Pronunciamento de Lúcio Alcântara em 06/11/1995
Discurso no Senado Federal
REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO ENCONTRO DA CULTURA BRASILEIRA, EM BRASILIA, A PROPOSITO DO DIA NACIONAL DA CULTURA. OS DESAFIOS NO RELACIONAMENTO ENTRE O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO. CRITICAS AO ARTIGO DA JORNALISTA SUELY CALDAS, PUBLICADO NO ESTADO DE S.PAULO DE ONTEM, SOB O TITULO 'SENADO VALE R$ 55 MILHÕES?'. COMEMORAÇÕES ALUSIVAS A CONQUISTA DO DIREITO DE VOTO PELA MULHER NO BRASIL.
- Autor
- Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
- Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA CULTURAL.
PODERES CONSTITUCIONAIS.
FEMINISMO.:
- REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO ENCONTRO DA CULTURA BRASILEIRA, EM BRASILIA, A PROPOSITO DO DIA NACIONAL DA CULTURA. OS DESAFIOS NO RELACIONAMENTO ENTRE O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO. CRITICAS AO ARTIGO DA JORNALISTA SUELY CALDAS, PUBLICADO NO ESTADO DE S.PAULO DE ONTEM, SOB O TITULO 'SENADO VALE R$ 55 MILHÕES?'. COMEMORAÇÕES ALUSIVAS A CONQUISTA DO DIREITO DE VOTO PELA MULHER NO BRASIL.
- Aparteantes
- Antonio Carlos Magalhães, Romero Jucá.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/11/1995 - Página 2404
- Assunto
- Outros > POLITICA CULTURAL. PODERES CONSTITUCIONAIS. FEMINISMO.
- Indexação
-
- COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), REALIZAÇÃO, PROMOÇÃO, ENCONTRO, CULTURA, ATIVIDADE CULTURAL, PAIS.
- COMENTARIO, RELACIONAMENTO, COMPORTAMENTO, EXECUTIVO, RELAÇÃO, LEGISLATIVO.
- CRITICA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, SUELY CALDAS, JORNALISTA, RELAÇÃO, DEVERES, CONGRESSISTA, GASTOS PUBLICOS, SENADO, PAIS.
- COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, DATA NACIONAL, DIREITOS POLITICOS, VOTO, MULHER.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, dia 5 de novembro, foi o Dia Nacional da Cultura. Em comemoração à data e também para discutir assuntos relacionados à administração das atividades culturais, ao financiamento da cultura e até para propiciar uma espécie de amostragem geral da cultura brasileira, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, por intermédio de seu Ministro da Cultura Francisco Weffort, promove em Brasília o I Encontro da Cultura Brasileira.
Esperamos que esse encontro não só sirva para troca de experiências, para conhecimento de várias manifestações culturais de diversas partes do País, mas signifique de fato uma iniciativa que tem o condão de anunciar a prioridade, o interesse, o empenho que o Presidente da República e seu Ministro da Cultura têm em relação a essa atividade de grande importância para o nosso povo, para a nossa sociedade.
Aproveito este ensejo para ressaltar que, infelizmente, o que míngua entre nós é a cultura política. Penso mesmo que, entre todas as reformas que o Presidente vem empreendendo com o apoio do Congresso Nacional, uma das mais frustrantes até aqui tem sido a reforma política.
Existe uma comissão especial no Senado, cujos resultados vamos aguardar, mas, até agora, produziu-se muito pouco em matéria de reforma política, de contribuição para o aprimoramento das nossas instituições. Foi aprovada uma lei para as eleições do próximo ano - em vez de uma lei permanente e duradoura, como se desejava; e, também, uma lei orgânica de Partidos Políticos, que alguns consideram até desnecessária, face à liberdade de organização dos Partidos, consagrada em nossa Constituição Federal.
Esse traço cultural nosso, essa debilidade, essa fraqueza das nossas instituições políticas é algo que nos preocupa bastante. Se atentarmos bem para o momento em que estamos vivendo, verificaremos que a própria democracia e seu processo padecem de alguns vícios e de algumas dificuldades que entravam o seu aperfeiçoamento. Desde que Montesquieu estabeleceu a idéia dos três poderes independentes e harmônicos entre si - o Legislativo, Judiciário e o Executivo - que se espera, na interação desses três poderes, o bom encaminhamento dos negócios públicos, da administração pública, dos negócios do Estado, o aperfeiçoamento do regime democrático, sobretudo, a partir de uma participação maior dos cidadãos, do maior conhecimento do funcionamento do Estado e, conseqüentemente, de uma maior justiça social, de um maior equilíbrio econômico e social entre os cidadãos.
Gostaria de analisar uma questão, principalmente tomando como base o relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, que é o mais intenso, o que mais fricções produz - e do funcionamento desses dois muito se espera no sentido de melhorar não só a democracia entre nós, mas também a qualidade do processo e da situação de vida de todos os brasileiros. Algumas coisas merecem nosso comentário em relação a este momento que estamos vivendo e sobre o relacionamento entre o Legislativo e o Executivo. Há vícios, deficiências de parte a parte, que tornam esse relacionamento insuficiente ou incompleto. Ele poderia ser melhorado bastante se houvesse melhor compreensão dos papéis, tanto do Executivo quanto do Legislativo, e uma maior consciência das prerrogativas de cada um, o que realmente exige muito de espírito democrático dos seus integrantes.
Na verdade, é muito fácil se intitular democrata autêntico quando se está na oposição, quando se está no Legislativo, mas, para mim, o verdadeiro teste do espírito democrático de alguém é quando ele exerce um cargo no Poder Executivo, porque infelizmente há uma tendência muito grande dos que estão no Executivo a se acreditarem como detentores da verdade, como aqueles que sabem exatamente o que o País, o Estado, o Município precisa, qual a urgência que entende ser necessária e, muitas vezes, de maneira intransigente, rejeitando a colaboração, a participação do Legislativo no sentido de aprimorar e melhorar essas propostas, de torná-las mais compatíveis com o interesse público. Quem está no Executivo é muito tentado a ter esse tipo de comportamento.
Por outro lado, no Legislativo assistimos a dois tipos de comportamento: de um lado, os que se submetem a todas as exigências, a todas as propostas do Poder Executivo, sem analisá-las, sem procurar contribuir com a sua participação para melhorá-las, sem ter um espírito crítico em relação a elas; de outro lado, os que estão na oposição tendem simplesmente a rejeitar tudo, a afastar qualquer proposta como imprestável, como inconveniente ou como impertinente.
Desse tipo de comportamento é que surge um relacionamento que deixa muito a desejar entre o Legislativo e o Executivo; o Poder Executivo age como se fosse o detentor do monopólio do interesse público, da verdade; tende inclusive, às vezes, a se exasperar com certas sugestões, com certas críticas, com o que lhe parece um retardamento do exame das propostas, quando, na verdade, o Legislativo não pode se transformar em uma Casa meramente homologatória das propostas do Executivo. Daí porque entendemos que há um extenso campo, que permite realmente uma margem de manobra, de trabalho, tanto por parte do Legislativo quanto do Executivo, no sentido de contribuírem os dois poderes para o desenvolvimento do País, consultando sempre o interesse público.
Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, pela sua formação política e acadêmica, pelo seu espírito democrático, é quem mais tem condições de contribuir para a melhoria dessa comunicação, desse entendimento entre os dois poderes. É claro que ele tem que se precaver, muitas vezes, contra alguns auxiliares ou certas propostas que em nada contribuem para isso. Penso que o Governo tem todo o direito de defender e de buscar a colaboração dos que integram o Partido que o apóiam para aprovação do Fundo Social de Emergência e de tudo fazer para reunir o número necessário para sua aprovação, em um espaço de tempo mais curto possível, respeitando-se as normas regimentais. O Governo age mal quando retém Parlamentares em Brasília, que deveriam ficar para cumprir com o seu dever, com a sua obrigação, a título de participarem de uma confraternização, em um churrasco - malogrado, afinal -, cuja iniciativa foi desautorizada pelo próprio Presidente da República. Como se o churrasco fosse uma versão moderna ou pós-moderna do prato de lentilhas, sendo que os Parlamentares precisassem de algum tipo de compensação pelo seu desempenho na aprovação do Fundo Social de Emergência!
Esse é outro erro que muitos de nós, do Legislativo, cometemos - eu estou entre os que evitam esse comportamento -: subordinar a aprovação de matérias do Legislativo a atendimentos de pleitos de natureza pessoal. É legítimo e perfeitamente correto que Parlamentares que integram Partidos que apóiam o Governo sugiram nomes para ocupar cargos qualificados no Poder Executivo que vão contribuir, inclusive, para a realização das propostas do Governo. O que não se pode é subordinar o posicionamento, em relação às matérias originárias do Poder Executivo, à satisfação do interesse particular ou à indicação de nomes para ocuparem cargos no Governo. Não há sentido perseverar-se nesse franciscanismo, que não engradece nem o Executivo nem o Legislativo, e que até descaracteriza, de maneira danosa para a nossa imagem, o Poder Legislativo.
Temos que ter espírito crítico; temos que contribuir para a melhoria, para o aperfeiçoamento das propostas do Poder Executivo com independência. Não somos apenas uma Casa homologatória ou meramente registradora das propostas do Executivo. Às vezes, temos que ter paciência com o seu interesse em acelerar a tramitação das matérias, mas é bom que examinemos com cuidado, porque todas elas afetam, de maneira muito importante, a sociedade brasileira.
E o Governo, ou melhor, o Poder Executivo comete um outro erro com muita freqüência: é aquilo que chamo de essencialismo. Tudo é essencial, tudo é importante. Se não for aprovado de uma determinada maneira ou num determinado prazo implicará grandes problemas para o País, podendo haver um caos. São matérias que, se não forem aprovadas rapidamente e tal como o Executivo enviou, vão gerar grandes dificuldades para o País. O Executivo, portanto, abusa desse tipo de argumento.
Nos Estados Unidos, o Presidente Clinton deixou de ter várias de suas proposições aprovadas pelo Poder Legislativo, pelo congresso americano, como, por exemplo, quando ele quis criar uma nova política de saúde para o país. Houve também vários cortes de verbas orçamentárias que o Legislativo fez em políticas públicas que ele gostaria de implementar. Entretanto, nada houve de mais grave ou mais pernicioso para a nação americana porque o Legislativo não concordou com a proposta do Executivo.
Precisamos, portanto, colocar esses pontos nos seus devidos lugares, a fim de que o nosso Legislativo não abdique da sua independência e da sua enorme capacidade de colaboração para com o Executivo. Da mesma maneira precisamos distinguir as nossas posições individuais das posições do Senado ou do Congresso como um todo.
O Presidente José Sarney, que é o Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, portanto presidente de todos nós, consagrado como candidato único na sua eleição para a Presidência do Senado, quando manifesta a sua opinião sobre o Fundo Social de Emergência, fá-lo como um Senador de prestígio, que tem grande experiência na vida pública, um homem provado em vários cargos que já exerceu, mas é sua opinião pessoal que está expedindo; não é a opinião do Senado Federal. S. Exª está falando em seu próprio nome. E todos nós sabemos, pela correção com que se porta, pela maneira como age, que jamais iria valer-se de sua posição de Presidente do Senado para obstar ou usufruir de expedientes, quaisquer que fossem no campo regimental, para desacelerar a tramitação da proposta ou inviabilizar sua aprovação no corrente exercício.
Tem S. Exª a obrigação e até o dever de ter posições sobre tais matérias, que são polêmicas, que desafiam a nossa participação. Quando manifesta sua opinião, não o faz na condição de Presidente do Senado, mas na condição de Líder político importante e de um Senador que tem grande representatividade.
A imprensa muitas vezes confunde as coisas. Às vezes até desqualifica sua opinião como se S. Exª fosse - e nós, que o conhecemos, sabemos que não é assim de modo algum - movido por algum tipo de interesse menor. Na verdade, está manifestando, num direito legítimo, sua opinião sobre um assunto, que pode não ser a do Senador Edison Lobão, pode não ser a minha e pode eventualmente coincidir com as nossas opiniões, mas está simplesmente se manifestando em relação a uma determinada matéria.
O que também me preocupa no funcionamento do regime democrático no Brasil é a participação de uma terceira entidade. Por exemplo, no relacionamento entre o Legislativo e o Executivo, que é a mídia, a imprensa. Hoje em dia, sempre quando o interesse do Poder Executivo se confunde ou se iguala às teses defendidas pela mídia, torna-se quase impossível contrapor-se a essas opiniões sem que seja inquinado de antiquado, superado, de contrário ao interesse público, de que está procrastinando a solução de grandes problemas que o Brasil quer ver resolvido. Quer dizer, a mídia tende a desqualificar os debatedores, tende a fazer com que as pessoas que têm opinião contrária, divergente daquela defendida pelo Poder Executivo passem como se fossem pessoas que estiveram trabalhando contra os interesses do País, contra o interesse público.
Essa questão da reforma administrativa é um exemplo disso. Tenho inúmeras restrições a essa proposta. Sei, tenho consciência de que o Estado brasileiro precisa ser reformado. Mas divirjo muito dessas iniciativas que constam nessas propostas que constituem a chamada reforma administrativa. O Governo, na ânsia de ver aprovadas essas propostas, pressiona, como pressionou a Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça, o que já é grave. E mais grave ainda foi os Deputados terem cedido, porque, na verdade, isso significou que não havia consistência nas suas opiniões, sobretudo quando se fez um acordo sobre o qual as partes que participaram do acordo já não se entendem mais sobre a execução, sobre o que significou o acordo em si.
Isso é um exemplo de como essas relações, quando não são estabelecidas de maneira madura, de maneira consciente e, sobretudo, de maneira colaborativa, terminam dando resultados que não são bons, que, de certa maneira, comprometem o desempenho dos poderes em relação ao funcionamento do sistema democrático e a promoção do bem comum e do desenvolvimento da nossa sociedade. Então, os slogans, as palavras de ordem que são repetidas à exaustão pela mídia, tendem, de um lado, a inibir esse debate; de outro, a fazer com que a discussão seja tomada como algo que não interessa ao País, que é meramente procrastinadora, que retarda as decisões.
Ontem mesmo, no jornal O Estado de S. Paulo, saiu um artigo da jornalista Suely Caldas, que tem como título:
"Senado vale R$55 milhões?"
É uma pergunta. A jornalista também diz:
"É caro sustentar um senador em Brasília. Cada um deles custa R$680 mil/mês, ao contribuinte brasileiro."
Não sei de onde saíram esses números. Penso que depois teremos esclarecimentos sobre essa matéria. Continua:
"São despesas com passagens de avião, veículos, combustível, salários deles e dos funcionários dos gabinetes (cada um pode contratar até 48 pessoas)."
Sr. Presidente, fiquei estarrecido porque não sei de onde saiu este tipo de informação de que cada Senador possa contratar 48 pessoas. Segue:
"Enfim, toda a parafernália de uma pródiga infra-estrutura que privilegia os 81 Senadores da República. O Senado inteiro custa mensalmente R$55 milhões à população brasileira."
Ora, esse número, a meu ver, é absurdo, mas, vejam bem, o Centro Gráfico presta serviço ao Congresso Nacional, não é só ao Senado, produz material gráfico para o Senado e para a Câmara. O Prodasen presta serviço ao Congresso Nacional, não é só ao Senado. E mais, hoje existem terminais nos tribunais.
O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Peço desculpas a V.Exª para interrompê-lo, pois o seu tempo já se esgotou há três minutos.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, só peço a V.Exª um pouquinho de tolerância porque gostaria de ouvir o Senador Antonio Carlos Magalhães, e não estamos assim com muitos oradores inscritos. Acredito que este assunto é importante.
O Prodasen, por exemplo, tem terminais nas assembléias legislativas, nos tribunais, nos foros da Justiça Federal e assim por diante.
E continua a jornalista:
"E o que o País pode esperar de S. Exªs? Ao menos que trabalhem, discutam e votem as leis. Para isso foram eleitos. E o que fez o Senado Federal neste segundo semestre?" Pergunta a jornalista. "Em quatro meses votou - em primeiro turno apenas - as emendas que acabam com o monopólio do petróleo e das telecomunicações."
Não é verdade! O assunto telecomunicações foi votado em primeiro e segundo turnos.
"Em que, então, os senadores ocuparam seu tempo? Nos três dias da semana em que comparecem ao Congresso, debatem (ou não) os temas da agenda legislativa, mas nada anda."
Depois, a jornalista tece comentários sobre o Presidente Sarney, comentários com os quais não concordamos porque, até falamos aqui há pouco, S. Exª tem o direito, o dever de ter opinião sobre determinada matéria, como é o caso do Fundo Social de Emergência.
A nossa posição de crítica é um dever também. Temos que estar aqui não para homologar, para dizer "sim, senhor", amém a tudo, mas para participarmos do processo e colaborarmos com o Executivo na melhoria das proposições legislativas.
Às vezes, o Executivo age sozinho, como no caso da medida provisória sobre a indústria automotiva. A Organização Mundial do Comércio a desautorizou e a rejeitou, porque a mesma não estava dentro das normas do comércio internacional. Certamente, quem concedeu subsídios ao Presidente da República para baixar essa medida provisória achou que estava produzindo uma peça perfeita, e o resultado foi o que se viu.
O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Permita-me V. Exª um aparte?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, nobre Senador.
O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Senador Lúcio Alcântara, lamento que não ter ouvido todo o discurso de V. Exª, que, sempre com muita propriedade, usa a tribuna do Senado. Mas só pelo trecho que ouvi, e pela transcrição de parte desse artigo, vejo que V. Exª presta um grande serviço, trazendo ao conhecimento da Casa a injustiça que se pratica, mais uma vez, para com o Senado. A meu ver - chamo a atenção do Presidente em exercício -, a Mesa não pode deixar de responder ao artigo desse jornal, que contém tantas injustiças, tantas inverdades, em relação ao Senado da República. Talvez, em poucas Legislaturas do País, o Senado tenha cumprido tão bem os seus deveres como na atual. Realizou trabalho profícuo no primeiro semestre; colocou em dia toda a matéria que estava na Casa, nas comissões e no Plenário, e se mais não atua na Ordem do Dia é porque esgotou toda a matéria que tinha para votar. Isso é uma demonstração de que se trabalhou intensamente nas comissões e no Plenário. Agora, é muito mais fácil criticar o Poder Legislativo do que criticar o Poder Executivo, que pode fornecer benesses a muitos dos jornalistas que vivem a criticar o Legislativo. Não sei se é o caso em tela, mas, seja como for, a passividade de não responder a questões como essa leva a que essas injustiças sejam repetidas. Na minha vida tenho feito como lema, sempre que sou injustiçado e porque sou um político polêmico - algumas vezes tenho sido -, sempre rebater a acusação, custe o que custar. E dentro de pouco tempo, não hoje, mas talvez na próxima semana, trarei temas desse teor à tribuna do Senado para esclarecer os Srs. Senadores, processando inclusive autoridades públicas pela falta do cumprimento da verdade em relação ao Senado. Por isso mesmo volto a dizer: V. Exª, que está no exercício da Presidência, deve chamar a atenção da Mesa para que responda a este artigo, sob pena de não estar cumprindo com os seus deveres perante a Casa e os próprios Senadores.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª tem toda razão, Senador Antonio Carlos Magalhães. Inclusive, por coincidência, o Jornal do Senado de hoje traz a seguinte manchete: "O Senado vota apenas em outubro 45 matérias". Entre elas a Lei de Diretrizes e Bases, o Programa de Planejamento Familiar e assim por diante.
Votamos recentemente a criação de uma procuradoria parlamentar. Se já estiver instalada, é o caso de a acionarmos para rebatermos essas afirmações que são absolutamente improcedentes e que retratam uma imagem do Senado que não corresponde à realidade. Todos que acompanham de perto o nosso trabalho sabem que o desempenho do Senado tem sido absolutamente satisfatório, cumprindo, assim, com as suas obrigações.
O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com prazer, para concluir.
O Sr. Romero Jucá - Sr. Presidente, as colocações do Senador Lúcio Alcântara são extremamente importantes, tendo em vista o momento vivido por essa Casa, inclusive corroboro as informações, dizendo que há cerca de dois meses surgiu na imprensa matéria similar a essa, noticiando um custo estapafúrdio de mais de R$800 mil por mês para cada Senador. Naquele momento, apresentei um requerimento solicitando que a Mesa efetivamente esclarecesse não só aos Senadores, mas também à sociedade o custo efetivo de cada Senador e como esses recursos são aplicados. Se por um lado se diz que se gasta milhões e milhões e, por outro, que temos pouca condição estrutural de trabalho, na verdade, é importante que isso fique esclarecido. Fazendo coro com as palavras do Senador Antonio Carlos Magalhães, é de fundamental importância que a Mesa esclareça essas questões e demonstre efetivamente quanto se aplica, o que é gasto no Congresso, o que se despende em prestação de serviço à sociedade, porque hoje o Senado tem prestações de serviço à sociedade, seja através do PRODASEN, do CEGRAF ou da própria Biblioteca. Uma coisa é o custo efetivo de trabalho de um Senador e outra coisa é o custo do funcionamento do Poder Legislativo e dos serviços prestados à sociedade. Desse modo, é importante esse esclarecimento e faço coro não só ao que disse o Senador Lúcio Alcântara mas também ao que disse o Senador Antonio Carlos Magalhães. Esse esclarecimento também é importante para a imagem do Senado e para a nossa imagem de Senadores. Portanto, é preciso que essa questão fique esclarecida o quanto antes.
O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª a tolerância, permitindo que ultrapassasse o tempo regimental, quero fazer minhas as palavras do Senador Antonio Carlos Magalhães e as do Senador Romero Jucá no sentido de que a Mesa promova os esclarecimentos necessários sobre essa matéria, pois como ela está deixa-nos muito mal e não representa a realidade dos fatos.
Há aberrações gritantes, como a de se dizer que cada Senador pode contratar 48 pessoas. Quem lê isso, se não houver uma reação à altura do Senado, achará que é pura verdade. O Senador Antonio Carlos Magalhães tem toda razão, em matéria de ordem moral não podemos transigir, é preciso realmente responder, não deixar que isso passe como matéria julgada. Sabemos que a crítica é da democracia, mas a crítica justa, a crítica cabível, e não quando se trata de afirmações que estão tão distantes da verdade, como é o caso da matéria inserta nesse artigo, publicado no Jornal O Estado de S. Paulo de ontem.
Outro assunto me traz à tribuna, Sr. Presidente.
Na última sexta-feira, 3 de novembro, comemorou-se data muito significativa para a nossa sociedade. Mais especificamente, para a mulher brasileira.
Foi num 3 de novembro, possivelmente não imprensado entre dois dias sem expediente na administração pública, que a mulher conquistou o direito ao voto no Brasil.
Vivia-se, à época, sob o manto do Código Civil Brasileiro, de 1917, que refletiu o status da mulher na sociedade de então. Considerada relativamente incapaz, ela não podia cuidar, pelos próprios meios, de seus direitos fundamentais. Precisava de protetores.
Solteira, tinha no pai o guardião de sua honestidade. Casada, mudava de tutor. O marido cuidava dela. Nada mais certo, nesse contexto, que o homem escolhesse por ela. Afinal, quem não era capaz de se administrar poderia escolher o administrador do país?
Os tempos mudaram. O país se urbanizou. A mulher foi às urnas. Saiu de casa. Disputou vaga na universidade e no mercado de trabalho. Hoje, 60% dos que concluem o curso superior são mulheres e 30% delas exercem atividade fora do lar.
O Código Civil foi alterado. Os tribunais estão povoados de magistradas, o Congresso Nacional abriga três dezenas de deputadas e cinco senadoras, há ministras no primeiro escalão, as universidades preenchem 52% de suas vagas com alunas.
O mercado de trabalho se abriu. Redutos tradicionalmente masculinos passaram a admitir mulheres em seus quadros. É o caso do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, do Corpo de Bombeiros e, mais recentemente, da Academia Militar. O que significa que, num futuro bem próximo, teremos mulher general.
Sr. Presidente, Srs. Senadores, tudo azul, então? O céu de brigadeiro cobre os oito milhões e meio de quilômetros quadrados deste país tropical? Claro que não.
Existe em nosso país, Sr. Presidente, profundas contradições. Uma delas refere-se à mulher. E vai além do simples exercício de direitos políticos, trabalhistas ou civis. Falo na crença , baseada em fatores biológicos, da inferioridade natural do feminino.
Segundo ela, homens e mulheres estariam predeterminados a cumprir papéis definidos. Ao homem estaria destinado o mundo externo; à mulher, o interno. Essa diferenciação mascara uma hierarquia que privilegia o sexo masculino.
Ora, com as sucessivas conquistas da mulher, poucos ousam defender abertamente essa pseudo-superioridade. Mas ela aparece sob forma disfarçada na música popular, nos meios de comunicação de massa, nos livros didáticos.
Abra-se, por curiosidade, o Dicionário Aurélio. Que acepções figuram no verbete mulher? Mulher à-toa, mulher da comédia, mulher da rótula, mulher da vida, mulher da zona, mulher de má nota, mulher de ponta de rua, mulher do mundo, mulher perdida, mulher vadia, mulher pública.
E o verbete homem o que diz? Homem de aço, homem de bem, homem de Deus, homem de empresa, homem de espírito, homem de estado, homem de letras, homem de negócios, homem de prol, homem de leme.
O Dicionário de Citações Nova Fronteira, de Paulo Rónai, não fica atrás. De 51 citações coligidas através dos tempos, uma -- apenas uma, Sr. Presidente, -- não é discriminatória. Aparece no livro Amor e Ironia, de Lin Yutang. Cito-a por traduzir também meu ponto de vista:
"...as mulheres são seres humanos exatamente como os homens _ iguais na capacidade de julgar e de cometer erros se lhes derdes a mesma experiência do mundo e os mesmos contatos com este; na capacidade de realizar trabalho eficaz, de conservar a cabeça fresca, se lhes derdes o mesmo treino nos negócios; no descortino social se não as trancardes em casa; e, finalmente, na capacidade de governar, pois, se as mulheres governassem o mundo, não poderiam talvez estabelecer maior confusão nele do que o fizeram os homens na Europa atual. "
Paradoxalmente, Sr. Presidente, a mulher tem sido a grande reprodutora da discriminação. E isso, como já disse, tem raízes culturais. Os papéis de mãe, professora, enfermeira, considerados extensão do mundo feminino, são exercidos predominantemente por mulheres.
É necessário que as novas gerações sejam preparadas para viver num mundo em que mulher e homem sejam iguais. A mãe não deve transmitir a cultura machista ao filho; a professora tem que deixar de exigir brilho e competição do aluno e bom comportamento e elegância da aluna; a enfermeira precisa deixar que homens e mulheres chorem, esquecendo-se de que aprendera que "só homem chora".
As mudanças virão com certeza. Mas não por meio de leis, nem órgãos feministas, nem homenagens discriminatórias. Pela mulher. Mas com a efetiva atuação das elites _ a mulher entre elas _ realmente interessadas em fixar a mulher como ela é.
Sem distorções para mais ou para menos. A supermulher está fora de moda. A coitadinha também. O que há é um ser humano igualzinho ao homem. A própria mulher que o diga. E o faça.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.