Discurso no Senado Federal

DECEPÇÃO COM O TEOR DA PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTARIA EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • DECEPÇÃO COM O TEOR DA PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTARIA EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Jader Barbalho.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/1995 - Página 2235
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA TRIBUTARIA.
  • CRITICA, CONCENTRAÇÃO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, REFORMA TRIBUTARIA.
  • SITUAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, INCIDENCIA, TRIBUTOS, TRABALHADOR, ASSALARIADO, EVASÃO FISCAL.
  • CRITICA, CRIAÇÃO, IMPOSTOS, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, INJUSTIÇA, SISTEMA, DISTRIBUIÇÃO, RECEITA TRIBUTARIA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL (DF), MUNICIPIOS.
  • ANALISE, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, REFORMA TRIBUTARIA.

            O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aguardada com muita expectativa, por sua notória importância, a proposta de reforma tributária veio ao Congresso apresentando poucas mudanças, do ponto de vista da abrangência do tema. Entretanto, com um teor suficientemente forte para demonstrar que a questão tributária será sempre um ponto de permanentes discordâncias entre as várias instâncias do poder público, e entre estas e os contribuintes, vale dizer, a sociedade.

            De qualquer modo, atingiu-se hoje no País quase um consenso de que é imperioso e urgente a reforma do sistema tributário nacional. Pois, afinal, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, suas distorções são gritantes, favorecendo a manutenção da inócua concentração de renda que caracteriza nossa estrutura sócio-econômica e que faz com que nossas atividades produtivas e o próprio desenvolvimento do País não tenham conseguido avançar tanto quanto possível e desejável, não se compreendendo, portanto, que, justamente no momento em que se desenvolve um processo de estabilização econômica, esse sistema continue a apresentar tais deficiências.

            A ninguém passa despercebido, por exemplo, que há hoje no País uma excessiva concentração da carga tributária. Nossa população economicamente ativa situa-se atualmente em torno de 65 milhões, e o número de contribuintes não atinge sequer 12% desse total (menos de 8 milhões). Das cerca de 3 milhões de empresas existentes no País, menos de 100 mil são responsáveis por 80% da arrecadação total do Imposto de Renda.

            Por seu turno, a sonegação e a evasão fiscais são reconhecidamente enormes e a falta de verdadeiras políticas agrícola, industrial, de comércio exterior e, especialmente, de desenvolvimento regional tornam confusos, complexos e, em certa medida, até injustificáveis algumas isenções, tratamentos preferenciais, subsídios e incentivos, destinados à implementação de investimentos setoriais e regionais. Tendo-se, ao mesmo tempo, uma base tributária estreita e gravada de modo injusto com alíquotas nominais muito elevadas.

            Particularmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos um elevado ônus tributário sobre os assalariados e o consumo, que se torna maior ainda pelo nível insuficiente de investimentos sociais do Estado em áreas prioritárias, o que determina que o trabalhador tenha de despender parte substancial do seu salário em transporte, educação e saúde.

            Reclama-se, com toda razão, da elevada participação de impostos e contribuições em cascata, como o PIS/PASEP, Cofins, o IOF e o ISS, e, agora, o denominado CMF (Contribuição sobre Movimentação Financeira), que reeditará o extinto IPMF, para atender às necessidades da área da Saúde, tendo esta, neste caso, uma forte justificação social. Mas todas sendo objetivamente capazes de estimular a inflação, por distorcerem a alocação de recursos da economia, ao incidirem sobre receitas, faturamento ou valor das transações, além de onerarem demasiadamente nossas exportações, bem como grande parte dos investimentos produtivos.

            Os impostos indiretos (IPI, ICMS, ISS etc.), por sua vez, representam cerca de 70% da arrecadação tributária global. Uma carga francamente extraordinária, se comparada com a média de 30% correspondente aos países industrializados. Tendo-se, assim, uma clara idéia da extrema regressividade de nosso sistema tributário, que perversamente faz com que os mais pobres paguem mais impostos dos que os ricos. Enfim, uma distribuição inconcebivelmente desigual da carga tributária.

            A maior prova disso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós temos no caso, por exemplo, do chamado Imposto sobre Grandes Fortunas, que foi incluído no elenco tributário da Constituição de 1988 pelo saudoso, então Deputado, Antônio Mariz, e depois teve a sua regulamentação estabelecida num projeto de lei complementar que, aprovado no Senado, dorme nas gavetas da Câmara dos Deputados, não tendo conseguido, inclusive, há poucos dias, o número necessário para que fosse apreciado naquela Casa em regime de urgência/urgentíssima. É imposto que procura gravar os grandes patrimônios, as grandes fortunas e que representa, sem dúvida nenhuma, uma situação de dificuldades financeira, como a que atravessa o País, um ganho para o Tesouro de cerca de 2 a 3 bilhões de reais, e assim mesmo não consegue ser aprovado pela Câmara dos Deputados, embora já o tenha sido pelo Senado Federal.

            Volto às minhas considerações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            No entanto, há outros tipos de distorções. A tributação das operações financeiras, por exemplo, gerando fortes movimentos defensivistas dos agentes econômicos do setor, com reflexos negativos na estrutura das taxas de juros, e no mercado de capitais, em que os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas têm sido muito mais fortemente tributados do que os rendimentos das aplicações financeiras; em média, 5% a mais, o que representa um lamentável equívoco quando se pratica no País o sistema capitalista.

            Logicamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa estrutura tributária ineficiente e enviesada encobre a crise das finanças do setor público em todos os seus níveis, fato que seguramente, ao contrário do desejo dos constituintes, se agravou após o Pacto Federativo, expresso na Constituição de 88. Esta expandiu o grau de vinculações das receitas do Orçamento da União a itens preestabelecidos de despesas, inclusive transferências federais a Estados e Municípios, que, de 33%, em 1987, passaram a ter uma participação na arrecadação do IPI e do Imposto de Renda de 57%, a partir de 1993, sem a correspondente participação nos encargos, que ficaram majoritariamente sob a responsabilidade da União.

            Essa situação, como é natural, tem servido de pretexto para que o Governo Federal venha constantemente procurando novas fontes de receita e/ou aumentando alíquotas de impostos e contribuições, reduzindo ainda mais a renda disponível dos contribuintes, sobretudo os assalariados, com o que se tem conseguido um virtual equilíbrio nas contas públicas, tendo a União apresentado superávit operacional e primário, em 1994, de, respectivamente, 1,2% e 2,6% do PIB. Um progresso eminentemente de ordem apenas contábil, vez que é notória a deterioração profunda da qualidade dos serviços públicos, particularmente nas áreas de Saúde, Educação, Segurança pública e das condições das rodovias e ferrovias mantidas pelo Estado.

            A reforma tributária, portanto, juntamente com as reformas previdenciária, administrativa e patrimonial, tornou-se fundamental para que o setor público venha a obter um equilíbrio orçamentário de longo prazo, estabelecendo-se um novo Pacto Federativo, com base em uma reconceituação do federalismo fiscal, que não deve significar perda de autonomia para qualquer das três esferas executivas e que seja embasada em uma estrutura fiscal-tributária simplificada, tanto em número de impostos, quanto na valoração da alíquota média, que deve ser menor incidente sobre uma base de tributação bem maior.

            Ademais, Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, faz-se necessária uma clara definição da renda, do consumo e da propriedade como fontes geradoras do novo sistema tributário, para que se determinem os impostos entre os níveis governamentais de arrecadação, sendo uma idéia digna de apreciação a de que os impostos sobre a renda fiquem na esfera federal; os impostos sob o consumo para os Estados e os impostos para propriedade para os Municípios, podendo-se, aí, incluir outras fontes geradoras, mas apenas como instrumento de regulação, como o imposto sobre exportações, importação, operações financeiras etc.

            Também me parece de grande importância que a reforma tributária deva ter, como princípio básico, o sentido de reduzir o excessivo poder que se facultou à União para criar novos impostos e contribuições, alterar alíquotas e instituir empréstimos compulsórios, não apenas pelo aspecto demeritório de, com isso, estabelecer perdas flagrantes para os demais níveis governamentais, mas também pelos aspectos macroeconômicos e sociais negativos que essa distorção acarreta.

            Entretanto, como discorrerei a seguir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a atual proposta de reforma tributária do Governo, não obstante alguns aspectos positivos, em termos essenciais, não contempla e mesmo fere grande parte dos elementos básicos de diagnóstico e das sugestões que acabo de fazer. Isso, apesar de a Exposição de Motivos Interministerial, que acompanha e justifica a proposta, ressaltar como objetivos fundamentais da reforma a simplificação dos sistemas, a facilitação do combate à sonegação, a diminuição do chamado "custo Brasil" e uma distribuição social mais justa da carga tributária.

            Vejamos, objetivamente, 10 pontos importantes da proposta:

            1 - Propõem-se mudanças no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transportes Intermunicipais, Interestaduais e de Comunicações, o ICMS, de caráter estadual, e no Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI, da esfera Federal.

            Essa mudança, realmente a mais importante, do ponto de vista da reestruturação do esquema de fiscalização, cobrança, arrecadação e distribuição tributária, conforme os arts. 10, 11 e 12 da proposta, à guisa de atendimento do item de simplificação, implica a extinção do IPI e sua absorção pelo ICMS. Ou seja, substitui-se aquele imposto por alíquota que irá incidir sobre a mesma base do ICMS estadual. E, dessa forma, haverá um único imposto a ser repartido pela União, Estados e Distrito Federal, a ser aplicado em moldes semelhantes aos do atual imposto estadual, se bem que, como é da pretensão do Governo, com normas legais mais simples e uniformes em todo o País.

            Através dessa modificação, a União não terá competência exclusiva sobre o novo imposto, na verdade. Os Estados e ela, por conta própria, administrarão, arrecadarão e fiscalizarão suas respectivas parcelas desse imposto. Haverá incidência de duas alíquotas - uma federal e outra estadual - sobre as operações internas, interestaduais e sobre importações. A importação de um produto terá a mesma tributação do seu similar nacional.

            As alíquotas, por sua vez, serão uniformes, por mercadoria ou serviço, em todo o território nacional, podendo ser distintas para diferentes mercadorias ou serviços. E haverá obrigatoriedade da seletividade para o novo ICMS, como reza a proposta, em função da essencialidade dos bens, o que determina uma redução da tributação sobre os bens componentes da cesta básica.

            O imposto passará a ser cobrado no destino da mercadoria, esperando o Governo, como essa mudança, reduzir substancialmente a sonegação, que, segundo seu entendimento, é estimulada pela diferença entre as alíquotas internas e interestaduais do ICMS. Ilustrativamente, qualquer produto terá alíquotas - estadual e federal - permanentemente iguais em todo o País, não importando, conforme a proposta, se a "saída" da mercadoria é para o Estado onde está localizado o contribuinte que a realiza ou para outro Estado.

            Outra modificação importante diz respeito à determinação do Estado para o qual deve ser destinada (e em que proporção) a arrecadação do ICMS incidente sobre as operações interestaduais. Pela proposta, será essa uma incumbência do Sendo Federal, mantendo-se o atual princípio constitucionalmente disposto. Abrem-se, com a proposta, duas formas possíveis de divisão da receita respectiva. Ou se sua alíquota da União para, automaticamente, atribuir-se a arrecadação interestadual ao Estado onde se localiza o destinatário da mercadoria ou, de modo alternativo, o Senado adotará formas de transferência de recursos de um para outro Estado, por exemplo, uma câmara de compensação.

            A proposta determina que o novo imposto só entrará em vigor no exercício financeiro de 1998, de modo a garantir tempo hábil à preparação cuidadosa da legislação pertinente. Até lá, o IPI e o ICMS continuarão a ser cobrados praticamente do mesmo modo que hoje, apenas com alguma alterações de efeito imediato, como a determinação de que o contribuinte possa ser beneficiado com a cessão do crédito de imposto cobrado anteriormente. Mesmo no caso de o bem se destinar ao ativo imobilizado, o que assegura a desoneração plena dos bens de capital, ou seja, máquinas e equipamentos.

            2. As exportações ficam totalmente desoneradas, de acordo com o art. 10, inciso III, e 11, inciso X, da proposta.

            3. Amplia-se o poder da União de criar empréstimos compulsórios, através da inclusão de mais de dois incisos ao art. 148 da Constituição Federal. Um, em razão de conjuntura que exija absorção temporária de poder aquisitivo. Outro, para financiar investimentos públicos de relevante interesse nacional, conforme disposto pela proposta em seu art. 1º.

            4. Estabelece-se, também, pelo art. 1º da proposta, através do acréscimo de um segundo parágrafo ao art. 145, da Constituição Federal, a quebra do sigilo pela autoridade federal para se obterem informações sobre operações financeiras dos contribuintes.

            5. Amplia-se a capacidade de tributação no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os houver instituído ou aumentado impostos e contribuições, dando nova redação ao § 1º, do art. 150, da Constituição Federal.

            6. Criam-se ressalvas para vedação imposta pelo inciso III do art. 151 da Constituição Federal à União, para instituir isenções da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dando nova redação ao dispositivo, segundo a qual esse impedimento não será observado em caso de a isenção estar prevista em tratado, convenção ou ato internacional do qual o Brasil seja signatário.

            7. Limita-se a autonomia dos Estados e Municípios com relação à instituição de isenções ou subsídios, redução de base de cálculo e concessão de crédito presumido, por meio de nova redação dada ao § 6º do art. 150, da Constituição Federal, através do art. 1º da proposta, pois as leis específicas, estadual ou municipal, terão de ser de iniciativa do Poder Executivo, no sentido de regular essas matérias e as já previstas constitucionalmente, como anistia ou remissão, que, no caso, terão que ser relativas tão somente a impostos, taxas ou contribuições, tirando-se de foco matéria previdenciária, antes da presente no preceito constitucional correspondente.

            8. Prevê-se compensações para Estados e Municípios no tocante a eventuais perdas, por conta de alterações propostas, como é o caso da desoneração das exportações. Assim, transfere-se o ITR (Imposto Territorial Urbano) de competência da União para os Estados, mantendo o princípio de repartição do produto da arrecadação desse imposto com os municípios, remetendo-se às Constituições Estaduais a definição da proporção, que deve ser, no mínimo, de 25%.

            9. Estabelece-se as transações interestaduais de combustíveis, petróleo e energia elétrica, hoje isentas, serão tributadas pelo Governo Federal.

            10. Transfere-se para a legislação ordinária a disciplina jurídica da imposição tributária, conforme o art. 11, inciso XII, da proposta.

            Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com exceção de alguns poucos analistas que entendem ter a proposta de reforma tributária atingido pontos de fundamental importância, a grande maioria é de opinião de que ela é insuficiente, se levarmos em conta as considerações iniciais deste meu pronunciamento, além de ferir frontalmente o princípio federativo.

            Vejamos. Seguramente a extinção do IPI será pouco eficaz para compensar a confusão burocrática que o novo imposto deverá acarretar, pois parece óbvia a inevitabilidade de uma duplicação dos mecanismos operacionais, que serão gerados com a competência tributária compartilhada pela União e pelos Estados com o novo ICMS, à medida em que a proposta diz concretamente sobre o novo imposto que os Estados e a União, por conta própria, administrarão, arrecadarão e fiscalizarão as suas respectivas parcelas.

            Por outro lado, a centralização da definição das alíquotas e incentivos na esfera federal vem de encontro frontalmente ao princípio federalista. Deve-se lembrar, por exemplo, as críticas exaustivas que sempre se fez à proposta do imposto único, justamente por sua faceta restritiva da autonomia tributária dos Estados e Municípios. Como fica explícito no espírito da proposta, ao se explicar que esta seria uma forma de se destribunalizar a Constituição Federal, passando o Poder Executivo, claramente, a ser o ente absoluto em matéria tributária, criando novos impostos não previstos constitucionalmente por meio de Medidas Provisórias, com o que se relega a segundo plano o Poder Legislativo.

            Já se tratando de aspectos macroeconômicos, deve-se, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, duvidar da possibilidade de o novo esquema a ser estabelecido com a absorção do IPI pelo ICMS, vir a reduzir, substancialmente, a sonegação. Em primeiro lugar, porque o sistema proposto mantém a estrutura atual de 1998, com alterações meramente marginais. Em segundo, porque, quando do funcionamento conjugado das máquinas fiscalizadoras, federal e estadual, que, de certo, aumentaria o poder de fogo do controle da evasão fiscal, a junção de impostos, inevitavelmente, determinará que a alíquota nominal do novo imposto tenha de aumentar, para que se possa realmente garantir o nível da atual arrecadação. E, dessa forma, estaríamos diante de mais um fator estimulante da sonegação. Pois, se considerarmos que, com uma alíquota média de 17%, como a atual, esta prática já é grande, imagine-se com um aumento que a leve para 25% ou 30%, como se estima. E, ademais, devo lembrar que essa elevação da alíquota terá, inescapavelmente, o efeito de um arrocho tributário, pois aumenta a carga tributária indireta, que está devidamente embutida nos preços dos bens e dos serviços.

            Há, ainda, enormes perdas que os Estados terão de enfrentar, seja em razão das alterações que entrarão em vigor já em 1996, como a desoneração das exportações e outras. Efetivamente, os Estados que produzem mais do que consomem poderão ter perda acentuada em duas direções. Por exemplo, pela regulamentação proposta, o Estado pode não obter qualquer benefício da parte de outros pela cobrança de ICMS, executada em seu território, e, tampouco, ganhar na remessa para outros Estados do ICMS que incidir nessa transação. E os Estados que têm seu ponto forte de arrecadação atualmente nas exportações de alguns commodities, por exemplo, deverão amargar muitos prejuízos. estimando-se, em alguns casos, perdas de 30%. Afora o prejuízo que já se sabe que haverá, também, em decorrência da prorrogação do chamado Fundo Social de Emergência, já aprovado na Comissão Especial na Câmara dos Deputados. No caso, por exemplo, de meu Estado, a Paraíba, segundo me afirmou hoje o Governador José Maranhão, o nosso prejuízo anual é da ordem de quase R$100 milhões.

            O Sr. Jader Barbalho - Permite V. Exª um aparte, nobre Senador Humberto Lucena?

            O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª, nobre Senador Jader Barbalho.

            O Sr. Jader Barbalho - Senador Humberto Lucena, desejo cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que faz, antecipando no Senado a discussão sobre as emendas constitucionais que visam alterações no campo tributário. Desejo manifestar minha concordância com as observações de V. Exª, com as preocupações que manifesta em relação a essa reforma constitucional. Creio que o que o Governo efetivamente deseja - e me parece que seja apenas uma medida de natureza econômico-tributária - é exatamente desonerar as exportações do ICMS. Esse é o objetivo fundamental dessa reforma. É seguramente uma tentativa do Governo de estimular as exportações. Mas os Estados e os Municípios precisam saber, como bem disse V. Exª, como serão compensados. Isto não está claro até o momento. E, muito ao contrário, os Estados registram, em levantamentos feitos até aqui, prejuízos, como no caso do meu Estado, o Estado do Pará, segundo o Governador, receita correspondente a três meses de folha de pagamento do Estado do Pará, o que para o meu Estado seria um desastre. Portanto, há necessidade que, ao incentivar as exportações, o Governo Federal defina como efetivamente compensará os Estados e Municípios em relação a esse estímulo à exportação que todos consideramos conveniente e interessante para o Brasil. Mas é fundamental que, ao lado da política de interesse da União, também, concomitantemente, sejam preservados os interesses dos Estados e dos Municípios. Por outro lado, Senador Humberto Lucena, quando se fala em quebra do sigilo bancário nessa emenda constitucional, por parte da autoridade fiscal - com a experiência administrativa que V. Exª tem e posso registrar que já o tem, e creio que com a experiência administrativa seguramente de toda a Casa - vejo com muito receio a quebra do sigilo bancário por parte da autoridade fiscal. Creio que se deva manter nesse campo, quando necessário, com a autorização judicial que hoje já existe, mas nunca se extrapolar colocando na mão da fiscalização um instrumento que poderá, na verdade, não servir aos interesses da coletividade brasileira, mas quem sabe interesses inconfessáveis na área fiscal. Eu gostaria de dizer a V. Exª que participei de uma reunião, como convidado no Ministério da Fazenda, e fiquei muito entusiasmado, não com essas medidas tributárias, já que não considero que exista, na verdade, uma reforma tributária e fiscal. Fiquei entusiasmado com as medidas relativas ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, porque, na verdade, quem deve pagar Imposto de Renda neste País não paga, ou paga pouco em detrimento da maioria dos assalariados que, efetivamente, pagam no Brasil. Este, sim, parece ser o caminho pelo qual, neste campo, teremos alterações fundamentais. Desejo, mais uma vez, ao agradecer o aparte que V. Exª me concede, cumprimentá-lo pelo discurso que está a brindar o Senado neste momento, fazendo observações pertinentes para meditação da Casa, mesmo antes que essa emenda chegue para nossa apreciação.

            O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado a V. Exª, nobre Líder, Senador Jader Barbalho.

            Devo dizer-lhe e às Srªs e aos Srs. Senadores que, na verdade, venho me debruçando com certa profundidade no exame dessas matérias, porque penso que nós, da mais Alta Casa do Congresso Nacional, devemos nos antecipar nesse debate, porque até agora as propostas de emendas constitucionais que vieram para cá, da Câmara dos Deputados, apesar de muito importantes e, de certo modo, altamente transformadoras do panorama econômico brasileiro, sobretudo no que tange à chamada flexibilização dos monopólios, eram mais simples.

            As propostas que hoje estão em debate na Câmara - a proposta de reforma tributária, a proposta de reforma administrativa e a proposta de reforma da Previdência - são todas de grande complexidade. E mais do que isso, a proposta constitucional da reforma tributária briga com as Unidades Federadas, com os Estados e municípios, que são partes interessadas na manutenção do pacto federativo, do qual o Senado é a maior expressão, por ser a Casa, justamente, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal. A reforma administrativa atinge direitos individuais e sociais, muitos dos quais têm que ser preservados. O mesmo ocorrendo com a reforma previdenciária.

            Por isso, deveremos discutir esses assuntos aqui, a tempo, se preciso, inclusive, informalmente, através das Lideranças, de manter um contato com as Lideranças da Câmara, para acompanharmos a sua discussão e votação, a fim de que essas reformas possam vir ao Senado já sendo palatáveis, para que possam receber o nosso voto sem alterações porque, do contrário, elas vão chegar de novo de última hora e com uma complexidade muito grande e se fará um esforço, a começar pelo Governo, o que é natural, para que não haja nenhuma modificação no Senado, a fim de que não volte à Câmara dos Deputados. Então, é urgente que estudemos em profundidade essas três reformas, e procuremos trazer à consideração do Plenário as nossas sugestões.

            Eu, por exemplo, dentro de poucos dias, devo ter algumas sugestões que vou fazer sobre a chamada reforma administrativa, e espero abordá-la também da tribuna do Senado para que, num debate com os Srs. Senadores, possamos desde logo ir tomando uma posição a respeito desse momentoso assunto que está galvanizando não apenas o Congresso Nacional, mas, de um modo geral, a sociedade brasileira.

            O Sr. Bernardo Cabral - Permite V. Exª um aparte?

            O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não.

            O Sr. Bernardo Cabral - Observe V. Exª como eu estava certo, quando fiz a cessão do meu tempo a V. Exª .

            O SR. HUMBERTO LUCENA - Muito obrigado.

            O Sr. Bernardo Cabral - Este é um assunto que vem inquietando a todos. Inquieta a todos porque, vez por outra, temos falado aqui em desequilíbrios regionais. O Senador Antonio Carlos Magalhães já reclamou desta tribuna o problema do cacau, eu já reclamei do meu Estado, V. Exª já a ocupou, e o que se nota é um modelo perverso. O que acontece? É que a possibilidade de um Estado arrecadar tributos em outros Estados, a falta de compensação a Estados que adquirem produtos com alíquotas altas, aqueles, como os nossos que subsidiamos empregos e arrecadações em outros Estados e outras anomalias, beneficiaram, sem dúvida, Senador Humberto Lucena, os Estados mais industrializados. De tal sorte que tenho aqui uma anotação onde vejo que a infra-estrutura, por exemplo, de um Estado do Nordeste é absolutamente incomparável à de um Estado do Sul. O que acontece pelo menos em tese? É que essa centralização tributária vai eliminando a possibilidade da concessão de incentivos fiscais e pune esses Estados com menor nível de infra-estrutura, obrigando cada um deles a cobrar o mesmo serviço inferior, e a desigualdade acaba numa escala crescente. Por isso a Reforma Administrativa tem que observar que os Estados mais pobres não podem competir. Se pensarmos em uma reforma abrangendo apenas aqueles Estados mais adiantados - e foi um equívoco que se cometeu na Constituição de 1988 - , vamos continuar reclamando, como V. Exª faz hoje, que este Senado precisa ter cuidado quando para cá vier a reforma tributária. De modo que queria cumprimentar V. Exª.

            O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço suas palavras, nobre Senador Bernardo Cabral. V. Exª, que conhece bem os temas que aqui abordo, inclusive por ter sido o Relator-Geral da Assembléia Nacional Constituinte e estudado em profundidade esses problemas, está em condições, mais do que ninguém, de trazer aqui seu testemunho e a sua contribuição.

            No que tange à reforma tributária, lembraria ao Sr. Presidente, às Srªs e Srs. Senadores, que estamos lutando já para resolver um problema que não é pequeno, o da renegociação das dívidas dos Estados e Municípios. Há inclusive projetos meus e de outros Senadores em andamento. A Comissão de Assuntos Econômicos que está promovendo uma discussão profunda em torno deles.

            Os Estados estão, a grande maioria deles, sobretudo os menores e médios - para usar uma expressão popular - com a corda no pescoço. É o caso, por exemplo, da Paraíba, que paga por mês de resgate de suas dívidas contratual e extracontratual cerca de 20%, o que é inteiramente impossível continuar.

            Pois bem, se, de um lado, temos dificuldades em resolver uma nova rolagem de dívida dos Estados e Municípios - a União resiste a que se diminua o percentual, hoje de 11% para 9%, e resiste também a que outros débitos sejam incluídos nesse percentual -; por outro lado, não se pode compreender que, além de não resolver o problema da rolagem da dívida em termos mais compatíveis com a situação dos Estados no momento, ainda vamos agravar mais a capacidade de pagamento desses Estados, na medida em que retiramos recursos deles por meio da reforma tributária e da prorrogação do Fundo Social de Emergência.

            Portanto, se se vão criar na reforma tributária recursos para compensar os Estados e Municípios, que isso seja feito não só em relação ao que vamos perder em matéria de desoneração de exportações, mas também no que tange aos prejuízos advindos da retenção por cerca de quatro anos de alguns percentuais do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, para ajudar o Fundo Social de Emergência.

            Retomo, Sr. Presidente, as considerações que fazia.

            A compensação proposta pelo Governo de passar para os Estados a cobrança do ITR não parece ser algo de peso que possa realmente ter a eficácia anunciada no sentido de ressarci-los. Pois, como se sabe, esse imposto apresenta tamanha dificuldade de arrecadação que a própria União, hoje em dia, tem feito vistas grossas para sua sonegação, diminuindo sobremodo a fiscalização correspondente.

            A mim me parece, salvo melhor juízo, que a cobrança do Imposto Territorial Rural deveria permanecer com a União, porque é o ente governamental mais isento não só para fixar suas alíquotas, mas também para cobrá-lo, porque esse imposto que deve ser progressivo tem por propósito, evidentemente, contribuir para a reforma agrária no País entre outras questões, para que se possa, por intermédio dele, punir a chamada propriedade improdutiva. E esse imposto que já não vale muito passará a valer menos se não for fixado e cobrado pela União; sabemos que, nos Estados e Municípios as influências políticas locais são muito deletérias e poderão contribuir grandemente para as distorções na arrecadação desse imposto.

            As questões relativas à quebra de sigilo bancário e à criação de empréstimos compulsórios para eventualmente conter o consumo de alguns bens e propiciar investimentos públicos de grande relevância e urgência parecem ter sido inseridas na proposta muito mais como margem de manobra. Com relação ao sigilo, quero crer que a legislação atual já é suficiente para que se consigam as informações pertinentes. No tocante aos empréstimos compulsórios, considero que são desnecessários. Tanto por já existir proposta semelhante ao projeto de reforma da Previdência - já derrubada pela Câmara dos Deputados por ser considerada inconstitucional, porque quanto ao ponto de vista macroeconômico já se viu que essa é uma ação inócua para o objetivo proposto, qual seja, o de arrefecer a demanda, para evitar pressões inflacionárias à luz do comportamento peculiar de nossa economia. Ademais, do ponto de vista psicossocial, as lembranças dos cidadãos brasileiros, com relação a esse tipo de ação governamental, isto é, empréstimo compulsório, não são, diga-se de passagem, efetivamente nada boas. Sabemos, por exemplo, que o imposto compulsório sobre os combustíveis até agora não foi devolvido pela União.

            Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda há que se destacar um ponto da justificativa do Governo para a proposta de reforma tributária, qual seja, o de que estaria contendo o que se convencionou denominar de Guerra Fiscal, entre os Estados e os Municípios, atendendo a pressões que colocam na berlinda, particularmente, os Estados das Regiões mais pobres de investimentos, com especial ênfase para o Nordeste.

            Ora, um fato inegável é que os Estados e Municípios, ao longo de várias décadas, têm se visto na contingência de usar da sua prerrogativa constitucional de autonomia federativa para atrair, por meio de isenções tributárias, totais ou parciais, os investimentos que lhe pareçam de importância para seu desenvolvimento econômico e social. E, claro, tem sido esse um processo que tem se desenvolvido com algumas distorções porque alguns Estados e Municípios efetivamente extrapolam suas propostas de incentivo que, às vezes, ficam longe de lhes trazer os benefícios que a prática normalmente pode determinar.

            Contudo, qual o Estado que não tem se beneficiado desses subsídios tributários? Há alguns meses, vimos como o Estado do Rio de Janeiro pôde ser vitorioso em levar para um dos seus Municípios, o de Resende, uma fábrica de ônibus da Volkswagem. No meu Estado, a Paraíba, acaba de ser atraído um importante investimento na forma de uma fábrica do ramo têxtil, a EMBRATEX, Indústria Brasileira de Fios e Tecidos, pertencente ao Grupo COTEMINAS, de Montes Claros, MG, para instalação da qual se promoveu uma isenção fiscal por um significativo período. Condição fundamental para que a COTEMINAS, há 11 anos atuando no Nordeste, resolvesse ampliar suas operações, instalando-se no Estado paraibano.

            Enfim, S. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diversa não foi a prática de outros Estados do Nordeste para tentarem incrementar suas atividades produtivas e seu crescimento econômico. Por oportuno, lembro o Pólo Têxtil do Ceará e outros que seguramente têm contribuído em termos objetivos para o desenvolvimento dos Estados em que foram implantados, arrebanhando para si, à mercê justamente de programas de incentivos tributários e outros favorecimentos, vários empreendimentos de porte capazes de exercer efeitos dinâmicos sobre suas economias.

            Assim, quero registrar minha preocupação quanto a esse aspecto, em face do espírito da proposta de reforma em foco que, claramente, implica na perda de autonomia tributária das unidades federadas. Pois, com efeito, o disciplinamento do novo imposto, o novo ICMS, ao colocar na dependência da iniciativa do Governo Federal as leis específicas nas esferas federal, estadual e municipal, para concessão dos referidos incentivos, vem justamente podar essa autonomia que, na Carta de 88, se procurou assegurar, como parte de um princípio basilar do nosso esquema federativo.

            Até parece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que estamos querendo voltar ao Estado unitário do Império, tais as investidas contra a Federação do Brasil.

            Além disso, a harmonização tributária que se quer buscar como a proposta, ao se conformar o novo ICMS a uma só alíquota por produto ou serviço, em todo o território nacional, apenas reforçaria ainda mais a impossibilidade de os Estados atuarem soberanamente para reduzir, aumentar ou isentar o ICMS de certos produtos, de acordo com as programações econômicas que se proponham implementar, contemplando suas peculiaridades conjunturais.

            Pois, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a chamada "Guerra Fiscal" nada mais é do que o reflexo das próprias singularidades do desenvolvimento de nosso País, que se processou e se processa interpenetrado pelas enormes desigualdades regionais, que, certamente, devem estar presentes na ordem do dia de todos os Governos, vez que elas estão na raiz mesma de todas as mazelas sócio-econômicas do País. E essa "guerra" só deixaria de se expressar à medida em que as políticas de desenvolvimento regional possam ser amplamente discutidas e harmonizadas verdadeiramente, evitando-se as contradições que hoje ainda estão em vigor, conflitando os interesses das diversas regiões brasileiras e de seus Estados e municípios.

            De resto, volto a reiterar e alertar para a necessidade de se resistir fortemente à tentativa de centralização da ação tributária nas mãos da União, que, a meu juízo, é o problema maior dessa proposta de reforma tributária. Vamos estudá-la juntamente com as reformas administrativa e previdenciária; vamos debatê-las em conjunto, alterando-as naquilo que for necessário, sobretudo para prestigiar a Federação que, precisa ser consolidada no sistema constitucional brasileiro.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/1995 - Página 2235