÚDIO COELHO - Ouço com prazer V. Exª.

            O Sr. Levy Dias - Senador Lúdio Coelho, estava presidindo a sessão e solicitei ao Senador Jefferson Péres que assumisse o meu lugar porque queria ter a honra de aparteá-lo. O que ouço é um discurso sereno, tranqüilo, seguro e de quem conhece o assunto. V. Exª é um agricultor que, há muitos anos, vem utilizando tecnologia de primeiro mundo, fazendo uma agricultura séria. Tenho dito nesta Casa, em outros pronunciamentos, que reforma agrária e latifúndio viraram chavão há algumas décadas, porque o assunto não foi tratado com a seriedade e com a responsabilidade que merece. O grande equívoco é muitas pessoas pensarem que reforma agrária é dar um pedaço de terra para uma família que não tem. Esse é o grande equívoco de quem batalha, como afirma V. Exª, atrás de uma política estabelecida pelos engravatados e em busca de distribuir terras. Reforma agrária não é um problema matemático, não é a questão de se constatar qual governo que deu mais. Infelizmente, é o que ocorre hoje. Discute-se que o governo tal assentou 20 mil famílias, outro, 100 mil. O que é assentar? Tem que se definir uma série de chavões estabelecidos ao longo das décadas. O que é um sem-terra? Para mim, é uma pessoa que trabalha na área da agricultura e conhece o problema da área rural, mas não tem condições de comprar um pedaço de terra para sustentar a sua família. Senador Lúdio Coelho, V. Exª colocou muito bem essa questão. No nosso Estado, há várias experiências. Deveríamos convidar a vir ao Senado Federal para conhecer o problema de perto uma caravana de pessoas que falam, no ar condicionado, sobre a reforma agrária. V. Exª ressaltou que, normalmente, num assentamento, são eliminados todos os animais silvestres, desde a lagartixa. E se os ecologistas visitarem um assentamento, eles perceberão isso. Ocorre que há, no nosso Estado, o maior exemplo de reforma agrária de que o nosso País - acredito eu - teve conhecimento, que foi a reforma agrária proposta pelo então Presidente Getúlio Vargas, que criou na região da grande Dourados a Colônia Federal de Dourados com cerca de 500 mil hectares de terras adequadas. V. Exª falou muito sobre a distribuição de terras inadequadas. Na região de Dourados há terras adequadas, terras de culturão, terras de perobal, e ali foram distribuídos lotes de 30ha a cada família. Foram dados insumos para o plantio e materiais de construção para o colono construir a sua casa. Quem vive hoje naquela região? Dos primeiros que receberam o seu título na Colônia Federal de Dourados apenas 5% vivem lá hoje, ou seja, 95% dos colonos venderam suas terras. Hoje, em assentamentos do nosso Estado - essas terras foram desapropriadas e dadas às pessoas há pouco mais de sete anos -, moram menos de 40% daqueles que receberam o seu pedaço de terra. Realmente conheço bem de perto o assunto, como conhece V. Exª. O problema não é dar um pedaço de terra apenas, o problema é o inverso: temos imensos vazios para serem ocupados. O Governo precisa estabelecer uma política não de doar terrenos, mas de dar condições de vida, garantias e segurança. Isso o Governo não tem condições de fazer. Senador Lúdio Coelho, creio que V. Exª assistiu, no domingo, a uma reportagem da Rede Globo, dentro do programa Globo Rural, sobre os nossos agricultores do sul do País, que estão atravessando o Rio Uruguai de barcas, com as suas máquinas, com os seus tratores, com as suas colheitadeiras, indo plantar na Argentina, onde um trator fabricado e vendido no Brasil é R$10 mil mais barato do que aqui. O arrendamento na Argentina é mais barato. O juro na Argentina é mais barato. Enquanto estamos falando aqui em dar terra para quem não tem, os homens mais preparados tecnologicamente para produzir no nosso País estão deixando-o. Fico feliz porque V. Exª fala com a independência que lhe caracterizou durante toda a sua vida. V. Exª fala com coragem e com desenvoltura e, como Senador do PSDB, peço - porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso não se encontrava no Brasil no domingo - que mostre aquela fita relativa ao programa Globo Rural, onde se vê os melhores produtores do Brasil deixando o País por falta de condições de aqui produzir. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento. Conheço-o há muitos anos, sei da sua seriedade, sei do seu trabalho, sei da maneira como V. Exª encara o problema e fico feliz, porque aborda o assunto com a independência e com o patriotismo que devem caracterizar um Senador da República. Peço desculpas por ter me alongado, mas alegro-me por ter participado do seu pronunciamento nesta tarde.

            O SR. LÚDIO COELHO - Muito obrigado, Senador Levy Dias. Incorporo o seu aparte ao meu pronunciamento.

            O Sr. Romeu Tuma - Senador Lúdio Coelho, permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. LÚDIO COELHO - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Romeu Tuma - Desculpe-me por interromper o importante discurso de V. Exª, mas percebi, antes que V. Exª ascendesse à tribuna, a sua angústia e a sua preocupação em expor este sério problema que, com tanta consistência, com tanta tranqüilidade, mas com o coração apertado, V. Exª expõe a esta Casa. Assisti ao programa a que fez menção o Senador Levy Dias e vi as queixas de agricultores que estavam sem meios para levar a cabo a preparação de suas safras. Eles diziam, com profunda amargura, que estavam perdendo tudo aquilo que seus pais haviam construído por falta de uma política agrícola do Governo. De repente vi ao lado do ilustre Senador alguns recortes de jornal. Uma das manchetes do Jornal do Brasil era a de que Dom Pedro Casaldaglia, Bispo do Araguaia, advertia sobre o risco de confrontos armados por causa das invasões e do desespero de proprietários, que sentiam como ameaça as invasões nas cercanias de suas fazendas. O Governo tem que estar alerta. E o discurso de V. Exª é preventivo, pois traz questões que demonstram que, talvez, dentro de poucos meses poderemos estar chorando por causa de outros confrontos como o que houve no Norte do País, com mortes inexplicáveis e desnecessárias. O Governo tem que tomar uma providência, tem que traçar a sua política e chamar aqueles que discutem o problema e que têm interesse na reforma agrária: os proprietários e os sem-terras, para que busquem uma solução para as suas vidas, para terem uma área onde plantar. Devem procurar, num tom harmonioso, uma política séria e com dotações orçamentárias, como exige V. Exª, chegando a uma solução pacífica, para que não haja mais confrontos. Hoje, este Senador que aparteia V. Exª para parabenizá-lo e trazer fatos que colaboram com a sua exposição, terá talvez que lamentar mais algumas mortes desnecessárias. Cumprimento V. Exª e assusto-me quando se fala na possibilidade de confrontos armados no campo, porque já tivemos muitas experiências e sabemos como começam e não podemos imaginar como terminam.

            O SR. LÚDIO COELHO - Senador Romeu Tuma, agradeço o aparte de V. Exª.

            Terminando, quero mais uma vez dizer que temos a responsabilidade de examinar o assunto e buscar novos rumos, não podemos permitir que isso chegue a um confronto, caminho que tem sido trilhado.

            Pergunto-me se, efetivamente, o Poder Público brasileiro deseja a reforma agrária. Não se pode fazê-la sem dotação orçamentária, emitindo-se "moeda podre" e depois colocando a culpa na terra, quando esta representa apenas 10% dos gastos.

            Toda a agricultura brasileira está praticamente à venda. O Governo pode estabelecer um programa e buscar propriedades para comprar em boas áreas.

            Alguém, recentemente, citou aqui os americanos na marcha para o oeste, tema dos filmes de faroeste. Queremos jogar as nossas famílias de baixa renda em zonas distantes, sem nenhum recurso, amparo, saúde, transporte, sem nada. Isso não me parece cristão, temos de colocá-las onde possam produzir. Para isso é necessário que assumamos as responsabilidades, busquemos os caminhos.

            Falei, ainda há pouco, em desapropriações de terras inadequadas. No meu Estado, desapropriaram 16 mil hectares nessa região tão comentada do carvão. Trata-se de uma terra péssima, que, na situação atual, não serve nem mesmo para plantar abacaxi ou mandioca. Irão assentar essas famílias com que objetivo? O que irão fazer? Temos essa responsabilidade de buscarmos um caminho embuídos de um espírito prático. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1995 - Página 1562