Discurso no Senado Federal

PRISÃO DA ESPOSA DO LIDER DOS SEM-TERRA, NO INTERIOR DE SÃO PAULO. URGENCIA NA FORMULAÇÃO DE UMA POLITICA DE REFORMA AGRARIA. RETORNO DA PRATICA DOS CRIMES HEDIONDOS. COMENTARIOS SOBRE O ARTIGO DA REVISTA VEJA, DESTA SEMANA, ACERCA DA TORTURA NOS PROCEDIMENTOS POLICIAIS E DE INVESTIGAÇÃO.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • PRISÃO DA ESPOSA DO LIDER DOS SEM-TERRA, NO INTERIOR DE SÃO PAULO. URGENCIA NA FORMULAÇÃO DE UMA POLITICA DE REFORMA AGRARIA. RETORNO DA PRATICA DOS CRIMES HEDIONDOS. COMENTARIOS SOBRE O ARTIGO DA REVISTA VEJA, DESTA SEMANA, ACERCA DA TORTURA NOS PROCEDIMENTOS POLICIAIS E DE INVESTIGAÇÃO.
Aparteantes
Ademir Andrade, Eduardo Suplicy, José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/1995 - Página 2242
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CONDENAÇÃO, PRISÃO, LIDER, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, SEM-TERRA, MOTIVO, ATENÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, NECESSIDADE, POLITICA, REFORMA AGRARIA, GOVERNO FEDERAL.
  • CONDENAÇÃO, VIOLENCIA, DENUNCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • ANALISE, AUMENTO, CRIME, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), BRASIL.
  • CITAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, REDUÇÃO, CRIME, VIOLENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • DENUNCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, ATUAÇÃO, POLICIA, UTILIZAÇÃO, TORTURA, INVESTIGAÇÃO, CRIME.
  • CRITICA, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mesmo diante de um plenário esvaziado, mas com grande representatividade, faço questão de usar da palavra, na tarde de hoje, para debater assuntos de grande importância e que estão no dia-a-dia dos brasileiros preocupados com o futuro do nosso País.

            O primeiro deles é abordado com muita competência, em um depoimento emocionante, pelo Senador Eduardo Suplicy, que visitou na prisão Diolinda Alves, mulher do líder dos Sem-Terra, José Rainha, e de outros líderes do Movimento dos Sem-Terra, oportunidade em que S. Exª condenou essa atitude da polícia. O nobre Senador fez mais um apelo veemente - e que é também o nosso - às autoridades do Poder Executivo do nosso País quanto à necessidade de se realizar uma Reforma Agrária profunda, séria e competente.

            Tenho a certeza de que a indignação do Senador Eduardo Suplicy é também vivida por nós. E eu também não tenho nenhuma dúvida de que o Movimento dos Sem-Terra contribui, sim, para que o Governo possa repensar a sua prática, a sua estratégia, a sua política de Reforma Agrária em nosso País. Por isso, fica a nossa solidariedade e o nosso apoio ao eminente Senador e àqueles que hoje estão amargando a prisão.

            O tema que enfoco, neste momento, diz respeito à violência que assola o nosso País. Tenho a convicção de que nenhum de nós, pessoas humanas, possa ficar impassível, abster-se, omitir-se, deixar de se indignar diante dos níveis de violência que tomaram conta do nosso País.

            O povo brasileiro vive momentos de angústia, perplexidade e profunda consternação diante das proporções alcançadas pelo crime organizado e também pelos atos de tortura que continuam sendo praticados em nossa Nação. Esse tema, aliás, foi abordado, ontem, pelos Senadores Ramez Tebet, Valmir Campelo, José Eduardo Dutra e Geraldo Melo.

            Quero dizer, ainda nas preliminares, que, como qualquer pessoa de bem, esses fatos nos provocam grande repulsa, grande repugnação. Tanto a prática dos crimes hediondos que têm acontecido freqüentemente - os seqüestros voltam à ordem do dia no Rio de Janeiro -, como também as denúncias de tortura apresentadas pela Veja desta semana, que traz no seu interior reportagem intitulada "O Poder da Pauleira e do Choque" que mostra praticamente a falência do nosso sistema de segurança, a falência dos métodos científicos de investigação, dos métodos policiais. Logicamente, um segmento da Polícia Civil retorna às torturas, e a Veja apresenta depoimentos surpreendentes e emocionantes, de pessoas, muitas delas inocentes, vítimas de tortura praticada pela Polícia Civil e pela Polícia Federal.

            Também não são de menores proporções os crimes praticados pelos delinqüentes que comandam o crime organizado no nosso País, como os seqüestros com violência, estupros e um sem-número de casos explícitos de violência praticados no dia-a-dia. Será que dentro da nossa religiosidade temos que aceitar que esses crimes sejam combatidos ou investigados por meio da tortura? Acredito que devemos condenar ambos.

            A nossa polícia tem que ser melhor preparada, melhor equipada, precisa ser modernizada - palavra inclusive muito utilizada pelo nosso Presidente da República. Deve-se aperfeiçoar os seus métodos de investigação, utilizando, preferencialmente, os métodos científicos, abandonando essa prática abominável da tortura. E o nosso sistema de segurança pública, como um todo, também precisa ser aprimorado no sentido de que se possa combater o crime organizado e excluir do nosso dia-a-dia, ou, pelo menos, minimizar a prática de crimes absurdos que não podemos aceitar dentro da nossa natureza de seres humanos.

            A imprensa nacional tem discutido esses temas com ênfase. O Jornal do Brasil de ontem traz, na coluna "Coisas da Política", uma reportagem intitulada "Já não há Brizola para levar a culpa", assinada por Marceu Vieira, que mostra toda aquela armação feita durante a campanha política do ano passado, para tentar levar a população a aceitar a tese de que o Governo do Dr. Leonel Brizola, Presidente do PDT, era o responsável exclusivo pela onda de violência que a imprensa fazia questão de expor a nós, cidadãos brasileiros.

            Hoje, diante de um novo Governo, os crimes continuam a sua escalada, mostrando que a atuação das Forças Armadas foi insuficiente para coibir a ação dos grupos organizados de delinqüentes e também que não era apenas a política do Governo que fazia com que o crime no Rio de Janeiro se tornasse cada vez mais grave, transformando-se num caso sem controle.

            Não queremos culpar o Dr. Marcello Alencar, atual Governador daquela cidade, por esses atos de violência que voltaram à ordem do dia da imprensa nacional. Atribuímos isso a um conjunto de fatores, incluindo o despreparo dos nossos meios de segurança, a falta de condições para nossa Polícia e, creio, até a falta de uma ação mais determinada tanto do Governo Federal quanto dos Governos Estaduais com o intuito de coibir a exacerbação desses crimes.

            Uma outra reportagem, ao contrário, mostra que em Nova Iorque a Segurança Pública tem conseguido resultados satisfatórios com ações que parecem simples mas que, na prática, estão surtindo um efeito bastante significativo.

            Em dois anos, o número de crimes violentos em Nova Iorque caiu 40%. A reportagem intitulada "Policiais brasileiros se espantam em Nova Iorque" está na Folha de S.Paulo do dia 29. Utilizam-se de métodos simples. As denúncias comprovadas merecem uma determinada recompensa de um fundo que foi criado com a contribuição de empresários, pessoas de bem. Cada denúncia, mesmo anônima, quando comprovada, é recompensada com determinado valor em dinheiro de, no mínimo, US$ 1.000.

            Lembra, por exemplo, o assassinato da brasileira Maria Isabel Monteiro, encontrada morta no Central Park. Quem oferecer uma pista razoável, satisfatória receberá de recompensa US$63.000.

            Cita outros exemplos, como o combate aos pequenos crimes cometidos por grafiteiros, bêbados, motoqueiros. Prova que essa ação ajuda a combater a delinqüência, porque diminui a sensação de abandono da cidade e, portanto, reduz a sensação de impunidade.

            É lógico que só esses fatores não são suficientes. A polícia de Nova Iorque aumentou o número de policiais nas ruas da cidade, equipou-os melhor e modernizou os métodos de investigação.

            Então, acredito que seja plenamente possível que aqui também possamos, em futuro próximo, deixar de conviver com esses índices absurdos de crimes hediondos e de violências de qualquer espécie.

            O Sr. Ademir Andrade - Senador Sebastião Rocha, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço V. Exª, Senador Ademir Andrade.

            O Sr. Ademir Andrade - Gostaria, nobre Senador Sebastião Rocha, de fazer um paralelo entre a prisão das lideranças dos Sem-Terra, hoje, em São Paulo, que proporcionou o discurso emocionado do nosso colega Eduardo Suplicy, para dizer que as coisas que acontecem no País só vão ser corrigidas no momento em que forem alcançadas vitórias como as deles. Num País com tanta desigualdade social, às vezes as pessoas não se conformam em trabalhar, sacrificar-se, dar tudo de si para muito mal conseguirem alimentar-se. O que ganha um servente de pedreiro na construção civil, um catador de lixo no Rio de Janeiro ou em qualquer cidade deste País? O cidadão faz um sacrifício enorme e, no fim do mês, recebe um dinheiro que não dá para absolutamente nada. Quem assiste à televisão e vê o luxo, o conforto e as viagens apresentadas nas novelas acaba por se revoltar, por ficar inconformado. É isto que leva as pessoas ao procedimento ruim: o desejo de uma vida melhor. A sociedade é muito culpada por grande parte dos cidadãos optarem pela marginalidade. Somos culpados por isso. E só vamos mudar essa situação no momento em que as pessoas tiverem chance de ter uma vida digna, não precisando ir para a marginalidade. Isso só poderá acontecer no momento em que trabalhadores rurais sem terra forem vitoriosos, passarem a ser considerados os mocinhos e não os bandidos. Pessoas hoje que lutam por justiça, por igualdade social, pelo direito do irmão, do companheiro, do sócio, são tratadas como marginais e colocadas na cadeia, como está fazendo o atual Governo, pressionado pelos grandes produtores rurais do Brasil. Para dar uma "satisfação", manda essas lideranças para a cadeia. Todos sabem que isso não adiantará nada. Essas lideranças, logo, logo, estarão soltas novamente e, mais uma vez, tentarão ocupar terras, porque querem justiça. Evidentemente, contarão com o apoio de todos aqueles que têm sensibilidade para esse problema. Pelo menos tenho certeza de que contarão com todos que integram o Partido Socialista Brasileiro, como contam com o PT e o PDT. Todas as pessoas que têm o mínimo de sensibilidade precisam apoiar os trabalhadores rurais sem terra. Eles ocupam a terra porque o Governo não lhes dá oportunidade. Gostaria de congratular-me com seu pronunciamento, mas dizer que a violência, a marginalidade e o banditismo só vão acabar quando a sociedade mudar. E, infelizmente, isso só acontecerá quando o povo trabalhador, que vem lá de baixo, conseguir obrigar os que estão aqui em cima a compreenderem a necessidade de mudança, quando alcançarem a vitória. E nós estamos aqui, como poucos, para ajudar na vitória dos trabalhadores rurais sem terra deste País, dos trabalhadores que fazem greve para melhorar seus salários, dos funcionários públicos que lutam por uma melhor condição de vida. A partir daí podemos pensar em ter esperança de um Brasil melhor. Era essa a contribuição que gostaria de dar a V. Exª.

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço-lhe o aparte, que engrandece o meu pronunciamento. Gostaria de referir-me à sua exposição sobre a miséria, a pobreza como fonte da violência que grassa hoje no nosso País.

            A reportagem da Folha de S.Paulo, citada há pouco por mim, com relação a Nova Iorque, mostra exatamente que esse aspecto, apesar de importante, não é o fundamental. A reportagem, por exemplo, diz: "Nós passamos a vida ouvindo que a criminalidade era provocada pela miséria e pouco podíamos fazer. Estávamos errados" - analisa o Tenente Coronel Jorge Luiz Marino, do Gabinete do Secretário de Segurança de São Paulo, que visitou Nova Iorque.

            Em Nova Iorque, também, embora aumente a pobreza e as ruas tenham cada vez mais mendigos, a criminalidade reduz-se vertiginosamente. Então, embora eu entenda o Senador Ademir Andrade e concorde com S. Exª que esses fatos realmente contribuem para a violência e a estimulam, penso que falta a presença do Estado, melhor organizado, melhor aparelhado, mais modernizado no combate a esses crimes.

            Daqui a pouco, ao tratar sobre tortura, vamos conhecer os métodos de investigação tradicionais da nossa polícia, que são também utilizados pelos países mais desenvolvidos do mundo.

            A reportagem veiculada pela revista Veja sobre o assunto consterna a todos nós que defendemos os direitos humanos, inclusive para os delinqüentes, embora esse não seja o pensamento de muitos. Entendo que o correto, o sensato é condenar os crimes hediondos; portanto, não podemos deixar de condenar a tortura, que se inclui entre esses.

            O Sr. José Fogaça - V. Exª me concede um aparte?

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Concedo o aparte ao nobre Senador José Fogaça.

            O Sr. José Fogaça - Senador Sebastião Rocha, apenas queria lembrar, na direção do pronunciamento de V. Exª, que nós, do Congresso Nacional, também temos um certo nível de responsabilidade por omissão, pois há uma legislação proposta pelo Ministro Nelson Jobim extremamente moderna e eficaz, uma legislação anti-seqüestro, que instrumentaliza a polícia com métodos, normas e formas regulamentares de procedimento que agilizam a ação anti-seqüestro, que dão muito mais proficiência ao trabalho policial sem necessidade de recorrer à violência, à baixeza humana, à degradação da tortura. No entanto, o projeto está dormindo na Câmara, inexplicavelmente, há tanto tempo. Não vemos o debate emergir, não vemos uma atitude de urgência, de insistência mais madura, mais conseqüente em relação a isso. Fico feliz de ouvir o pronunciamento de V. Exª solicitando que seja dispensada uma grande atenção em relação a esses problemas. O Congresso não pode prender criminosos, não pode tornar a polícia mais competente, mas pode cumprir sua parte, que é votar uma legislação mais eficaz. Agora não estamos cumprindo como devemos essa parte. Gostaria apenas de fazer este registro, já que me pareceu muito importante o conteúdo do pronunciamento de V. Exª.

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador José Fogaça.

            Ainda hoje, pela manhã, li acerca do projeto defendido pelo Ministro da Justiça, Nelson Jobim, que contém propostas que podem muito bem satisfazer nosso anseio de ver a delinqüência combatida com competência e com rigor no País.

            Existe também na Câmara um projeto que propõe a reforma do Código Penal. Opiniões de especialistas no assunto levam-nos a crer que essa proposta seja um retrocesso. Há, inclusive, uma preocupação muito grande nesse sentido.

            Na abertura do II Congresso de Criminalística, aqui em Brasília, no último domingo, ouvi a palestra de um Procurador, que hoje está no exterior, que nos alertava sobre o perigo de o Brasil deixar de ser apenas o país da impunidade e passar a ser o império da impunidade, se esse projeto de reforma do Código Penal, que está tramitando na Câmara dos Deputados, for aprovado.

            Acredito, contudo, que a proposta do Ministro Nelson Jobim trata mais desses crimes a nível de seqüestro e outros crimes violentos; creio que vai ajudar, e muito, a combater a criminalidade no nosso País.

            Voltando à questão da tortura, passo a ler texto do meu discurso:

            O conhecimento tácito das mazelas de nossa sociedade muitas vezes não nos desperta a indignação e a repulsa que nos é provocada pela apresentação jornalística do óbvio. Refiro-me à chocante reportagem publicada na última edição da revista VEJA, de 1º de novembro de 1995, intitulada "O Poder da Pauleira e do Choque", que trata do mais corrente método de investigação policial no Brasil: a tortura.

            O envolvente artigo da revista VEJA assusta. Assusta por mostrar a vulnerabilidade do cidadão comum, perdido numa sociedade desordenada, sem o senso de justiça e a garantia dos mínimos direitos individuais. Por várias vezes, vi-me na situação dos personagens daquela matéria e sofri com os depoimentos aterradores, com suas dores, com seus desesperos e desesperanças.

            Quero aqui, mais uma vez, deixar claro que esse mesmo sentimento que temos contra os torturadores temos contra os seqüestradores e aqueles que praticam crimes de natureza hedionda, como estupro e vários outros.

            A sensação, após a leitura, é de se estar vivendo numa sociedade sem referência, sem princípios, sem a mais remota noção de justiça. Uma sociedade de pequenos e grandes delitos, uma sociedade que avança o sinal vermelho, que invade a faixa de pedestres, que anda na contramão em alta velocidade, mata e foge.

            A polícia, Srªs e Srs. Senadores, paga com os impostos do contribuinte e, com o suposto de dever de protegê-lo, comete, impunemente, atrocidades como a descrita pelo comerciante paulista Messias Francisco de Souza, que passo a narrar:

            "Uns vinte soldados entraram na minha casa, algemaram-me e começaram a me bater e chutar. Caí, pisaram no meu peito e quebraram um rodo e uma gaveta na minha cabeça. Enfiaram um pano na minha boca. Arrancaram o abajur e enrolaram as pontas descascadas nos dedinhos das minhas mãos. Um deles encostava os fios na tomada do chuveiro para me dar choques de uns 220 volts. Apanhei umas duas horas. Não consigo mais dormir nem comer direito. Minha mulher apanhou tanto que treme até agora."

            Até o momento, nenhuma culpa foi comprovada contra esse cidadão ou sua esposa.

            Ou o relato da cabeleireira Idelcy Pereira dos Santos, torturada na 13ª Delegacia do Distrito Federal, que também registro:

            "Os choques eram tão violentos que o corpo parecia decolar do chão. Amordaçada, eu não conseguia gritar. Fiquei pendurada por horas. Desmaiei várias vezes. Quando acordei, minhas roupas estavam sujas de sangue. A sala cheirava a urina. Eu tinha febre e vomitava. Nua, assumi a culpa. Eles me deram uma novalgina e foram embora."

            O texto da matéria é repleto de depoimentos dessa natureza. A prática da tortura, a truculência e a ineficiência têm sido marcantes na polícia brasileira, sucateada, sem equipamentos e pagando salários miseráveis e humilhantes para os policiais. A verdade, no entanto, é que a polícia e o crime são o retrato fiel da nossa sociedade, onde impera, cada vez mais, a lei da desigualdade e da exclusão social.

            O cidadão não se revolta quando vê um criminoso ser torturado. Aliás, muitas pessoas aprovaram, por exemplo, o massacre ocorrido na penitenciária de Carandiru, em São Paulo, onde muitos presos foram chacinados covardemente, sem que houvesse a punição dos culpados.

            "Será que a sociedade suporta uma polícia honesta e eficiente, que trate a todos da mesma maneira?"

            Questiona o artigo.

            "A classe média alta tolera a tortura e gosta da polícia do jeito que está, porque pode até pagar aos policiais para descobrir onde está seu automóvel, quem roubou sua casa."

            Essa é uma constatação, que, embora nos entristeça, é verdadeira.

            Também num artigo, a revista Carta Capital faz um oportuno diagnóstico do perfil da elite emergente brasileira, intitulado "Os malcriados", onde diz:

            "...O singular rico das trincheiras pode comprar o direito de passar por cima dos mais comezinhos princípios de relacionamento com o mundo, que quer distante - pode comprar o direito à grossura, enfim, ele não pede desculpas, licença, por favor; pergunta quanto custa."

            Inclusive, em relação ao aparte do nobre Senador Ademir Andrade, eu queria fazer referência exatamente à posição da elite frente a esse caso da organização do Movimento dos Sem-Terra. É lógico que esse tipo de movimento jamais terá o apoio da elite, que domina o nosso País e os meios de comunicação economicamente. Portanto, é claro que, para a elite, satisfazem atitudes como a da prisão da mulher do líder dos sem-terra, José Rainha. E, satisfazendo a elite, satisfaz também o Governo. Dessa forma, a sociedade toda se omite de discutir. E nós, Senadores, como bem disse o Senador José Fogaça, temos também a responsabilidade de discutir esses assuntos na Casa, de cobrar do Governo e das Lideranças deste Congresso Nacional que tragam matérias desta natureza para serem incluídas em Ordem do Dia. Não devemos apenas discutir reforma econômica ou demissão de servidores públicos, mas, sim, assuntos da importância deste tema, que hoje certamente preocupa todos nós brasileiros.

            *Este subproduto patético da desagregação dos valores fundamentais da cidadania nos obriga a refletir sobre o aparato policial obsoleto, sobre o sistema judiciário ineficiente, que trata de forma diferenciada os diversos segmentos sociais e, finalmente, sobre o sistema penitenciário, que produz verdadeiros monstros, inabilitando definitivamente qualquer ser humano para o convívio social. A mola mestra desse comportamento doentio da sociedade e das instituições brasileiras é a impunidade.

            Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era essa a minha participação na tarde de hoje.

            O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte, Senador Sebastião Rocha?

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Antes de encerrar, é com prazer que concedo o aparte ao eminente Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Sebastião Rocha, gostaria de cumprimentar V. Exª, que hoje traz ao Senado o tema do abuso extraordinário que caracteriza a ação de muitos dos responsáveis pela segurança pública, seja no âmbito da Polícia Federal, das polícias estaduais, militar ou civil. Esse abuso é cometido sobretudo contra a população excluída, população marginalizada, pois, se formos examinar a população típica do sistema penitenciário hoje no Brasil, veremos que 95% dos casos são de pessoas pertencentes às camadas de renda inferior, conforme censo recentemente divulgado sobre a população carcerária. A reportagem da Veja citada por V. Exª - ontem também referida pelo Senador José Eduardo Dutra - merece destaque pela coragem, pelo alerta que faz a todos os brasileiros. Não podemos admitir a tortura, os maus-tratos, a prática de se desvendar crimes dessa maneira. Esta prática condena a polícia; mostra, simplesmente, que ela não é eficaz, porque desvenda crimes cometendo outros, que a própria Constituição brasileira considera inafiançáveis. Policiais que agem assim não merecem ocupar os seus postos. É preciso que haja condenação firme de nossa parte. Tanto V. Exª quanto o Senador Ademir Andrade fizeram reflexões sobre a questão do grau de violência e roubo. Tenho a convicção, Senador Sebastião Rocha, de que, se conseguirmos diminuir o grau de disparidade de renda, de riqueza em nosso País, estaremos avançando muito na direção de diminuirmos também essa violência e esses roubos. Essa é uma lição antiga na História da humanidade. Não é à toa que, em 1516, São Thomas Morus escreveu, em Utopia, um diálogo entre um cardeal arcebispo e um outro personagem, em que dizia que a pena de morte não estava diminuindo o grau de roubos e de violência na sociedade. Expôs, por meio das palavras do viajante português, Rafael Hitlodeu, que, ao invés de infligir esses castigos horríveis, seria muito melhor prover todos de algum meio de sobrevivência, de tal maneira que ninguém estaria se submetendo à terrível necessidade de ser primeiro um ladrão e depois um cadáver. Senador Sebastião Rocha, é preciso que a forma com que as autoridades policiais tratam especialmente aqueles segmentos mais pobres de nossa população não venha a causar, inclusive, maior indignação. Veja V. Exª a foto de Deolinda Alves de Souza, que está hoje estampada na primeira página dos jornais. Tendo sido encontrada em sua residência, onde cuidava de seu filho de dois anos de idade, que estava adoentado, imediatamente aceitou acompanhar os policiais que foram levar o seu mandado de prisão. Chegando a Presidente Prudente, diante de toda a imprensa, sem que estivesse oferecendo resistência, foram-lhe colocadas algemas, como se se tratasse de uma pessoa que estivesse resistindo à prisão perante policiais fardados. Mas, de forma civilizada e respeitosa, ela aceitou acompanhá-los, já que estavam com um mandado de prisão. Porque não quiseram que ficasse em Presidente Prudente, levaram-na para Marília, onde o juiz simplesmente disse que não poderia ficar. Conduziram-na, então, para a penitenciária feminina de São Paulo. Ela relatou-me hoje de manhã que os policiais, no diálogo que travaram durante o trajeto, perceberam que tanto ela quanto o outro rapaz preso, Márcio Barreto, líder dos sem-terra, eram seres humanos comuns, lavradores da terra, que queriam somente trabalhar e, por essa razão, resolveram retirar as algemas e colocá-las no banco da frente como se eles fossem passageiros e respeitados cidadãos, jamais bandidos. Para que essa cena? E por que o Juiz e o Promotor resolveram agir como se esse caso necessitasse de sigilo? Diz a nota:"Para evitar confronto com os invasores". Na verdade, o processo sigiloso veio impedir que os advogados Aton Fon, Luiz Eduardo Greenhalgh e Jovelino pudessem ter acesso aos papéis para que, de pronto, entrassem com o pedido de habeas corpus junto a um Tribunal de Justiça; e até a manhã de hoje estavam com dificuldades. Espero que, a esta altura, já tenham conseguido e que a prisão desses trabalhadores sem-terra possa ser revogada. Essas pessoas deveriam merecer a ação rápida da Justiça, mas sabemos que, para elas, é muito demorada. Assim, cumprimento V. Exª pelo teor do pronunciamento que faz sobre a questão da violência, da necessidade de as autoridades responsáveis pela segurança em nosso País agirem com inteligência, mas sem abuso e, sobretudo, sem ofender os direitos à cidadania da população mais pobre.

            O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Senador Eduardo Suplicy, agradeço a V. Exª o aparte. Mais uma vez quero solidarizar-me com o discurso emocionante de V. Exª e também com os sem-terra. Reafirmo que a indignação de V. Exª é também minha e, acredito, de todas as pessoas de bem deste País.

            Não é de se estranhar que esta foto tenha sido forjada para satisfazer exatamente a elite dominante deste País, para mostrar que o Governo está coibindo as invasões de terra; mas, por outro lado, o Governo não dá um passo firme, seguro, na direção de assentar trabalhadores, desapropriar terras improdutivas e garantir realmente a pessoas que querem usufruir da terra para sua própria manutenção, sua própria sobrevivência, o direito à terra.

            Termino meu pronunciamento, Sr. Presidente, deixando claro que o meu discurso não é uma condenação à Polícia como instituição, mas um alerta com o intuito de demonstrar que há outros mecanismos possíveis de que a polícia brasileira pode se utilizar para combater a delinqüência, o crime organizado em nosso País. E mais uma vez reafirmo que a tortura não é um caso específico, um caso único em nosso País. Em muitos outros países também se pratica essa ação que deve ser condenada por todos nós. Quero, nesta oportunidade, pedir ao Governo brasileiro que tome providências com relação a essas questões.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/1995 - Página 2242