Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS ESTADOS COM A UNIÃO, COMO FORMA DE SANEAR SUAS ECONOMIAS.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • NECESSIDADE DE RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS ESTADOS COM A UNIÃO, COMO FORMA DE SANEAR SUAS ECONOMIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1995 - Página 1588
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, ESTADOS, FEDERAÇÃO, MOTIVO, SANEAMENTO, ECONOMIA, IMPOSSIBILIDADE, PAGAMENTO, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO, INVESTIMENTO, OBRA PUBLICA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, PROCESSO, PAGAMENTO, DIVIDA, ESTADOS, REFORÇO, FEDERAÇÃO, PAIS.

            O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o endividamento público dos Estados estremece as bases da Federação ao submeter o relacionamento entre eles e a União a tensões insuportáveis. Estamos diante de um problema que, por sua dimensão, desloca para o Senado foco da atenção geral do País.

            Na qualidade de órgão superior de representação dos Estados e do Distrito Federal, a Câmara Alta está acolhendo sucessivos apelos dos governos estaduais em sua desesperada busca de solução para a crise financeira que os atormenta. E, naturalmente, o Senado Federal procura cumprir o dever que lhe impõe a Constituição quando transforma esses apelos em causa própria e se decide a lutar em favor do grande pleito dos Estados.

            Prova mais recente disso foi a reunião com 15 governadores estaduais, promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, no último dia 17 de outubro. A audiência pública contou com a presença do nosso nobre colega, senador CARLOS BEZERRA, relator do conjunto de propostas tendentes a reduzir o limite de 11% de comprometimento da receita líquida dos Estados como pagamento de suas dívidas, e também do Dr. MURILO PORTUGAL, Secretário do Tesouro Nacional.

            A moldura legal da presente crise, Srªs e Srs. Senadores, é a Lei nº 8.727, de 05 de novembro de 1993, a qual impôs uma política de reescalonamento das dívidas internas dos Estados. Desde então, essa política, que vem sendo escrupulosamente cumprida pelo Banco Central, provou-se draconiana à luz da precipitação da conjuntura de insolvência financeira que, sem fazer distinções regionais, passou a vitimar todos os Estados de Norte a Sul do País!

            Embora a princípio programada para estabelecer diretrizes básicas, a Lei 8.727 acabou por se converter em uma camisa de força contra a qual os homens públicos de bom senso deste País advogam maior flexibilidade.

            Há pouco fiz referência sumária ao Projeto de Lei nº 120, relatado pelo Senador e ex-Governador de Mato Grosso, CARLOS BEZERRA. De autoria dos nobres Senadores paraibanos HUMBERTO LUCENA, RONALDO CUNHA LIMA e NEY SUASSUNA, a proposição prevê alterações essenciais no entendimento do problema dentro da circunstância pré-falimentar amargada pela Federação brasileira.

            Ao encontro dessa nova perspectiva, o Projeto nº 120 simplesmente resgata certa ponderabilidade da lei sobre a necessidade de se adequar com equilíbrio a regularização das dívidas pendentes com as condições suportáveis de repasse dos Estados e Municípios.

            Dessa forma, Sr. Presidente, tenta-se evitar cair no abismo surdo em que a interpretação da lei teima por vezes em incidir, aqui no Brasil, ao se prender obstinadamente a aspectos formais e desconsiderar a realidade mutável à qual se acha subordinada. Quando a "lei da rolagem" foi aprovada, cerca de dois anos atrás, não foram poucas as vozes que antecipavam um futuro nada alvissareiro para os Estados mais endividados.

            E essa previsão se confirmou com mais veemência quando da aprovação da Resolução nº 11/94, que dispunha sobre a fixação do limite de 11% da receita líquida real dos Estados para efeito de comprometimento da receita com o pagamento das dívidas com a União. Bem acima, diga-se de passagem, do patamar de 7% indicado por estudos encomendados à época...Ora, esse dispositivo inviabilizou por completo qualquer programa estadual de saneamento financeiro equilibrado.

            Não fora isso suficiente, a Lei 8.727 ainda prevê que, dentro desse limite de 11% de comprometimento, não estão enquadradas as dívidas referentes a garantias da área habitacional e dos parcelamentos negociados junto ao INSS e ao FGTS, entidades públicas da administração federal indireta.

            Pois bem, Sr. Presidente, sem a inclusão desses valores no limite de comprometimento, vêem-se os Estados da Federação obrigados a atrelar um volume insuportável de suas receitas mensais ao pagamento da dívida com a União. Com efeito, longe de se restringir, ao patamar de 11%, já por si exagerado, os governadores mobilizam cerca de até 20% da arrecadação de seus impostos somados aos valores transferidos pela União para a quitação progressiva de seu endividamento.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

            Nem sempre os novos governadores encontram intérpretes isentos do drama que ora vivem. A folha de pessoal é apontada como causa dos desequilíbrios que fomentaram a expansão da dívida pública, relacionando-se o caos financeiro com o clientelismo e a inapetência para dispensar à coisa pública o cuidado merecido.

            Estamos diante de uma descrição parcial e inexata. Pois a análise correta da despesa com pessoal não pode deixar à margem o efeito da legislação sobre o custo progressivo do funcionalismo. As gratificações, os anuênios e os triênios produzem incremento automático da folha de pagamento. Há, portanto, certa dose de irrealismo na lei federal que limita a 60% os gastos dos Estados com pessoal. A legislação restritiva não considera o automatismo e vigora por força dos fatores acima aludidos.

            Informa-se que no Estado do Rio de Janeiro o crescimento mensal da folha é da ordem de 3%. No acumulado, isso resulta na expansão anual de 42%. Mesmo que o governo estadual não admita novos funcionários nem conceda aumento de vencimentos, a folha cresce, por inércia, numa escala que desafia o crescimento da receita total, inclusive transferências federais.

            Repetem-se os casos de crise financeira aguda no âmbito dos Estados e Municípios. Mas não somente nas unidades situadas em regiões de renda inferior à média nacional. Levando em conta as dificuldades atuais e as previstas para o próximo ano, o Governo do Estado de São Paulo prepara o seu orçamento de 1996 sem prever recursos para o pagamento de dívidas assumidas com empresas construtoras, nem as resultantes de sentenças judiciais e desapropriações.

            Essas dívidas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, representam cerca de R$ 4 bilhões. Mesmo sem considerar esse montante, o orçamento do governo paulista para o próximo ano ainda apresenta déficit. Expondo o aperto financeiro atual, disse o governador Mário Covas: "O orçamento está todo atrelado e praticamente não há de onde retirar dinheiro".

            A receita total do orçamento paulista estará repartida, em 1996, entre pessoal, vinculações de ICMS com as áreas de habitação, universidades, custeio de máquina administrativa, transferência de verbas obrigatórias para municípios e outros itens inapeláveis. Não estão previstos recursos para investimento, o que dá idéia da aflitiva situação que o governador Mário Covas tem enfrentado e enfrentará nos próximos exercícios.

            A dívida pública estadual e municipal de São Paulo chega a R$ 50 bilhões, o orçamento do Estado não comporta dotações para obras públicas e o Governo paulista ainda tem de fazer face a uma dívida monumental com o Banespa. Não pode o Senado ficar omisso diante de tão portentosa crise financeira, que se desenha como insuperável se os Estados não puderem contar com auxílio da União em escala que realmente contemple a gravidade da situação.

            Se voltarmos as vistas para Pernambuco, Estado que está longe de possuir infra-estrutura e indústrias semelhantes às de São Paulo, comprovaremos o caráter nacional da crise. A Secretaria de Fazenda estadual pernambucana prevê para setembro uma arrecadação da ordem de R$ 129 milhões, para fazer face a uma despesa de R$ 148 milhões.

            Em conseqüência das dificuldades financeiras existentes, o governador Miguel Arraes decretou moratória por tempo indeterminado. Foram suspensos os pagamentos a fornecedores e ao mesmo tempo bloqueadas as verbas destinadas a custeio e investimento em obras sociais e de infra-estrutura. Segundo explicou o Secretário de Fazenda, a decretação da moratória era a única medida capaz de evitar a suspensão do pagamento da folha de 35 mil funcionários públicos estaduais.

            O incremento inercial da despesa com o funcionalismo pode variar de ritmo, entre os diferentes Estados, porém nenhuma unidade da Federação escapa à uniformidade dos juros. Se estimarmos em 4% ao mês os juros da dívida pública pagos pelos governos estaduais, assistiremos à expansão de seu endividamento em cerca de 60% ao ano.

            A taxa de juros representa a grande bomba de sucção de recursos públicos nos Estados. Não é possível examinar com seriedade esse problema sem pensar nos danos que a falta de solução poderá impor à Federação.

            Representando a dívida pública dos Estados e Municípios R$ 100 bilhões, poderemos fazer avaliação desse pesado ônus financeiro se compararmos o seu valor com a dívida pública interna da União. Deverá esta atingir o montante de R$ 87 bilhões em 30 de setembro.

            Mas, enquanto a União pode rolar com facilidade a sua dívida, os Estados estarão sempre na dependência de aprovação de pedidos de rolagem submetidos ao Senado Federal. De vez que a União tem ao seu dispor a reserva cambial, o estoque de moeda estrangeira na verdade abate na mesma proporção a sua dívida pública interna.

            Vê-se, portanto, que o endividamento dos Estados constitui um ônus sem atenuante, e, além disso, é de valor que representa mais do dobro da dívida pública interna do Governo Federal. Se considerarmos a existência de reserva cambial da ordem de US$ 46 bilhões, a dívida pública interna da União representa 40% da que pesa sobre os Estados e Municípios. As duas situações não são comparáveis.

            E, como fica cada vez mais claro, é difícil crer que o problema será resolvido mediante a simples redução do percentual da receita estadual líquida, que se destina à amortização da dívida dos estados com a União. Pois essa fórmula subtrai recursos dos estados, porém não chega a reduzir o montante de sua dívida, a qual cresce em escala sempre mais alta.

            Sr. Presidente, para corrigir tamanha distorção e tamanha injustiça, o Projeto de Lei nº 120, estabelece uma nova redação para os contratos de refinanciamento da dívida com a União. Em síntese, objetiva ele assegurar que a totalidade dos dispêndios efetivos realizados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, em virtude dos compromissos financeiros assumidos junto à administração federal indireta e outros empréstimos contraídos até 30 de novembro de 1991, possa ficar contida no limite fixado pelo Senado Federal.

            Paralelamente, os três autores do Projeto 120 assinam o Projeto de Resolução nº 49, que objetiva complementar as deficiências identificadas na Resolução nº 11/94. Entre as modificações sugeridas, há a fixação do limite máximo de 9% para a amortização de dívidas enquadráveis na rolagem, além de prever a inclusão das prestações dos débitos com o INSS, o FGTS e a Caixa Econômica Federal. Mais ainda, propõe a exclusão do cálculo da receita líquida, dos valores com destinação específica, como sejam royalties, salário-educação, receitas patrimoniais e de convênios.

            Tal reivindicação, Srªs e Srs. Senadores, nada mais é do que mera manifestação de um reparo normativo que os processos de renegociação da dívida pública interna já deveriam ter incorporado desde as primeiras negociações em 1994.

            Entendo que, finalmente, começa a se verificar uma convergência de opiniões no tocante à utilização de todos os meios para ajudar os Estados na travessia dessa fase crítica. Honrado que fui pelo Senhor Presidente da República com um convite para um café da manhã no dia 18 de outubro último, dele ouvi firmes e inequívocas manifestações em favor de uma rápida solução para o impasse. O Professor FERNANDO HENRIQUE CARDOSO foi taxativo: "Jamais teremos uma União forte e estável com uma Federação desmantelada".

            De sua parte, o Senado Federal não deixará de fazer dos poderes constitucionais de que dispõe para reduzir ou eliminar ameaças aos fundamentos da Federação.

            Sim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o problema das dívidas estaduais terá de ser equacionado de forma justa e equilibrada, a partir de considerações que tornem a unidade nacional como bússola.

            Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1995 - Página 1588