Pronunciamento de Jefferson Peres em 10/11/1995
Discurso no Senado Federal
INVIABILIDADE DA REELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ELEIÇÕES.:
- INVIABILIDADE DA REELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
- Aparteantes
- Casildo Maldaner, Josaphat Marinho, Vilson Kleinübing.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/11/1995 - Página 2783
- Assunto
- Outros > ELEIÇÕES.
- Indexação
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- CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INCENTIVO, DISCUSSÃO, REELEIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
- APREENSÃO, SITUAÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, EXTENSÃO, REELEIÇÃO, GOVERNADOR, PREFEITO.
- ANALISE, SITUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ERRO, DISCUSSÃO, REELEIÇÃO, PREJUIZO, AUTORIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a contragosto venho tratar do tema reeleição. A contragosto porque preferiria que este tema não fosse trazido a debate. Mas como Senador e, sobretudo, como membro do PSDB, do Partido do Governo, vejo com muita preocupação uma proposta de reeleição suscitada, embora indiretamente, pelo Governo Federal.
O Presidente Fernando Henrique Cardoso está cometendo um erro que pode ser-lhe fatal. Tenho muito receio de que a deflagração deste processo seja também o início de um processo agônico do Governo, do ponto de vista ético.
Sou contrário à reeleição quanto ao mérito e quanto à oportunidade. Quanto ao mérito, Sr. Presidente, Srs. Senadores, admito que, em tese, a reeleição pode ser boa. Nos Estados Unidos é boa. Mas nem tudo que é bom para os Estados Unidos é necessariamente bom para o Brasil, ao contrário do entendimento de um antigo Ministro das Relações Exteriores deste País. Os Estados Unidos têm instituições sólidas - são 200 anos de constituição - e, ao lado dessas instituições sólidas, uma sociedade amadurecida. Nos Estados Unidos se um Presidente ou um Governador usar a máquina para infringir a lei, terá contra ele organizações não-governamentais muito vigilantes; eles têm uma imprensa que não se curva ao poder. Eles têm casas legislativas, freqüentemente, com maioria da oposição. Não é o caso do Brasil, principalmente nos planos estadual e municipal, porque, como bem disse o Senador Josaphat Marinho, por uma questão de coerência, será inevitável que a reeleição do Presidente da República seja estendida a governadores e prefeitos. Não há como evitar isto. E o que acontecerá com os Estados, nobre Senador Vilson Kleinübing? Eles vão "quebrar", nobre Senador. A realidade dos pequenos Estados, os Estados mais pobres, onde a imprensa não é livre? A mídia, em alguns, está toda nas mãos dos governadores; jornais, rádios e televisões não lhes fazem absolutamente oposição. Empresários sequer ousam dar ajuda financeira a oposicionistas, porque serão esmagados pelo Governo. Acovardam-se e negam ajuda financeira, mesmo legal. O uso da máquina é escandaloso.
O Estado do Amazonas tem uma população, no interior, miserabilizada com o declínio e o ocaso do extrativismo vegetal. A população interiorana está reduzida à condição de pária, absolutamente dependente dos prefeitos, em busca de empregos ou de ajuda dos mesmos. O clientelismo grassa desbragadamente.
O que acontecerá se os governadores e prefeitos puderem ser reeleitos? O ex-Governador de São Paulo blasonou que quebrou o Estado mas fez o seu sucessor; o que ele não faria para se reeleger? Imaginem os governadores dos grotões da República! E mais: vejo o risco de ressuscitarmos oligarquias, como na Velha República.
Observem que inevitavelmente, como salientou o Senador Casildo Maldaner no discurso de ontem, se for permitida a reeleição será permitida a sucessão de parentes. Se um governador ou um prefeito pode se reeleger, como se pretenderá que a esposa, os filhos dos governadores sejam inelegíveis? Não o serão. Cairá a inelegibilidade fatalmente. E que quadro teremos em alguns Estados? Oito anos do governador, oito anos da esposa, talvez oito anos de um filho. Serão 24 anos com a mesma família no poder! Não estou fantasiando, este é um dado concreto, real, que pode e vai acontecer em alguns Estados.
O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte, com muito prazer, Senador Josaphat Marinho.
O Sr. Josaphat Marinho - Imagine V. Exª, com o fato que está descrevendo, como prejudicaremos a renovação dos quadros políticos e dirigentes no País! Se já experimentamos o mal-estar decorrente de sucessivas quebras da legalidade, como agora vamos abrir oportunidade não à renovação mas à manutenção ou à formação de novas oligarquias?!
O SR. JEFFERSON PÉRES - V. Exª tem toda razão, Senador Josaphat Marinho. Não acredito que alguém seja ingênuo quando vem à tribuna defender a reeleição - mostrando o lado bom, possivelmente bom, da reeleição, teoricamente bom, em tese bom - sem olhar a realidade brasileira.
Além disso, quanto à oportunidade, o Senhor Presidente da República, ao trazer ao debate a reeleição, se expõe, e receio que Sua Excelência vá sofrer processo de desgaste muito grande.
O Senador José Sarney, quando Presidente, sofreu. Não entro em considerações se as acusações que lhe fazem são verdadeiras ou não. S. Exª lutou para que seu mandato fosse reduzido para cinco anos e não para quatro anos. Mas desde então, e até hoje, ele ficou estigmatizado pela luta que travou por esses cinco anos. Tudo lhe é atribuído, pelo que ele teria feito, pelo que fez e pelo que não fez. Mas sofreu uma erosão enorme em sua autoridade. É um fato. Não estou criticando o Senador José Sarney. Até hoje S. Exª é acusado por isso.
O Governo Fernando Henrique Cardoso será diferente? Se Sua Excelência e os seus ministros se envolverem na luta pela reeleição já, o que acontecerá, Senador Geraldo Melo? O Presidente talvez pessoalmente não, mas o que alguns dos seus Ministros e, vou mais além, alguns dos seus fâmulos - porque todos os governantes têm seus fâmulos - farão para conquistar votos num Congresso em parte fisiológico. Não há como negar isso, ao lado de Senadores e Deputados da maior seriedade e responsabilidade existe o baixo clero fisiológico, em quantidade expressiva. O que não cobrarão do Governo para dar o seu voto, Senador Casildo Maldaner, em favor da reeleição?
O que não dirão, de verdades algumas, outras não tão verdadeiras, mas aceitas pela opinião pública como tais, contra o Governo?
Creio que o Presidente da República comete um grave erro ao estimular isto. E mais ainda quando Sua Excelência vem a público dizer que o problema é do Congresso Nacional e que dele não participa. Esta não me parece uma postura de estadista. Sua Excelência passa para a opinião pública, embora não seja assim, a idéia de hipocrisia. Está estimulando por trás e em público dizendo que não, quando é evidente que se Sua Excelência dissesse aos Ministros: não, não quero a reeleição, nenhum, evidentemente, isso é o óbvio ululante - nenhum trataria do assunto. O Presidente está, inequivocamente, estimulando a proposta.
Sua excelência vai começar a ter sua autoridade gravemente afetada. Já a deixou afetada por fatos menores. Deixar que nomeiem uma filha para o Palácio não é crime, pode não ser nem eticamente condenável, afinal, a filha é competente e trabalha. Mas se expõe.
Presidente é como a mulher de César: não basta ser, tem que parecer eticamente inatacável. O Presidente já não puniu alguns auxiliares acusados de envolvimento com empresas particulares. O Presidente já foi acusado de ceder ao fisiologismo. Mas, se cedeu, o fez por uma causa maior, as tão necessárias, indispensáveis reformas para o País.
Mas, agora, cederia por uma causa menor, cederia em benefício próprio, para se reeleger. O Presidente Fernando Henrique Cardoso não pode, não deve se expor a isso. Sou Membro do Partido de Sua Excelência. Penso que seria bom para o País ter um Fernando Henrique Cardoso por mais 4 anos. Até entendo que, no íntimo, o Presidente, por estar adotando medidas impopulares - algumas dessas reformas são impopulares, ferem direitos e interesses de ampla camada da população - tenha o desejo de mais quatro anos para colher os frutos dessas reformas e realizar o Governo com o qual sonha. Acontece que o preço a pagar será muito grande, será o preço da erosão da sua autoridade moral. Isto Sua Excelência não pode fazer.
O Sr. Casildo Maldaner - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte, Senador Casildo Maldaner.
O Sr. Casildo Maldaner - Cumprimento-lhe pela coragem, pela sinceridade com que V. Exª, pertencendo ao Partido da República, traz de público uma espécie de autocrítica, no bom sentido. Em tempo hábil, vem V. Exª procurar trazer aquilo que pensa, aquilo que vários setores importantes daqui de dentro e da Nação estão à meditar. E V. Exª traz isso no sentido de arrumar, no sentido de consertar, no sentido de encaminhar. É por isso que o cumprimento. Quando vários problemas estão aí, em primeira ordem, a serem questionados, é muito melhor orientar para isto, a esforço do Congresso Nacional, do que permitir que alguns setores projetem alguma coisa para 1998. Eu até diria que, ao invés de uma reeleição, ou oito anos de mandato, ou da possibilidade de oito anos de mandato, é muito melhor quatro anos bem vividos, bem feitos, bem realizados, bem administrados, em comunhão com todos; se ao fim de quatro anos deixar saudades, ir para a história do País como quem fez a reforma tributária profunda, como quem fez a reforma administrativa desejada, como quem pensou uma previdência possível por 20, 30, 40 anos, para que a próxima geração possa ter uma segurança de um Presidente, um conjunto de ministros, para um conjunto de pessoas, que implantou no País uma segurança. Não é muito melhor isso do que se ter oito anos, uma possibilidade de uma reeleição, mas que tem que ir levando daqui e de lá, tem que jogar na bolsa de valores, ver a cotação, como faz, tem que pensar como garantir os apoios para 1998; seria muito melhor ficar com quatro anos e ter tudo isso bem coroado, firmar bem o País e chegar ao fim dos quatro anos e dizer: minha gente, para seguir esse projeto fulano de tal ou sicrano é o melhor. Não seria bonito isso? Por isso quero, com muita sinceridade, nesta manhã, cumprimentar-lhe pela espontaneidade e pela coragem com que V. Exª vem trazer este tema, no bom sentido, para o Partido e, acima de tudo, para o Governo e para o País.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner. Isso que V. Exª chama de coragem é apenas a posição de quem é um ET em política. Não sei nem como cheguei ao Senado da República. Eu disse, certa vez, na Câmara de Vereadores de Manaus, e repito aqui: eu não cortejo o poder, não cortejo a imprensa, não cortejo nem o povo. Enquanto alguns votam aqui ou criticam o Presidente da República e barganham favores, eu não peço e nem quero nada do Governo. Na única audiência que tive com o Presidente, para tratar da Zona Franca de Manaus, disse a Sua Excelência: se Vossa Excelência me oferecer todos os cargos federais do Amazonas, dir-lhe-ei que não quero nenhum; preencha-os procurando os melhores, os mais competentes, os mais probos, os mais honestos, pois eu não os quero, eu não participo de loteamento de cargos. Não quero nada do Governo. Desejo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso faça um governo socialdemocrata, como a Nação espera. Se Sua Excelência fizer isso, terá meu apoio sempre, inclusive para votar medidas impopulares. Não quero nada em troca. É por isso que posso fazer este pronunciamento, sendo mal entendido pelo Planalto, colocado na sua lista negra. Que seja! Nada tenho a perder, porque nada quero do Poder.
O Sr. Vilson Kleinübing - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Pois não, nobre Senador.
O Sr. Vilson Kleinübing - Senador Jefferson Péres, felizmente, se, por acaso, a emenda chegar aqui numa sexta-feira, não passa, porque somos maioria contra a reeleição. Realmente, não é só um gesto de coragem. Fico ainda mais admirado por ser seu companheiro nesta legislatura ante o pronunciamento que V. Exª fez hoje. E o Presidente Fernando Henrique - que acredito tenha sido sincero - colocou, com muita clareza, como deve ser este tratamento: "quem cuida disso é o Congresso Nacional; os meus auxiliares e o Governo estão proibidos de tratar desse assunto". Para ser mais sincero, Sua Excelência precisava ainda mandar uma mensagem, uma emenda constitucional, para que o mandato de Presidente da República fosse de cinco anos, mas não o seu, o do próximo Presidente. Fazendo isso, colocaria uma pedra sobre esse assunto, que estaria encerrado. Não íriamos correr o risco de ver o País quebrar ainda mais, porque quebrado já está. Um país que vai pagar, no próximo ano, US$22 bilhões de juros e não fica envergonhado, não fica triste; um país em que os grandes articuladores das finanças públicas nacionais não se encabulam, não ficam tristes, não ficam chateados de sugar do povo brasileiro US$ 22 bilhões para dar para quem não precisa, pois quem empresta para o Governo não precisa, empresta o excedente que tem; só um louco empresta para o Governo ou alguém que tenha excedente suficiente, enfim, quem não precisa. Então, exatamente esses vão receber no ano que vem US$22 bilhões, que sugamos de quem está passando fome, de quem está morrendo em hospital, de quem está morrendo em estrada. Um país que tem esses problemas, deve ter um Presidente do nível de Fernando Henrique Cardoso, que diz que o Governo não deve tratar de reeleição. E se Sua Excelência ainda quiser se tornar um estadista - repito -, que mande uma mensagem ao Congresso Nacional dando cinco anos de mandato ao próximo Presidente, o que seria uma pá de cal para encerrar o assunto. Parabéns pela sua postura, nobre Senador Jefferson Péres.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado Senador Vilson Kleinübing, recebo com muita satisfação o seu aparte. Costumo dizer que, entre tantos Senadores sérios que tenho encontrado nesta legislatura, V. Exª se inclui entre os mais sérios.
V. Exª tem toda a razão. O Presidente é, segundo todos os que o conhecem de perto, um estadista. Sua Excelência tem, então, de adotar uma postura de estadista; de forma clara e inequívoca teria de dizer ao País que é contra a sua própria reeleição e que, se o Congresso insistir em votá-la agora, não se candidatará. O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem de deixar, de forma incontestavelmente clara para a Nação, que não quer tirar proveito de um casuísmo. Se não fizer isso, Sua Excelência perde. Se a emenda for aprovada, perde também o povo brasileiro, com as seqüelas que virão e sobre as quais V. Exª já falou em aparte ao Senador Casildo Maldaner.
Eram estas as considerações que a consciência me impunha fazer e que ficarão registradas nos Anais do Senado, para sanar a minha responsabilidade, humilde que seja, perante a história.
Muito obrigado.