Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO CONTRARIA A PRIVATIZAÇÃO DO BANERJ E DA LIGHT.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • POSIÇÃO CONTRARIA A PRIVATIZAÇÃO DO BANERJ E DA LIGHT.
Aparteantes
Darcy Ribeiro, Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1995 - Página 1568
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, BANCO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO S/A (BANERJ), MOTIVO, IMPORTANCIA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APOIO, PEQUENA EMPRESA, PEQUENO AGRICULTOR, ANALISE, PROCESSO, AQUISIÇÃO, DIVIDA, BANCO ESTADUAL, RESPONSABILIDADE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT), IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, PROCESSO, AQUISIÇÃO, DIVIDA, RESPONSABILIDADE, PROGRAMA, ESTATIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PERIODO, DITADURA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, TRIBUNA DA IMPRENSA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, PRIVATIZAÇÃO.

            A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois problemas enfrentados pelo Estado do Rio de Janeiro trazem-me à Tribuna.

            O primeiro deles é a questão da privatização do BANERJ.

            Seria interessante se houvesse maior tempo para discorrer aqui a respeito da história recente daquela instituição, do quanto significa para o Estado e para a sociedade fluminenses, a razão pela qual se encontra sob intervenção e quem são os responsáveis.

            Sabemos que para avaliar melhor, com justiça, é importante conhecer a história do Banerj.

            A atuação do Banerj foi decisiva para a construção do Rio de Janeiro de hoje. Criou o primeiro cheque especial do País, foi um dos primeiros bancos a ser informatizados e a reconhecer, já nos idos da década de 60, a importância e o valor da mulher profissional, indicando a primeira mulher gerente de banco no Brasil. Era, então, uma instituição financeira sólida.

            Houve a fusão do Estado da Guanabara e do Rio de Janeiro. Então, teve início um período de crise. Porém, é necessário dizer que os maiores problemas surgidos naquele período foram conseqüências da política adotada pelo Governo Federal com relação àquela instituição.

            Temos que fazer justiça a esse esforço do Estado do Rio de Janeiro. A gravidade da situação financeira e administrativa do Banerj teve início, sem dúvida, a partir do fato de o Banco ter sido obrigado, em fins do Governo Chagas Freitas, a assumir o aval pela dívida do metrô do Rio de Janeiro, substituindo o Governo Federal, que era o mentor principal, estimulador e avalista.

            Hoje, fica fácil dizer: "Vamos privatizar". Obrigado a pagar uma dívida de US$130 milhões no exterior, o Banerj não possuía tais recursos.

            O Sr. Lúdio Coelho - Senadora Benedita da Silva, V. Exª me concede um aparte?

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª.

            O Sr. Lúdio Coelho - Senadora Benedita da Silva, mais uma vez justifica-se a privatização do Banerj. Se ele não fosse do Estado não seria obrigado a assumir uma conta da responsabilidade do Estado. O banco estatal é para isso. Estamos assistindo ao mesmo em São Paulo. O Banerj está à venda porque foi mal administrado como banco público. Banco particular não precisa assumir dívida de poder público. Eles não respeitam às leis. Ao banco é proibido, por instruções do Banco Central, emprestar dinheiro ao seu controlador. E, no entanto, assistimos ao Banco do Estado de São Paulo emprestar recursos ao Estado de São Paulo maiores que os orçamentos de quase todos os Estados do Brasil. Quero, portanto, felicitar o Governador do Estado do Rio de Janeiro pela sua intenção de privatizar o Banerj. Muito obrigado.

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, mas o nosso Governador está equivocado quando se apressa em privatizar um banco do qual ele tem total conhecimento e que chegou a administrar.

            É importante lembrar que à época do regime militar o Governo Federal empurrou os bancos estaduais, os bancos privados que quebravam, tentando evitar o "efeito cascata" da quebradeira. Mas comprometeu seriamente a estrutura bancária oficial.

            Nos últimos 25 anos, o Banerj foi obrigado a incorporar uma série de mais de 30 instituições financeiras privadas - é bom que se diga isto - falidas ou sob intervenção. Prestou um grande serviço público. Infelizmente, porém, acima das suas reais possibilidades.

            É importante dizer também que essa intervenção no Banerj tenha ocorrido pela falta de R$56 milhões. Uma dívida que não é daquela instituição, embora ela seja custodiante. É de pasmar, porque esse montante representa absolutamente nada, ou seja, menos de 10% do que o Banco Central, o Tesouro Nacional e o Estado do Rio de Janeiro devem ao Banerj.

            Mencionarei, a seguir, alguns dados:

            o Banco Central do Brasil deve ao Banerj R$200 milhões, correspondentes a custos financeiros, juros, multas e depósitos especiais remunerados;

            o Tesouro Nacional deve ao Banerj R$146 milhões, correspondentes ao FINSOCIAL, recolhido e julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 92, e mais R$160 milhões a título de financiamentos externos, concedidos a empresas estatais, Fundo de Compensação de Variação Salarial, FABRI e outros.

            O Estado do Rio de Janeiro deve ao Banerj R$590 milhões, relativos à dívida assumida do metrô, prestação de serviços e contratos com a antiga CEHAB.

            Ressalto que os valores aqui apresentados são os registrados em 31 de julho deste ano, apurados na CPI do Banerj, realizada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

            Portanto, quero parabenizar Mário Covas, que resiste à privatização do Banespa. Temos, no nosso Governador, Marcello Alencar, não só o apoio à privatização como a pressa em querer privatizá-lo.

            Como representante dos interesses do Estado do Rio de Janeiro, tenho que me posicionar contrariamente a essa decisão e dizer que estamos empenhados em ajudar o Governo do nosso Estado a fazer com que haja uma política de incentivo ao pequeno e ao médio empresário, ao pequeno e ao médio produtor. E o Banerj deverá ser o banco que financiará esses agricultores. Estamos querendo que o Banerj seja esse banco popular para aquela simples dona-de-casa, para que alguém que começou a sua pequena indústria de fundo de quintal possa encontrar um financiamento adequado. Quem é que faz isso? Qual é o banco privado que tem dado essa oportunidade?

            O Sr. Darcy Ribeiro - V. Exª concede-me um aparte?

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo um aparte a V. Exª.

            O Sr. Darcy Ribeiro - Sr. Presidente, pedi a palavra para dar total apoio às palavras da Senadora. O Rio de Janeiro, que ajudei a administrar, não pode ser administrado sem um banco seu, sem um banco oficial, sem um banco comprometido com a economia do Estado. Entregar a sua economia, uma das mais importantes do Brasil, a um banco privado, ao aventureirismo dos banqueiros privados é um completo absurdo. Um absurdo tanto maior porque a crise do Banerj deve-se tão somente a um ato político: o Governo Federal pressionou o Governador Chagas Freitas, nos últimos dias do seu governo, a absorver a dívida que ele havia feito internacionalmente para a construção do metrô. O Governo Federal, que ajudou a fazer todos os metrôs, jogou a dívida referente ao mesmo sobre o Banerj. Hoje, o banco tem dificuldades financeiras em função desse ato do Banco Central, dessa aquiescência admitida por um Governador que estava de saída. Na medida em que essa questão for examinada e que esse absurdo for erradicado, o Banerj sobreviverá para cumprir seu importantíssimo papel na administração do Rio de Janeiro. Até hoje, o Banerj representou papel muito positivo e pode continuar representando-o. O Rio de Janeiro, entregue aos banqueiros privados, só o será para ser espoliado. Muito obrigado, Senadora.

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Darcy Ribeiro, porque tenho certeza de que estaremos juntos enfrentando esse problema, até porque sabemos que ele é causado - como bem colocou V. Exª - muito mais pelo uso político do banco do que pela incompetência do seus funcionários. Ao contrário, sempre vimos esses funcionários apresentarem medidas saneadores para aquela instituição.

            Como representante, mais uma vez, do povo fluminense, afirmo que o que mais desejo é a manutenção do Banerj estadual, mas como um banco saneado, independente da ingerência direta dos governos e sobre o controle público.

            Outro assunto que me traz a esta Tribuna é também de grande relevância para o Estado do Rio de Janeiro. Trata-se da questão da Light. Sabemos que a Light está entre as 10 maiores empresas do País e que é a melhor em desempenho no setor, faturando mensalmente cerca de US$100 milhões. Em 1994, ela apresentou lucro líquido de R$122 milhões. Possui um patrimônio líquido superior ao permanente. Detém 47,5% do capital social da Eletropaulo, algo em torno de US$1 bilhão, estando desde 1981 sem pagamento. O não-pagamento da dívida da Eletropaulo prejudica, sem dúvida alguma, muito o nosso Estado, o Rio de Janeiro, pois esses recursos deixam de ser usados no aprimoramento do sistema da Light. Mesmo assim, esta foi reconhecida em 1995 pelo povo fluminense como a melhor empresa prestadora de serviços públicos do Rio de Janeiro.

            Como podemos, então, aceitar a privatização da Light?

            Retomando o seu histórico, também com o intuito de subsidiar os nobres pares, no início dos anos 60, o grupo estrangeiro Light deixou de investir na expansão de seu parque gerador obrigando a população a conviver com racionamentos freqüentes de energia.

            Consta que nesse período a Light ajudou a construir um império: a BRASCAN. A remessa de lucros era feita pelo dólar oficial, quando o dólar valia, na realidade, pelo menos o dobro.

            No final dos anos 40, a partir de ameaça de crise no sistema de energia, a Light, empresa estrangeira, obteve empréstimos externos com aval do governo brasileiro. Só que o tal empréstimo, na verdade, foi para sua matriz - a BRASCAN, ou seja, uma empresa estrangeira obteve empréstimos, com aval do governo brasileiro, com juros de 4,5% a.a. e emprestou esse mesmo dinheiro às suas subsidiárias brasileiras a juros de 8% ao ano. É de pasmar! Além de dar a concessão a uma empresa estrangeira, o Governo forneceu meios financeiros para sua operação.

            O Sr. Darcy Ribeiro - V. Exª me permite um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Pois não, nobre Senador Darcy Ribeiro.

            O Sr. Darcy Ribeiro - Srª Senadora, peço perdão por interromper seu discurso mais uma vez. Trata-se entretanto de um problema fundamental do Rio de Janeiro, problema pouco conhecido porque ocorreu há muito tempo. Há décadas, a Light só fazia investimentos no Brasil quando o Governo tomava dinheiro emprestado para ela. Empreendimento principal ao desenvolvimento da região, a Light, tendo o prazo de ser entregue de volta ao Poder Público, porque ia cumprir o prazo legal de 99 anos, pouco antes de entregar seu patrimônio ao serviço público, cometeu a negociata de uma venda escandalosa por US$900 milhões que o governo ditatorial pagou por ela, fazendo uma desapropriação absurda porque era a desapropriação de um bem que já ia cair em mãos do Estado. Foi uma negociata das mais vergonhosas. Agora, o assunto volta na onda de tecnocratas bisonhos, que são conselheiros deste Governo, que nunca fizeram nada na vida mas que estão na moda. A doutrina que se prega hoje é das privatizações, mas a privatização da Light é uma idéia completamente louca pois o governo a tomou da antiga empresa canadense, renovou-a, ampliou-a e possibilitou que ela atendesse ao crescimento do Rio de Janeiro. Essa empresa sofreu apenas um prejuízo terrível: todas as outras Light´s desapropriadas foram entregues aos Estados; a do Rio de Janeiro ficou nas mãos do Governo Federal. Em função disso, o Governo usava os recursos da Light para atender a outras empresas, inclusive para atender ao sistema elétrico de São Paulo. Criou-se, assim, uma situação muito difícil, mas que a Light está enfrentando muito bem, apesar de ter emprestado centenas de milhões de dólares ao sistema elétrico de São Paulo. Agora, os novos tecnocratas, os tecnocratas bisonhos que nada fizeram, querem de novo entregar aos banqueiros privados, entregar às empresas privadas aquela empresa bem sucedida. Essa é uma vergonha do tamanho da vergonha de querer desapropriar e privatizar a Vale do Rio Doce, precisamente porque é exitosa, precisamente porque é lucrativa.

            A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço mais uma vez o excelente aparte de V. Exª, que encurta meu discurso e, ao mesmo tempo, engrandece esta minha intervenção, porque tenho aqui apenas que ressaltar que a Light foi responsável pela eletrificação das favelas do Rio, atingindo uma população carente de 330 mil pessoas, além de ter realizado uma extensão considerável da rede rural. Além disso, muitos desconhecem o fato de que a Light é responsável por grande parte do abastecimento de água da Cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense, pois 90% da água é decantada nos seus reservatórios antes de passar para o Complexo do Guandu. Na área dos reservatórios ela desenvolve um programa de reflorestamento, preservado como reserva ecológica.

            Srs Parlamentares, preocupa-nos o método previsto para a privatização da Light, via fluxo de caixa, já que esse processo resulta em "subavaliação". Ele não foi usado pelo governo ao comprá-la, em 1978.

            Portanto, preocupa-nos o critério de avaliação patrimonial que não se sustenta se comparado com os procedimentos de outros países da América Latina.

            Preocupa-nos, enfim, a desestatização ainda não ter logrado êxito. De 1991 a 1993 foram vendidas 24 empresas estatais que renderam aproximadamente US$7 bilhões, recursos esses que não foram suficientes sequer para abater a dívida que rola a curto prazo, com taxas de juros reais de 25% ao ano, as mais elevadas do mundo. O governo só recebeu moedas podres. A entrada de dinheiro vivo não passou de US$18 milhões, valor insuficiente para pagar serviço das consultorias que avaliaram as empresas a serem vendidas.

            Srs. Senadores, uma empresa de energia elétrica e um banco estadual, num país de grandes desajustes como o nosso, são decisivos para a definição de políticas de incentivo ao desenvolvimento de Estados e municípios bem como para a definição de qualquer política pública.

            Mas, agora parece que é moda pegar o nosso patrimônio e entregá-lo. Quero que seja publicada uma matéria que tive a oportunidade de ler na Tribuna da Imprensa, cujo título é o seguinte: "Além de doarmos as riquezas e o patrimônio, ainda aumentamos loucamente a dívida interna e externa."

            Há uma parte que fala exatamente o seguinte:

            "Toda a indústria de base é estrangeira.

            Quase todos os frigoríficos são estrangeiros.

            Toda a indústria automobilística é estrangeira.

            Quase toda a indústria de alimentação é estrangeira.

            Quase toda a distribuição de petróleo é estrangeira.

            Quase toda a indústria de tecidos é estrangeira.

            Quase toda a comercialização de produtos nacionais (café, cacau, algodão, açúcar, soja, etc) é estrangeira.

            Isso é um verdadeiro crime.

            Quase toda a máquina de promoção e propaganda é estrangeira.

            Quase toda a produção e, principalmente, a distribuição de energia é estrangeira.

            Quase toda a indústria de refrigerantes é estrangeira.

            Quase toda a indústria de tratores é estrangeira.

            Quase toda a indústria naval é estrangeira.

            Quase toda a indústria de aproveitamento de derivados de petróleo é estrangeira.

            Quase toda a riquíssima extração, exploração e exportação de minérios é estrangeira. Destacam-se manganês e cassiterita que dão lucros fantásticos a grupos estrangeiros."

            Não queremos isso. Queremos fazer, com consciência, as mudanças e as reformas necessárias, mas queremos garantir esse patrimônio, que se constitui não em moedas podres, mas em moedas fortes, vivas, reais, para que possamos abastecer o mercado interno para suprir a necessidade social por que passa o nosso País.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1995 - Página 1568