Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO ENCONTRO DE PRESIDENTES DE PARTIDOS POLITICOS DA AMERICA, REALIZADO NO CHILE.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO ENCONTRO DE PRESIDENTES DE PARTIDOS POLITICOS DA AMERICA, REALIZADO NO CHILE.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Bernardo Cabral, Esperidião Amin, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/1995 - Página 2316
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE.
  • ANALISE, DEMOCRACIA, PROCESSO, APERFEIÇOAMENTO, PERMANENCIA, ALTERAÇÃO, PODER, EXISTENCIA, ORGANIZAÇÃO, EFICIENCIA, PARTIDO POLITICO.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, participei, há pouco mais de um mês, de um conclave, no Chile, que reuniu presidentes de partidos de todas as Américas, e para lá levei uma reflexão que gostaria de compartir com o Senado da República, já que o tema ali debatido era a representatividade dos partidos políticos em toda a América.

            Constatei que os problemas existentes no Brasil são muito próximos dos problemas existentes em outros países e em outros partidos.

            O principal aspecto da crise de representatividade dos partidos políticos, pelo menos no caso do Brasil, prende-se a alguns pontos bastante claros.

            1) A inexistência de democratização interna na vida partidária.

            2) A inadequação da retórica política às mudanças havidas nas formas contemporâneas da comunicação.

            3) A falta de compreensão de que o tema político não se esgota no tema econômico, nas questões sociais e administrativas.

            Quanto ao primeiro ponto, a inexistência de democratização interna na vida partidária, desejo dizer que os partidos políticos vivem constante tensão interna: seus membros lutam entre si por espaço de poder partidário, o que os afasta e, ao mesmo tempo, os une no plano externo na defesa da sua agremiação.

            Este processo, que está ligado à luta pelo poder, promove a tentativa de domínio dos organismos regionais dos partidos pelo maior número de filiações ou por formas artificiais, embora legalmente válidas, de garantir mais votos nas convenções partidárias. Este processo é de certa forma autoritário e cartorial, impedindo a plena democratização da base partidária. Quando os espaços de poder na base partidária são disputados dessa maneira, o resultado jamais atende a uma evolução natural da vida partidária. Tem-se, então, um vício de formação na base, que dificulta a ação do partido de modo livre na comunidade, dificultando também a entrada de novos quadros, seja porque não obterão espaço, seja porque quem domina a base usa de recursos para impedir a entrada de novos quadros que ameacem a sua hegemonia interna. É o que no Brasil chamamos de caráter cartorial da atividade política nas bases partidárias.

            A baixa representatividade obtida em função desse processo empurra os dirigentes partidários nacionais para uma tendência igualmente perigosa, da qual não conseguimos escapar: a de não abrir o partido e as decisões para a base, temendo a má qualidade de suas propostas. Os partidos tornam-se, então, órgãos centralizados a decidir pelas cúpulas, e estas passam a contar com sólidos argumentos para não permitir a democratização interna. Essa concentração de poderes e centralização de autoridade, mesmo quando realizada por quadros competentes, transforma os partidos em órgãos de baixa mobilidade interna, eternizando os seus dirigentes e as suas cúpulas. O poder partidário apenas troca de mãos entre os membros de suas elites dominantes.

            O processo de baixa representatividade dos partidos começa, pois, por vícios nas suas bases e se prolonga na cúpula pelas razões expostas. O resultado é a estagnação e um grande conservadorismo de comportamento, além da exagerada concentração de poder nas cúpulas, nas comissões executivas e o baixo teor de exercício democrático interno.

            O segundo ponto é o que chamei de "a inadequação da retórica política às mudanças havidas nas formas contemporâneas da comunicação."

            A velocidade da evolução dos meios de comunicação e dos processos por estes utilizados tomou de surpresa a retórica política desde a década de 50 até hoje. Gerou-se um conflito de retóricas. Enquanto a comunicação contemporânea exercita no seu discurso elementos como a sintetização, a simplificação e a massificação, a retórica política ainda guarda o tom solene e grandiloqüente dos discursos com predomínio das palavras sobre a significação. No discurso político as ênfases e a dramatização das vozes ainda se dão como foram necessárias em épocas anteriores ao microfone, aos amplificadores e às câmeras de televisão, a dar closes em quem fala. Dificilmente a retórica política tradicional (mas habitual) ajusta-se às formas eficazes da fala radiofônica ou da fala televisual. Este fato de imediato conota a fala política com o antigo, o superado, promovendo uma resistência a priori por parte do público.

            Ademais, existe uma limitação de temas que, nada obstante a sua importância, esgotam o seu universo de conhecimento na própria classe política, chegando ao grande público com uma linguagem que a este parece cifrada, portanto semi-inteligível, ou mesmo ininteligível.

            Na sociedade latejam correntes culturais ascendentes que são a emersão de temas oriundos dos embates da sociedade em suas profundezes sociopsicológicas e que, em determinado momento, cristalizam-se e sobem ao conhecimento médio das pessoas, tornando-se temas comuns. Nem sempre, ou quase nunca, tais temas são devidamente percebidos pela própria classe política, que insiste na repetição de assuntos de sempre, nada obstante a sua importância, como: a economia do País, a eterna luta de oposição versus governo, o denuncismo, os ataques pessoais, a tentativa de pilhar o adversário em contradições, a polarização, a ausência de análises e do exercício dialético trocados por afirmações peremptórias destinadas muito mais a agradar segmentos da população do que a descobrir a verdade e impulsionar efetivamente o País para frente. Enquanto tal processo se dá na retórica política, as correntes culturais ascendentes espoucam e atraem muito mais gente para o seu estudo, a sua análise, a sua apreciação e os seus debates. Cito, por exemplo, a questão do meio ambiente. Somente uns dez anos depos de seu surgimento como corrente cultural ascendente, a política a compreendeu e trouxe-a para o seu debate. Na mesma linha, hoje, uma série de temas ligados à mais poderosa dentre todas as correntes culturais ascendentes da contemporaneidade, que é a pós-modernidade, não vêm sendo compreendidos pela retórica, pelo discurso e pelo debate político.

            A pós-modernidade traz a necessidade de algumas articulações, por exemplo: entre a economia e o direito; entre a democracia representativa e as formas diretas (tanto as formas de democracia participativa como as formas absenteístas que pregam o completo desligamento da sociedade e de suas instituições); entre a eficácia dos sistemas e a felicidade individual; entre a racionalidade pragmática e a criatividade desvinculada de sistemas e alheia a conflitos ideológicos; entre a já citada retórica tradicional e as novas falas; entre o discurso político e o discurso artístico; entre o socialismo não estatizante e o capitalismo não explorador; entre a política partidária e a política comunitária; entre os poderes legalmente constituídos e a mídia que com eles disputa o poder; entre a construção de uma sociedade material poderosa e os objetivos prazenteiros da cultura; entre a competência e a solidariedade.

            Esses são apenas alguns exemplos de correntes culturais ascendentes que surgem sob a aparência de conflitos e latejam na sociedade, porém nem sempre refluem para o discurso político, o que o afasta da vivência real de segmentos majoritários da sociedade. Sem a articulação entre essas aparentes polarizações dualistas, os partidos políticos não obterão a expansão de sua representatividade.

            O terceiro tema é a a falta de compreensão de que o tema político não se esgota no tema econômico, nas questões sociais e administrativas. 

            A compreensão proposta no tema insere-se no que já foi chamado de "a gestão da incerteza". A "gestão da incerteza" significa trabalhar com o caráter permanentemente incerto e com grandes graus de obscuridade das citadas correntes culturais ascendentes antes que estas, uma vez vindas à tona, proclamem a sua clareza. Assim, há temas que não podem ficar alheios ao conhecimento e à prática dos partidos políticos ao lado, é claro, das chamadas necessidades concretas de modernização e reformas. Estes temas estão entre alguns dos principais impasses existenciais da contemporaneidade como, entre outros: o problema do primado do homem sobre os fatores materiais da sociedade; do espírito sobre a exacerbação materialista decorrente do processo de desenvolvimento industrial, que, por sua vez, domina os conteúdos da comunicação de massas; da arte e do pensamento sobre a técnica numa fase da existência em que a técnica se apropria da arte e do pensamento, deixando pouco espaço para a expansão individual de arte e pensamento; do conflito entre questões concretas, como, por exemplo, uma tendência irreversível da mundialização econômica que não signifique, apenas por isso, adesão ao imperialismo econômico e sim o seu oposto; a existência de um processo de competição necessário mas que não se transforme no esmagamento dos fracos e das minorias e sim na forma de promover o pluralismo cultural, comportamental e econômico, vale dizer em formas novas de solidariedade; uma busca da dimensão transcendente da vida que não esbarre em imposições ditatoriais das sociedades materiais e pragmáticas por um lado e nas prisões dogmáticas existentes no território de algumas religiões, vale dizer: nas guerras religiosas.

            A grande dificuldade de os partidos políticos enfrentarem estes temas na América Latina está em que nossos países nem bem chegaram à modernidade e já se acham frente a problemas da pós-modernidade. Nessa linha de raciocínio defrontam-se ainda os partidos políticos com um novo instituto informal da contemporaneidade: o que já foi chamado de "soberania difusa". Falo mais claro: em pleno apogeu do Estado-Nação, fortalecido no século XX, o fim da guerra fria, a existência crescente de capitais disponíveis, a expansão da tecnologia e das comunicações criam novas formas de compreender a soberania não mais como algo confinado estritamente dentro dos limites de cada Estado, mas algo comum a cada indivíduo: a soberania da liberdade individual operando dentro dos macrossistemas. Assim, cabe à política enfrentar e compreender impactos poderosos como: decisões macroeconômicas fora do âmbito de cada país; decisões científico-tecnológicas transnacionais; processo de comunicação em evolução vertiginosa, globalizante, com a substituição do átomo pelo bit eletrônico a propiciar inusitadas possibilidades para o indivíduo, por cima e além dos limites do Estado-Nação dentro do qual ele nasceu e formou a maioria dos seus conceitos.

            Conclusão: Democracia é a tentativa constante de regeneração de suas definitivas imperfeições. É, portanto, um processo de aperfeiçoamento permanente, razão pela qual é o sistema superior de organização da sociedade. A base da democracia consiste na alternância no poder, no voto livre e igualitário e na existência de partidos políticos organizados e eficazes. Sem eles, o processo democrático jamais encontrará suas melhores dimensões.

            Partidos políticos organizados, porém, não são tão-somente os que obedecem às formalidades das leis partidária e eleitoral. Resultam, isto sim, de longa maturação e gradual desenvolvimento que se baseiam na existência de programas consentâneos com a realidade histórica do País, na sanção popular pelo voto e na democracia interna e seus procedimentos.

            A maioria dos partidos brasileiros não consegue níveis crescentes de democracia interna. Em conseqüência, o Brasil não tem partidos efetivamente organizados e sem estes a democracia encontra dificuldade para se afirmar e expandir.

            A reestruturação partidária brasileira, para ser eficaz, precisaria determinar de modo mais rígido duas obrigações: primeiro, permitir a existência de quantos partidos se organizem na forma da lei, mas dar representatividade para vários atos da vida pública apenas aos que obtenham significativo respaldo na opinião pública; segundo, dar precedência aos mecanismos de democracia interna, sem os quais nossos partidos continuarão a ser dominados pelas cúpulas, por oligarquias internas, "cartórios" estruturados nos diretórios regionais, zonais, etc, ou mesmo, como ainda ocorre, principalmente no seio do populismo, dominados por pessoas.

            Ao primeiro ponto, a existência de quantos partidos se organizem na forma da lei, mas representatividade apenas para que obtenham significativo respaldo, a Lei dos Partidos atendeu em parte; ao segundo ponto, a precedência aos mecanismos de democracia interna, não.

            Apesar dos avanços nela configurados ou em função deles, os partidos precisam ainda conseguir: fidelidade partidária; bancadas subordinadas ao programa partidário; programas partidários cumpridos e obedecidos; qualidade ética, cultural e política dos quadros militantes, dirigentes e parlamentares; aproximação da sociedade em sua pluralidade para melhor representá-la; existência de conselhos de ética em permanente funcionamento, para garantir a disciplina partidária; atividade de departamentos culturais, artísticos, de juventude, terceira idade, centros de estudo e debate; exercício de relação aberta e pública com suas fontes financiadoras; formação de quadros militantes, dirigentes e parlamentares com regularidade e fora da época estrita das eleições; abertura para a participação em tema extra-políticos, mas que mobilizam a sociedade, como os artísticos, os humanos, culturais, religiosos e comunitários em geral.

            Ser, em suma, a mais completa, elevada e preparada dentre as atividades de aglutinação de pessoas com vocação para o serviço e a vida pública, sem o que nossa incipiente democracia continuará claudicante e insegura.

            O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço o nobre Senador Bernardo Cabral.

            O Sr. Bernardo Cabral - Senador Artur da Távola, tive o prazer de conhecê-lo como Deputado Paulo Monteiro de Barros e, depois da cassação do seu mandato e do meu - o que nos obrigou a uma diáspora e que ao cabo cedeu lugar a um reencontro -, encontro V. Exª como Artur da Távola e continuo verificando em V. Exª a mesma linearidade política. V. Exª escolheu bem a quarta-feira para ir à tribuna. É um dia em que normalmente o plenário está cheio, o que, infelizmente, hoje, não ocorreu. Todavia, o discurso de V. Exª deverá, sem dúvida alguma, ser transformado numa plaquete e ser distribuída entre todos os Congressistas, não apenas aos Senadores, porque encerra uma lição de ética política. Os partidos brasileiros não conseguem ter o lugar que deveriam no nosso cenário porque alguns dos seus integrantes estão muito mais voltados para suas ambições pessoais do que para os interesses coletivos. A partir daí começam a fundar siglas de aluguel, onde não se vê fidelidade partidária, cumprimento de programa, respeito à atuação daqueles que exigem seriedade, alguns que, às vezes, fazem do seu mandato caminhos para propostas inconfessáveis - e o Senador Antônio Carlos Magalhães conhece-os bem. De modo que, esta tarde, V. Exª traz um perfil cujo fundamento, inclusive, é recente na Alemanha. Ao Partido Verde, na Alemanha, apesar de ter feito um sem-número de cadeiras, faltaram duas para ter representatividade; com isso, perdeu todos os assentos que havia conquistado. Essa representatividade é a pedra de toque que V. Exª aborda nesse denso e oportuno pronunciamento. Lamento não dispor de uma liderança de partido para dizer que acoplaria todo esse partido ao pronunciamento de V. Exª, para parabenizá-lo.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

            Nesse tempo de Presidência do PSDB, venho anotando observações.

            O Sr. Bernardo Cabral - Desculpe interromper, gostaria apenas de deixar registrado que mencionei o nome do Senador Antonio Carlos Magalhães porque, ainda hoje, S. Exª recebeu proposta a qual repeliu veementemente na minha frente; por isso quero que fique perfeito o registro.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Na observação por dentro da organização partidária, creio que seria interessante um debate entre os próprios partidos brasileiros sobre as causas pelas quais aparece um rechaço tão grande, na sociedade, à atividade parlamentar, política e partidária.

            O que pretendi dizer com esta fala foi que o surgimento de elementos inteiramente inortodoxos na sociedade, que chamei de correntes culturais ascendentes, gerou formas de aglutinação política que não são formas de aglutinação político-partidárias que se dão na sociedade, mas, de certo modo, divorciadas da ação política, ou, ao revés, a ação política não está suficientemente dúctil, ampla, aberta para estender-se em direções além daquelas em que tradicionalmente se estendeu, normalmente em direção à Economia, ao Direito, às questões sociais e às questões administrativas.

            Emerge, por exemplo, no mundo de hoje, uma problemática comportamental que tem força política, porque tem a ver diretamente com a vida das sociedades, com a vida das pessoas, com o dia-a-dia, não apenas o primo vivere deinde philosophare, ou seja, a obtenção do pão, que é base, sobretudo num país como o Brasil - e nós todos sabemos disso -, mas essa revolução do comportamento nas últimas décadas do século XX tem trazido uma série de fatores à discussão, que estão sendo debatidos diariamente nas esquinas, nas universidades, nos meios de comunicação, e que não encontram no foro político ainda o adequado local da repercussão do debate, presos que estamos todos às formas tradicionais da retórica política tradicional.

            A minha observação, como Presidente do Partido, da vida partidária - não livrando dessa observação nem o meu Partido, porque não estou aqui para fazer uma exaltação do meu Partido, estou tentando fazer uma análise - está no fato de que também os partidos se organizam muito em torno das suas oligarquias - vamos chamar oligarquias ou cartórios estaduais, regionais e até zonais, nos quais a própria liberdade de associação muitas vezes fica dificultada, pelo fato de que, cumprindo as determinações da lei, certos diretórios zonais são fechados à entrada de novos quadros.

            Que partido brasileiro, talvez à exceção de um ou dois, possui núcleos de juventude suficientemente desenvolvidos? Que partidos brasileiros estão a compreender que hoje há um recrudescimento do sentimento religioso na sociedade e que precisa efetivamente ser reconhecido, estudado, compreendido, amplificado para a ação, para o discurso político? Que partido brasileiro considera que o campo artístico é hoje um campo onde se dão debates muito mais intensos de assuntos políticos do que os próprios partidos políticos, às vezes, tão fechados e aprisionados que estão na sua questiúncula partidária, no seu gueto interno, na sua dificuldade de abertura para novos tempos?

            Portanto, esse discurso, que tive oportunidade de fazer em uma reunião internacional, faço-o na minha Casa no sentido de uma convocação para os partidos políticos. Cheguei até, em algumas reuniões com alguns presidentes de partido, inclusive com o ilustre Senador Esperidião Amin, a propor que fizéssemos uma reunião de partidos políticos para um ou dois dias de análise profunda das causas pelas quais há uma baixa representatividade dos partidos políticos, em que pese a qualidade de quadros políticos. Isso, evidentemente, não está em discussão, pois todos os partidos políticos são compostos por quadros políticos qualificados. Contudo, quem acompanhar a média da vida político-partidária do País verificará a enorme dificuldade que, como instituição, como organismo institucional da sociedade, o partido tem para se organizar, crescer e debater. O resultado é que acaba havendo uma seleção natural pelas cúpulas que formam uma determinada elite. E é em torno exclusivamente dessa elite, a mais qualificada possível, não nego, que se dá o debate político. Mas, para que o debate político se aprofundasse num país continental como o Brasil, era necessário que ele se pudesse fazer nas bases. E o desafio de encontrar esse caminho é o desafio de tentar fazer o crescimento da representatividade dos partidos políticos.

            Isso, a meu juízo, é problema de todos os partidos políticos. De modo que convoco desta tribuna os demais partidos para que nos juntemos numa reflexão sobre a matéria.

            O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Artur da Távola?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Pois não, nobre Senador Josaphat Marinho.

            O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador Artur da Távola, as ponderações que acaba de fazer geram múltiplas observações que não caberiam todas num aparte. Mas, em primeiro lugar, eu queria salientar, e para louvar, a sua conclusão: a de reconhecer a impropriedade ou a inadequação de funcionamento dos partidos políticos, mas, não obstante isso, admitir que são os melhores instrumentos para o exercício da vida política, da vida pública. Apesar da formação de organizações diversas, na verdade, elas não desempenham o papel político que só os partidos podem alcançar.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - É verdade.

            O Sr. Josaphat Marinho - Em segundo lugar, observar que nossos defeitos resultam muito da falta de prática de determinadas medidas na vida dos partidos. Para dar um exemplo, quando cessou a ditadura Vargas, e se organizaram os partidos políticos, eu integrei a UDN. A UDN começou a funcionar democraticamente. Lembro-me - e o Senador Antonio Carlos Magalhães era ainda muito jovem na época, entretanto há de lembrar-se - de que uma convenção da UDN era uma disputa entre as correntes que a integravam para a conquista do lugar a candidato. Era uma luta democrática. Por uma ou duas vezes, isso foi feito; depois passou ao regime do comando dos grupos. A outra grande falta é esta: a dos partidos não discutirem internamente os problemas nacionais. Parece que os partidos têm cerimônia de serem acusados de organizações teóricas ou não acreditam no debate dos problemas que estão se realizando nessas outras organizações, que, por sua vez, pregam o desconhecimento dos partidos ou a desconsideração deles. São duas observações que eu queria fazer à margem do seu lúcido pronunciamento, para exatamente ir ao encontro do seu ponto de vista, no sentido de que ou os partidos revêem sua estrutura e seu estilo de funcionamento, ou podem efetivamente perder qualquer parcela de comando da opinião pública. Não obstante criados para serem instrumentos senão de organização pelo menos de orientação da opinião pública, não estão desempenhando esse papel.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA- Perfeito, Senador Josaphat Marinho. Não tenho nada a dizer senão concordar integralmente com V. Exª e agradecer o aparte.

            O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço V. Exª com muito prazer.

            O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Senador Artur da Távola, primeiro louvo o discurso de V. Exª, como já é do nosso hábito, pois quando V. Exª vai à tribuna, sempre pronuncia discursos competentes, como é do seu feitio. Segundo, temos que confessar, talvez devido à nossa cultura, há um choque nos partidos entre a vontade eleitoral e a qualidade da formação das chapas, dos quadros. Então, os quadros, às vezes, conflitam com os resultados que se deseja eleitoralmente. E ao que se referiu o Senador Josaphat Marinho, vai também do número que, evidentemente, os partidos têm de candidatos - e se aumenta cada dia o número de candidatos, visando fortalecerem-se as chapas -, conseqüentemente a disputa se torna menos necessária e mais fácil o ingresso dos candidatos, sem que a escolha se torne mais seletiva. Esse é um dos pontos para a qualidade. Por outro lado, a reforma eleitoral - que sei que todos nós pregamos que é indispensável que surja - há de mostrar que já está havendo, por força da vontade do eleitor, uma parte do voto distrital, porque muitos dos que vêm para aqui já representam áreas do eleitorado e, como tal, se isso é uma realidade, poderíamos fazer o distrital misto, para que pudéssemos não apenas ter a qualidade do voto distrital, como também a qualidade intelectual e cultural indispensável para o êxito dos partidos políticos que querem bem servir ao País. Sem partido político forte, bem preparado e culto, não há democracia. Essa é basicamente a tese que V. Exª defende com muito brilho, como é de seu hábito. Portanto, deveremos fortalecer os partidos políticos. Evidentemente, isso passa, em primeiro lugar, pelo exercício pleno da democracia, o qual exige a sua prática. Temos que consertar vários de seus efeitos na nossa pregação e com o nosso exemplo. Daí porque, muitas vezes, nós, que aqui estamos no Congresso Nacional, temos que ser exemplos, para tenhamos força no sentido de fazer uma legislação consentânea com os desejos do País, mas sobretudo com a coragem de não fazê-la demagogicamente. Nesse ponto, admiro muito V. Exª, que, com o seu espírito público, tem demonstrado, aqui no Plenário e nas Comissões, os seus pontos de vista, algumas vezes contrariando interesses e enfrentando obstáculos. Mas V. Exª sempre coloca o seu ponto de vista, que, no meu entender, é o mais condizente com o interesse público. Se não tivermos coragem de fazer aquilo que é o melhor para o País, não vamos consertar, inclusive a legislação eleitoral, que V. Exª como todos nós desejamos.

            O SR. ARTHUR DA TÁVOLA - Muito obrigado, Senador. O seu aparte também me honra muito, e V. Exª toca em alguns pontos vitais dessa questão, com a experiência que tem.

            V. Exª falou na responsabilidade que têm os partidos na escolha dos quadros - aliás, matéria levantada de início pelo Senador Josaphat Marinho - que vão concorrer, desde o quadro de vereador até os quadros mais competentes. Há, realmente, uma corrida por quadros que sejam qualificados eleitoralmente, e quase sempre isso é intuitivo nos partidos, porque não se pode ter clara consciência, em 100 ou 200 candidatos, de quais têm as condições eleitorais, em detrimento de outras características de natureza qualitativa.

            Mas por que ocorre esse fenômeno que deslustra um pouco o processo eleitoral? Porque, por uma razão citada no meu discurso e enfatizada pelo Senador Josaphat Marinho, os partidos políticos não conseguem abrir as suas bases a um debate. E, agora, o pior: quando abrem, a política não está a atrair quadros qualificados em número suficiente para que o debate das bases se torne um debate eloqüente. E, ao invés de termos bases geradoras de pensamento político, temos bases que se fecham cartorialmente. Por sua vez, elas acabam até tendo uma justificativa, porque não há a procura de quadros qualificados e, quando há a procura, as bases muitas vezes vedam o acesso desses novos segmentos à vida política, gerando um grau de pouca mobilidade dentro dos partidos políticos e de poucas aquisições.

            Por outro lado, na medida em que a política abrir a sua temática, como propõe, ao debate de assuntos que são da sociedade, que são correntes culturais ascendentes, possivelmente, também serão atraídos para ela outros quadros. Mas é preciso que a mecânica partidária permita a entrada. 

            Então, temos o fenômeno que V. Exª aponta: o da dificuldade de encontrar quadros em número suficiente para compor um elenco. Nesse sentido, tem razão de novo V. Exª quando propõe - e o nosso partido também está plenamente de acordo com isso - o sistema distrital misto, porque ele configura e garante o voto regional, o voto da localidade, o voto adstrito - sem trocadilho - ao distrito e, ao mesmo tempo, permite a lista partidária, onde os partidos têm ou teriam a oportunidade de colocar quadros suficientemente qualificados, muitas vezes sem perspectiva eleitoral, mas que, com o voto partidário, com o voto no partido, efetivamente, poderão vir ao Parlamento, o que enriqueceria enormemente a vida parlamentar no Brasil.

            O Sr. Josaphat Marinho - Permite V. Exª um aparte?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Josaphat Marinho - Dentro desse debate que estamos travando há um fator, nem sempre lembrado, que é importante considerar. Muitos dos erros que marcam a vida dos nossos partidos decorrem da instabilidade ou da falta de continuidade das organizações partidárias. É verdade que essa falta de continuidade não resulta propriamente da vontade dos políticos, mas da superveniência que temos experimentado de regimes de força.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - V. Exª fala da falta de continuidade no tempo?

            O Sr. Josaphat Marinho - Sim. Esta falta de continuidade decorrente disso: de regimes discricionários que interceptam a vida pública e, quando se restabelece a democracia entre nós, quase sempre é com novas agremiações. Os partidos não formam tradição.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - É verdade. Além disso, o número de quadros efetivamente maduros que vêm aos partidos diminui e, evidentemente, o círculo vicioso prossegue.

            O Sr. Esperidião Amin - Permite V. Ex ª um aparte?

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Esperidião Amin - Não poderia deixar passar essa oportunidade sem participar, com um aparte, desse pronunciamento que V. Exª faz e que enriquece, sem dúvida, o debate político e institucional do Senado Federal. Tenho tido o privilégio de debater com V. Exª e de questionar o momento por que passam os partidos políticos não apenas no Brasil, mas principalmente no Brasil, na América Latina. V. Exª, com felicidade, demarcou nessa área a dimensão do nosso desafio quando apresentou, no seu pronunciamento, que mal e mal alcançamos, da maneira menos eqüitativa que se conhece, da maneira mais desbalanceada que o mundo conhece, a modernidade e defrontamo-nos com problemas da pós-modernidade. Estamos chegando à modernidade com um desequilíbrio talvez sem paralelo no mundo. É um desequilíbrio chocante, vergonhoso, que mostra a nossa incompetência como sociedade para enfrentar a causa, não única, mas a mais corrosiva que existe para a própria democracia, porque não há causa mais corrosiva em relação à democracia do que o desequilíbrio social, o desequilíbrio econômico e as questões regionais, que vão tornando cada vez mais difícil a construção de um projeto nacional. Este vai ficando mais disponível para quem tem a força - não a partidária ou política - para se instrumentar no sentido de vir a concretizá-lo. Quero congratular-me com V. Exª. Não estou inovando ao dizer que sou seu admirador pessoal. Conheço o seu trabalho e o admiro; tenho respeito pela postura ética de V. Exª não apenas como homem público, mas como Presidente de um partido. Sei que V. Exª é daqueles que preconizam o crescimento qualitativo dos quadros partidários, e não o quantitativo ou estatístico, como tantos açodadamente imaginam que deva ser, no marco a ser atingido numa carreira ou corrida política. Por tudo isso, entendo que estas colocações que V. Exª faz constituem-se numa grande contribuição que deve desdobrar-se, Senador Artur da Távola. Permito-me rememorar o encontro que tivemos com alguns Presidentes de partido que a ele puderam acorrer, na busca da capacidade de diálogo entre os partidos, porque o amadurecimento do processo político pela via partidária no Brasil não depende só de uma sigla, não está sujeito ao PSDB, ao PTB, ao PFL ou aos demais Partidos. Depende de um amadurecimento coletivo para que haja uma evolução nos valores dos partidos, dos programas e das atitudes. É esse o sentimento do meu aparte, congratular-me com V. Exª e esperar que esse discurso seja apenas uma etapa nessa busca que faz parte do objetivo de V. Exª - o que me torna seu aliado -, que é o de contribuir para o amadurecimento do processo político e partidário no nosso País, que vive, em condições muito localizadas, um desafio em todo o mundo.

            O SR. ARTUR DA TÁVOLA - Agradeço a V. Exª pelo aparte com que me honrou e que, também, iluminou o debate.

            O nobre Senador toca nesse ponto crucial da questão dos partidos políticos, o de que nem bem atingimos a modernidade ou, se a atingimos, é em segmentos da vida brasileira, já se nos defrontam os problemas da pós-modernidade, que são questões mundiais, decorrentes do avanço da tecnologia, da ciência, da comunicação e que são novos, inusitados, de certa maneira tomando a própria classe política de surpresa, porque colocam novas questões para as quais as formas tradicionais do comportamento político não estavam preparadas.

            No caso brasileiro, e veja como V. Exª tem razão, nos defrontamos ainda com uma dificuldade maior, porque se chegamos pelos segmentos avançados da sociedade à modernidade, na sociedade como um todo ainda temos segmentos pré-modernos e, se formos um pouco mais fundo, temos algumas estruturas semifeudais de organização da vida.

            Então, essa convivência múltipla no Brasil, de quatro estágios, que poderiam corresponder a uma Biafra, a uma Bangladesh, a uma república sul-americana e a um país de Primeiro Mundo é que formam o grande desafio da atividade política, sobretudo para nós legisladores. Legislamos para quem? Para qual dessas quatro realidades, já que a lei é uma só e tem que atingir verdadeiros estamentos sociais completamente diferentes e antagônicos em seus interesses e nas suas dinâmicas internas?

            Então, o grande esforço da atual geração política do Brasil é justamente o de compatibilizar essa complexidade. Convenhamos, uma das tarefas mais difíceis que podem existir sobre seres políticos. O que é muito diferente da atividade de políticos em países de equilíbrio social e econômico, com um grau bastante grande de distributivismo, de igualdade diante da educação, diante da saúde, etc, nos quais os legisladores tenham a se defrontar apenas com problemas que são mais ou menos comuns à média da sociedade. Nós não. Nós temos que nos defrontar com problemas diametralmente opostos, com estágios mentais, com estágios de desenvolvimento absolutamente antagônicos.

            De modo que, Sr. Presidente, agradecendo o tempo, concluo a dizer que se todos os discursos devem acabar com um gran finale, não pode haver gran finale maior para um discurso do que os apartes dos Senadores Bernardo Cabral, Josaphat Marinho, Antonio Carlos Magalhães e Esperidião Amin.

            Muito obrigado a V. Exª e aos Senadores pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/1995 - Página 2316