Discurso no Senado Federal

OFICIO DO DR. ROMULO JOSE FERNANDES DA SILVA, JUIZ DE DIREITO DE TABATINGA (AM), SOLICITANDO O EMPRESTIMO DAS INSTALAÇÕES DA ANTIGA COBAL NO MUNICIPIO, EM FACE DAS CONDIÇÕES PRECARIAS DE FUNCIONAMENTO DO FORUM DA JUSTIÇA LOCAL. A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO BRASIL.

Autor
Bernardo Cabral (S/PARTIDO - Sem Partido/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. REFORMA AGRARIA.:
  • OFICIO DO DR. ROMULO JOSE FERNANDES DA SILVA, JUIZ DE DIREITO DE TABATINGA (AM), SOLICITANDO O EMPRESTIMO DAS INSTALAÇÕES DA ANTIGA COBAL NO MUNICIPIO, EM FACE DAS CONDIÇÕES PRECARIAS DE FUNCIONAMENTO DO FORUM DA JUSTIÇA LOCAL. A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA NO BRASIL.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Elcio Alvares.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/1995 - Página 2297
Assunto
Outros > JUDICIARIO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • LEITURA, OFICIO, ROMULO JOSE FERNANDES DA SILVA, JUIZ DE DIREITO, MUNICIPIO, TABATINGA (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), SOLICITAÇÃO, CESSÃO, EDIFICIO, PROPRIEDADE, COMPANHIA BRASILEIRA DE ALIMENTOS (COBAL), FUNCIONAMENTO, FORUM, LOCALIDADE.
  • NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, INTEGRIDADE, JUDICIARIO, PROMOÇÃO, JUSTIÇA, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO, DEMOCRACIA, PAIS.
  • APREENSÃO, TRATAMENTO, GOVERNO FEDERAL, LIDER, SEM-TERRA, AGRAVAÇÃO, TENSÃO SOCIAL.

            O SR. BERNARDO CABRAL ( -AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há algumas sessões já tivemos oportunidade, vários Senadores, de abordar esse problema da reforma agrária. Lembro-me de que numa delas eu disse que era preciso que o Governo atentasse para um problema maior, que seria a criação de um líder ou a transformação de uma pessoa em um mártir.

            Procurei dar seqüência à abordagem que fazia, apontando para o que poderia acontecer com a Justiça. Hoje, tomo de um juiz perdido lá no interior do Amazonas o mote para este pronunciamento. De um lado, aquele distante magistrado, e, de outro, o problema que toca de perto a um seu colega de São Paulo.

            O Dr. Rômulo José Fernandes da Silva, juiz de Direito de Tabatinga, Município do Amazonas, faz um ofício dirigido ao Presidente da Companhia Brasileira de Alimentos, COBAL, aos meus cuidados, com este texto:

            "Sr. Presidente,

            Em uma reduzidíssima parte do prédio da Câmara de Vereadores se localiza o Fórum de Justiça de Tabatinga, no qual se acham instaladas e funcionando em precaríssimas condições, as duas varas da Comarca.

            Com certeza o prédio da propriedade dessa r. Instituição, situado na Avenida da Amizade, em Tabatinga, e sem uso há praticamente 05 anos (fotografias juntas), seria uma solução para o problema enfocado, de modo que encarecemos a necessária colaboração de V. Sª no sentido de avaliar a possibilidade de ceder, a título de comodato, o referido prédio a este Juízo.

            Ainda, caso o presente pleito mereça acolhida, desde já assumimos o compromisso de conservar o prédio e de proceder as benfeitorias que se fizerem imprescindíveis à sua utilização."

            Nas fotografias vê-se o supermercado da COBAL abandonado. E um juiz de Direito pede a sua utilização, porque ele trabalha em parte do prédio da Câmara de Vereadores.

            Esta é a primeira humilhação que o Poder Judiciário sofre por todo este País. Não quero sequer, aqui, fazer a defesa do Judiciário, no instante em que seria apropriado. E eu talvez seja um dos poucos que acreditam na Justiça brasileira, porque tive um irmão assassinado aos 27 anos de idade, e ao longo de três julgamentos do júri houve a sentença condenatória feita pela Justiça. Portanto, sou um homem que convive há 40 anos com ela, e quando vejo um juiz pedir ao Presidente de uma instituição um prédio abandonado eu me dou conta das manchetes que hoje são registradas na imprensa brasileira. Algumas delas apenas a título de embasamento para o que pretendo dizer: "A justiça está a serviço dos fazendeiros". Outra: "A justiça serve aos fazendeiros".

            Antigamente, em Bagdá, havia um Califa chamado Almansor. Ele resolveu construir um palácio suntuoso, que fosse tão belo quanto o de Salomão, que era um dos mais conhecidos; queria que fosse revestido de ouro, de jaspe e de mármore. E o seu desejo começou a ser realizado.

            Quando o Califa Almansor se deu conta de que estava quase pronto aquele belo edifício, um grão-vizir seu, homem imediatamente subordinado na hierarquia, percebeu que, à frente daquele belo palácio, fora construída, há centenas de anos, uma choupana - e quem conhece o Médio Oriente sabe que são construídas de pedra -, que estava em ruínas. Ora, ruínas defronte a um palácio suntuoso seria um atestado para os viandantes, para os que ali fossem, de terrível incômodo.

            O grão-vizir, indo àquela casa, propôs ao modesto tecelão que nela morava a compra do casebre caindo aos pedaços. O tecelão, ao ver aquele saco cheio de moedas de ouro - e, quem sabe, a sua independência para o resto da vida - respondeu-lhe: "Não, de forma alguma! Não posso vender essa modesta casinhola. Foi nela que nasci e nela que morreu meu pai".

            O grão-vizir entendeu tratar-se de uma resposta desaforada e exigiu respeito. O modesto artesão disse-lhe então: "Se o Califa e Vossa Majestade quiserem derrubar, façam-no. Mas todos os dias virei aqui sentar nesta pedra, a última que restar, para lamentar a minha tristeza, a minha infelicidade, a minha miséria".

            Quando o Califa Almansor soube da resposta e da idéia que tinha o seu grão-vizir de derrubar a casa, chamou-o e disse-lhe: "De forma nenhuma! Reconstrua o casebre. Faça com que ele tenha condições de morar. Quero que esta minha ordem seja cumprida". E o grão-vizir perguntou: "Mas por que, às suas expensas, vai consertar aquilo que não diz respeito ao reino?" E a resposta do Califa Almansor foi a seguinte: "Quero que os meus netos, quando crescerem, vejam na choupana um exemplo: ao olharem para a choupana, verão o palácio. E os meus netos, quando olharem o palácio, vão repetir o que todos dirão: ´Almansor foi grande.` Mas ao mesmo tempo dirão: ´Foi, sobretudo, justo`".

            Aí reside toda a história. O que adianta a grandeza, de um lado, se não se for justo de outro?

            Por que trago, de um juiz perdido num município tão distante, que faz fronteira com um país estrangeiro, onde, em determinados instantes, até sofremos um processo de desnacionalização, uma história perdida no Médio Oriente, em Bagdá, de um Califa que foi grande, mas, sobretudo, justo? Porque o problema da reforma agrária, para o qual eu chamava a atenção até há bem pouco tempo, que ultrapassa tudo aquilo que se poderia imaginar até há alguns dias, exige, obriga a uma reflexão maior.

            Observem o que isso está a ocasionar - manchete de um jornal de hoje: - "Tensão no campo e no Governo". Logo a seguir, diz: "A prisão de dois líderes do Movimento dos Sem-Terra acirrou as divergências entre o Ministro da Agricultura, Andrade Vieira, e o Presidente do INCRA, Francisco Graziano".

            Isso é de uma gravidade que só quem não tem responsabilidade não se dá conta. No próprio Governo se estabelece uma dissensão entre as pessoas que têm que buscar a reforma agrária - e, até certo, ponto contrariando aquilo que o Presidente da República está interessado em fazer - para desaguar numa análise da imprensa, cujo resultado não se sabe realmente qual é.

            Observem como as coisas se juntam: "Estamos vivendo a abolição da terra e temos uma nova Princesa Isabel". Isso é o outro lado. Depois, há um terceiro lado: um juiz de Marília, que está acuado - o termo é acuado -, declara que não quis os prisioneiros na cidade e determinou que fossem para o Carandiru.

            Essa situação tem que ser analisada em conjunto. Não se pode tomá-la como um fato isolado.

            A Senadora Benedita da Silva aqui se referiu - e o disse bem - a um preceito bíblico, segundo o qual temos que estar unidos para chegarmos a uma conclusão. Não adianta, de um lado, termos uma briga interna no Governo e, de outro, criarmos um mártir, porque é evidente que, na medida em que as provocações forem tomando vulto, no instante, no momento em que ninguém mais segurar essa onda, todos soçobraremos. Não haverá nem vencedores nem vencidos, porque ninguém sabe aonde poderemos chegar, de um lado, com os seguintes fatores complicadores: os fazendeiros que estão se armando - não há como recusar essa verdade -; e de outro, os trabalhadores, que estão desrespeitando as decisões da Justiça - essa é a grande verdade.

            Quem tem razão? Depois que tivermos alguns cadáveres tomando conta disso tudo, a quem se imputará a culpa, a quem se dará razão?

            Quando da tribuna do Senado, há cerca de um mês, eu disse que era o momento azado para que tomássemos medidas no sentido de, reunidos - lideranças de um lado, Presidência da República do outro -, apontarmos os caminhos e indicarmos soluções, poucas foram as vozes nas quais encontrei eco.

            O editorial da Folha de S.Paulo, de hoje, merece a maior reflexão. Vou lê-lo, porque quero que conste dos Anais da Casa:

            "Grande engano.

            A última coisa que se deve fazer em um paiol é riscar um fósforo. Foi exatamente o que ocorreu com o episódio da prisão dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Diolinda Alves de Souza e Márcio Barreto, com detalhes de tentar humilhar ainda mais os sem-terra. Diolinda, que obviamente não representava nenhuma ameaça aos policiais, ainda foi forçada a pousar para jornalistas sendo algemada.

            É evidente que a política dos sem-terra de simplesmente invadir propriedades privadas está à margem da lei e, nesse sentido, deve ser condenada."

            Faço aqui um parêntese. Observem a irrepreensão do editorial, de um lado, condenando o que os policiais fizeram e, de outro, não dando razão àqueles que invadem propriedades privadas.

            E continua:

            "É igualmente claro que Diolinda e Barreto podem até ser apropriadamente acusados de agitadores profissionais, mas eles certamente não são perigosos quadrilheiros que devam ser algemados e trancafiados no Carandiru. Eles são as lideranças, goste-se ou não, de uma parcela da população rural brasileira."

            E termina:

            "Parte das elites brasileiras infelizmente ainda parecem acreditar que a questão social no Brasil é um caso de polícia. Obviamente elas estão erradas".

            Observem como a premissa no meu discurso em relação à Justiça, que está sendo acuada, tem agora, inequivocamente, induvidosamente, a parte que deve ser focalizada, e muito bem focalizada.

            Não foi o juiz - e daí não merecer o título que se lhe atribuiu, de ter determinado o Carandiru; ele, o juiz, ou a Justiça, de estar a serviço dos fazendeiros. Não determinou aos policiais que algemassem os líderes e que os expusessem para jornalistas, no sentido de a fotografia correr País afora.

            O juiz tantas vezes, geralmente na maioria, cumpre a lei. Ele próprio, como dizia ainda há pouco o eminente Senador Suplicy em aparte à Senadora Benedita, afirmou que havia se baseado na lei.

            Pois é a mesma Folha de S.Paulo que registra que o juiz de Pirapozinho, a 600 km a oeste de São Paulo, Darci Lopes Beraldo, disse ontem à agência Folha que se baseou estritamente na lei para decretar a prisão preventiva de quatro líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra no Pontal de Paranapanema. E ele explica que a denúncia referia-se a 13 líderes, por formação de quadrilha. No entanto, ele só encontrou estes aqui. Ora, quem preparou esse inquérito para chegar ao juiz? Por que então se chega ao exagero de colocar a Justiça brasileira - e ela está sendo colocada, queiram ou não queiram - no pedestal de uma desmoralização que não sabemos onde vai nos levar?

            Observem que isto é normal no Brasil: quando se implanta uma ditadura - não é o caso -, a primeira coisa que se faz é desmoralizar o Legislativo e encurralar o Judiciário. Ora, o Legislativo não está indo bem na opinião pública e agora, no mesmo caminho, conduz-se o Judiciário.

            Quero trazer à reflexão dos meus eminentes companheiros do Senado que não é possível que deixemos que isso caminhe sem lembrar a lição do Califa: "Que adianta alguém ser grande se não for justo"?

            Onde está a justiça neste momento? Ou com quem ela convive? Com os fazendeiros, que estão sentindo as suas propriedades ameaçadas, invadidas ou ocupadas? Ou com aqueles sem-terra que estão sendo presos e exibidos à opinião pública com algemas que não foram determinadas pela Justiça? O caso é muito mais sério, muito sério para que a opinião pública comece a ser formada com a desmoralização de um dos tripés da democracia. Não conheço em parte nenhuma do mundo onde se possa falar em democracia sem um Judiciário livre e capaz de decidir, ainda que o faça com as mazelas que também nele existe, com as deficiências que conhecemos, com os juízes que talvez não tenham direito a esse título, com muitos que fazem muito, muito, pelas suas ambições pessoais e não pelos interesses coletivos. Ainda assim, como instituição, tal qual o Legislativo, não podemos deixar que isso passe sem que se dê um grito de alerta à Nação, sobretudo àqueles - e nesta Casa aqui há uma grande maioria que somos advogados militantes - que convivem com a Justiça e que sabem, pelos que conhecem por dentro, que não é possível que outros se impressionem por fora. É nessa espécie não de convocação, mas de chamamento a uma reflexão que ocupo mais uma vez esta tribuna.

            O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, Senador Elcio Alvares.

            O Sr. Elcio Alvares - Em primeiro lugar, louvo a sua inteligência em colocar dentro de um painel tão delicado a questão do Judiciário brasileiro. Como V. Exª, há cerca de 40 anos sou um trabalhador da oficina do Direito. Advogado, sempre advogado, erigi nos primeiros momentos o respeito à lei, a confiança no Direito com primados até de um comportamento pessoal. Entendi, desde os primeiros instantes, que no imenso pálio da Justiça se abrigam, em grau de recurso, amparo para as irresignações e divergências de decisões judiciais. Entendi também, ao longo do tempo, que a decisão judicial, na visão do regime democrático brasileiro, tem de ter o amparo e a sustentação de todos, porque compete à Justiça, instância derradeira, dirimir todas as dúvidas e todas as questões. E não podia ser de forma diferente, quando o Texto Constitucional é claro ao fixar as responsabilidades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Preocupa-me na questão dos sem-terra - faço esse registro na condição de Senador pelo Estado do Espírito Santo - certo traço de paixão que já começa a encaminhar o problema da mais alta gravidade para as lindes partidárias. Confesso, Senador Bernardo Cabral, que o exemplo desse Juiz de Tabatinga, é um exemplo que V. Exª teve muita felicidade em trazê-lo à colação. Mas são milhares e milhares de juízes espalhados pelo Brasil afora que, com devoção fora do comum, lutam pelo primado da lei e do Direito. V. Exª, que conhece tão bem a imensa profundidade dos autos, sabe muito bem que qualquer juízo apriorístico, ou juízo feito, até certo ponto, à calva, não pode dar a dimensão do problema que está dentro dos autos. E esta questão de terra, Senador Bernardo Cabral, talvez esteja num dos capítulos mais importantes do Direito brasileiro, que é o Direito de Propriedade, com todas as variações: o esbulho possessório, a reintegração de posse, enfim, talvez um dos capítulos mais difíceis de interpretação nos tribunais quando as partes se questionam e se porfiam sob o pálio da Justiça. Entendo, Senador Bernardo Cabral, e o Espírito Santo está vivendo um momento agora crítico também, em que uma decisão judicial foi revogada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, ouvindo o Governador do Estado, e se tem notícia de que aqueles que requereram o interdito proibitório - no Espírito Santo, todos os proprietários de fazendas requereram o interdito proibitório - já tiveram o desprazer de ver o interdito descumprido e a invasão configurada. Tive notícia, hoje, dada por um líder rural, de um fato que me preocupou bastante: na madrugada do dia de ontem para o dia de hoje alguns ônibus trouxeram, de outras terras, sem-terras para se incorporarem ao grupo que está fazendo com que haja, no Espírito Santo, um foco de tensão. O deslocamento desses que querem, com justiça, um pedaço de terra, toda montagem que está sendo feita em torno do movimento, é altamente preocupante, Senador Bernardo Cabral. E aqueles que têm respeito pela tranqüilidade democrática, aqueles que têm a visão exata do que é a lei, aqueles que acreditam na lei como definidora de posições, não podem silenciar. Nós temos um processo, hoje, expropriatório dos mais avançados perante toda legislação universal. A ação de desapropriação, no Brasil, dá direito à União de se imitir na posse, antes mesmo da contestação, e somente se discute hoje dentro do processo desapropriatório o justo valor da terra. Quando cheguei aqui, ainda advogado de ações desapropriatórias, muitas ações desapropriatórias, esse questionamento marcou, e diga-se de passagem, não é uma inovação dos últimos tempos, vem desde o tempo do Presidente Castello Branco, que fez, realmente, uma legislação adequada para o problema da terra. Senador Bernardo Cabral, dentro desse alarido de paixões, dentro dessas versões que ocupam os veículos de comunicação, a sua palavra é uma advertência que tem de prosperar. Não podemos conduzir, de maneira alguma, o Judiciário brasileiro, com tão graves responsabilidades, ao opróbrio, ao julgamento aligeirado, apressado. Nós temos de dar aos juízes o direito de aplicar a lei dentro daquilo que o nosso texto constitucional lhes faculta. E hoje, entendendo como justo o processo de reforma agrária, não posso deixar de negá-lo - e aqui me inscrevi ao lado daqueles que apressaram o processo de desapropriação. Quero dizer a V. Exª que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, nos primeiros dias do seu Governo, e numa solenidade ocorrida no Nordeste deste País, asseverou que iria cumprir, rigorosamente, os seus compromissos de campanha em relação à reforma agrária. No momento em que sentimos que há, até certo ponto, uma volúpia para tentar apressar um processo que tem que ser feito com a maior justiça e com a maior isenção de espírito, quero dizer a V. Exª que sou inteiramente solidário, principalmente no ponto maior do seu pronunciamento. Quero, aqui, como Senador da República, prestigiar o Judiciário brasileiro em toda a linha, porque esse é o caminho da verdadeira democracia. Louvo V. Exª, e já me torno cada vez mais um admirador dos seus pronunciamentos pela propriedade, pela oportunidade e sobretudo, Senador Bernardo Cabral, pela clarividência dos fatos. Ninguém pode ser atropelado por fatos que estão se formando aos olhos de todos. É necessário haver uma providência, é necessário haver um norte para todos os brasileiros. E nós, aqui do Senado da República, temos a obrigação de formar um coro de vozes em favor não só do regime democrático, mas, principalmente, para resguardar o Judiciário brasileiro. Muito obrigado.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Senador Bernardo Cabral, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) (Fazendo soar as campainhas.)

            O SR. BERNARDO CABRAL - Sr. Presidente, sei que V. Exª vai me advertir quanto ao tempo.

            O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) - Exatamente. Pediria a V. Exª que concluísse o seu pronunciamento sem conceder apartes.

            O SR. BERNARDO CABRAL - Mas, ao mesmo tempo que sei disso, não desconheço que V. Exª não me privará do prazer de ouvir o Senador Antonio Carlos Valadares. E, antes de fazê-lo, permita-me agradecer o eminente Senador Elcio Alvares, não só por que S. Exª é o Líder do Governo, mas por ser um advogado, e que, com propriedade, disse aquilo que todos nós sabemos: para os juízes o que está fora dos autos, está fora do mundo.

            Concluiria, ao agradecer a intervenção do Senador Elcio Alvares, dizendo que quem sabe se, por trás disso tudo, não está a intenção de não permitir que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, faça a reforma agrária? Porque, desde as Capitanias Hereditárias, Sr. Presidente, quando se fez a divisão, que não há reforma agrária no Brasil. Talvez agora fosse o momento propício.

            Continuo a fazer aquela pergunta: a quem aproveita isso?

            Quero agradecer a V. Exª, eminente Senador Elcio Alvares.

            Tenho a certeza que o Presidente Bello Parga me permitirá ouvir, com a atenção de sempre, o Senador Antonio Carlos Valadares.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador Bernardo Cabral, agradeço ao Sr. Presidente Bello Parga a generosidade, porque gostaria de parabenizar e felicitar V. Exª neste discurso, não digo visionário ou prognosticando uma situação de inferno para o Brasil, mas, dentro do equilíbrio que sempre caracterizou a sua presença na vida pública, mostrando, por A mais B, que algumas providências precisam ser tomadas o mais rápido possível, antes que a situação se agrave. Somando ao grande Líder Elcio Alvares, que fez justiça a este grande pronunciamento que faz V. Exª na tarde de hoje, que é um dos pontos altos desta atual Legislatura, quero dizer que, neste momento, o Brasil não precisa de vítimas nem de heróis; o Brasil precisa de decisão, de equilíbrio, de moderação para decidir melhor o seu destino. Muito obrigado.

            O SR. BERNARDO CABRAL - Obrigado. Senador Antonio Carlos Valadares, é com muita alegria que o aparte de V. Exª está incorporado a este meu modesto pronunciamento.

            E concluo, Sr. Presidente, como comecei: não adianta construir grandes palácios ou tentar derrubar pequenas choupanas, há que se ter um, de um lado, para mostrar a grandeza de um administrador, e, de outro, a choupana, para que todos reflitam na justiça de que ele é possuído ou de que é revestido. O Brasil está nessa situação. É um País que tem palácios e que tem choupanas, mas não será grande se não for justo.

            E, neste instante, Sr. Presidente, o que temos que colher, do Senado, é um caminho grande, mas ao mesmo tempo que seja justo; que seja grande para aqueles que precisam de um pedaço de terra, mas que seja justo com aqueles que detêm a propriedade.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/1995 - Página 2297