Discurso no Senado Federal

MOMENTO OPORTUNO PARA DISCUSSÃO DA REELEIÇÃO DE PRESIDENTE, GOVERNADORES E PREFEITOS.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • MOMENTO OPORTUNO PARA DISCUSSÃO DA REELEIÇÃO DE PRESIDENTE, GOVERNADORES E PREFEITOS.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/1995 - Página 2945
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • NECESSIDADE, DISCUSSÃO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, TRAMITAÇÃO, APRECIAÇÃO, RELATOR, PROJETO, REVISÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, AUSENCIA, REELEIÇÃO, PRESIDENCIALISMO, AMERICA LATINA.
  • DEFESA, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR, PREFEITO.

            O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo entrar nesse debate sobre a reeleição, uma vez que vários Senadores de notória expressão nesta Casa, que contam um grande respeito por parte da opinião pública, manifestaram suas opiniões.

            Evidentemente, não considero que esse assunto seja descabido e esteja fora de pauta. Ao contrário, Sr. Presidente, penso que este é um momento adequado para se iniciar o processo de discussão em torno do instituto da reeleição.

            Estamos analisando, estudando e alterando a Constituição do Brasil em vários aspectos. Diria até que, de certa forma, o que estamos fazendo, ao longo deste primeiro período da legislatura, nesta primeira sessão legislativa, nada mais é do que recuperar todas as fontes que determinaram a Revisão Constitucional, todas as vertentes temáticas que foram tratadas, abordadas, na revisão constitucional, de uma forma ou de outra estão sendo encaminhadas neste período de reformas da Constituição. Portanto, é absolutamente plausível, absolutamente defensável e diria até sensato tratar da reeleição neste momento, porque vários temas que foram objeto de frustração no processo revisor da Constituição, que foram objeto de grave preocupação e que não resultaram em boas soluções, todos esses temas estão sendo recuperados, estão sendo novamente conferidos pelo Congresso Nacional.

            E constata-se que aquilo que parecia absolutamente impossível há um ano, ou seja, no período da Revisão Constitucional, aquilo que parecia inadequado e impróprio ao País naquele momento particular, peculiar da Revisão Constitucional, agora é amplamente aceito, majoritariamente acatado neste Congresso. Refiro-me às várias emendas constitucionais que aí estão tramitando, muitas delas já tendo sido aprovadas, Sr. Presidente. Refiro-me, por exemplo, à emenda que aprovamos em segundo turno na semana passada e que promulgamos através do Presidente desta Casa, Senador José Sarney.

            Os debates que foram travados aqui no período da Revisão Constitucional e a forma como setores identificados com algumas corporações reagiram davam a clara percepção de que jamais se alteraria essa norma inserida na Constituição de 88: a do monopólio rígido da União sobre a pesquisa e sobre o refino de petróleo no País.

            No entanto, passado aquele período, passado aquele momento, passada aquela hora crítica, o processo emergiu, fluiu e tornou-se tão simples como água, quer dizer, a aprovação da emenda do petróleo só teve resistência em algumas cartas cada vez mais escassas e menos encorajadas que os Srs. Senadores recebiam em seus gabinetes.

            Lembro-me, Sr. Presidente, que quando se tentou propor esse tipo de mudança na Constituição em 1994, a impressão que se tinha era a de que o mundo ia desabar e que o céu cairia sobre as nossas cabeças. Havia corredor polonês em massa, na saída do Congresso Nacional, contra as emendas constitucionais que quebravam os monopólios da telecomunicação e do petróleo. Essas mudanças ocorreram agora com uma fluidez quase que imperceptível, absoluta.

            De modo, Sr. Presidente, que saliento o quanto é adequado este momento para trazermos o princípio da reeleição à baila. Não o era no final do mandato do ex-Presidente, porque os finais de mandato têm processos mais rígidos, mais fechados, as candidaturas já estão encaminhadas, as esperanças já estão assentadas, as perspectivas já estão definidas. Dessa maneira, os 18 meses anteriores ao final de um mandato são de drástica limitação para qualquer tipo de debate político.

            Lembro-me, Sr. Presidente, da emenda proposta pelo Sr. Relator, então Deputado Nelson Jobim, hoje Ministro da Justiça, que adotava aquela antiga fórmula já aplicada na Constituinte e depois repetida na Revisão Constitucional, da qual alguns Senadores que viveram essa experiência se lembram, a chamada emenda aglutinativa. Esta permitia que várias emendas fossem consubstanciadas em uma só por um texto do Relator.

            Na verdade, essa era uma prática inovadora, ou seja, produzir texto novo a partir de emendas já existentes, porque não se poderia fazer, regulamentarmente, uma nova. Chamou-se a isso de emenda aglutinativa.

            A emenda aglutinativa da reeleição, na Revisão Constitucional, produziu um resultado no mínimo monstruoso. Dizia o seguinte: o candidato - Governador ou Presidente da República -, como estava em final de mandato, deveria licenciar-se três meses antes da eleição e concorrer como licenciado. Caso perdesse, não se reelegesse, deveria obrigatoriamente transformar essa licença em renúncia.

            V. Exª, Sr. Presidente, que já era Senador desta Casa, deve lembrar-se desse modelo "franksteiniano" que produzimos no Congresso Nacional. Uma colcha de retalhos absurda e incoerente. O Presidente tinha que se licenciar para concorrer. Caso vencesse as eleições, terminaria os 45 dias de mandato que lhe restavam, caso perdesse, seria obrigado a renunciar, porque temia-se que nos últimos quarenta e cinco dias, após a eleição, reassumindo o mandato faria toda e qualquer falcatrua possível para recuperar-se da derrota sofrida.

            Ora, a tal de emenda aglutinativa, - convido os Srs. Senadores, da época, a refrescarem as suas memórias relendo os Anais da Revisão Constitucional - esse tipo de proposta não podia passar mesmo! Porque só existe um tipo de reeleição, a que está dentro do padrão universalmente aceito: o candidato à reeleição mantém-se no cargo, ou então, não há reeleição.

            Há países como o México, por exemplo, em que a objeção ao princípio da reeleição é tal que, lá, a irreelegibilidade se transforma em cláusula de inelegibilidade específica. O que significa dizer que quem é Presidente uma vez, no México, nunca mais poderá sê-lo. Ou seja, Presidente mexicano só o é uma vez. Nem mesmo no mandato subseqüente ao próximo poderá concorrer novamente. É uma cláusula perpétua de vedação para a reelegibilidade.

            É um exagero mexicano? É um exagero! Mas os mexicanos não aceitam a reeleição. Outro país que não a aceita é o Uruguai. Lá o presidente só pode concorrer passado um mandato. Na Venezuela, da mesma forma, o princípio da reeleição é vedado.

            Aliás, quase todos os países da América, já que o presidencialismo é uma invenção tipicamente americana - os países asiáticos e europeus têm uma tendência a um outro tipo de sistema, basicamente regimes parlamentaristas -, norte, centro e sul-americanos optam pelo modelo presidencialista, que é a nossa marca institucional, desde os Estados Unidos da América até o Uruguai.

            Olhando todos esses países que adotam o regime presidencialista, constato o seguinte: o Brasil é absolutamente inédito em termos constitucionais. Estamos merecendo uma medalha mundial, Sr. Presidente, pois somos o único país do mundo que tem mandato presidencial de 4 anos sem reeleição!

            O México tem horror à reeleição, mas o mandato é de 6 anos; no Uruguai não há reeleição, mas o mandato é de 5 anos; na Venezuela não há reeleição, mas o mandato é de 5 anos; na Argentina, não havia reeleição, mas o mandato era de 6 anos. Queria que me indicassem um país com um mandato de 4 anos sem o direito à reeleição.

            Na verdade, essa prática demonstra algo muito simples, primário, perceptível: demonstra que temos a cultura da desconfiança. Nós alimentamos a cultura do procedimento permanentemente crítico, da desconfiança permanente, ou seja, até prova em contrário, nenhum governante da América Latina é sério.

            E verifica-se no Brasil que esse princípio da vedação à reeleição não acabou com a corrupção, com o clientelismo e com as práticas de patrimonialismo do estado, que são, infelizmente, uma tradição cultural do nosso País.

            Há quem argumente que governadores e prefeitos vão despejar recursos, em final de mandato, para garantir a sua reeleição. Isto até pode ser verdade, até porque eu já vi muitos governadores e prefeitos despejarem recursos em final de mandato, para eleger o seu sucessor e continuar controlando a máquina do Município ou a máquina do Estado.

            Portanto, aqueles que querem evitar a continuidade dos mandatos devem saber que não conseguem evitar o continuísmo - que é muito pior do que a continuidade -, porque, por trás do continuísmo, há manipulação, há a prática do controle, da articulação e do tráfico de influência. Enfim, dá-se o tapa e esconde-se a mão.

            Na verdade, isso não tem evitado a corrupção e nem acabado com a sua prática no País; não acabou com as práticas clientelistas, não acabou com o caciquismo, não acabou com o coronelismo, não acabou com o mandonismo político nas regiões mais atrasadas do País e nem mesmo em algumas regiões mais desenvolvidas.

            O que verificamos no mundo inteiro é que o princípio da reeleição é adotado para os mandatos mais curtos, embora haja países que exageram, como a França, que tem um regime de semipresidencialismo, onde se adota um mandato de 7 anos, com direito à reeleição. Isso garantiu ao Presidente François Mitterrand 14 anos de mandato, 14 anos sob a égide política de um homem, o digno presidente socialista francês.

            É verdade que a França o escolheu democraticamente, é verdade que a França optou por ele por meio de eleições abertas, livres e com ampla participação popular; mas longos mandatos nem sempre são recomendáveis, até porque foi bastante melancólico o final do mandato do Presidente Mitterrand, um homem que, por todas as razões, por todos os pretextos merece a nossa admiração pela sua dignidade e pela sua tradição política.

            No entanto, o inverso também não é defensável. Mandatos de 4 anos fazem-nos remontar, Sr. Presidente, à Primeira República, fazem-nos remontar aos primeiros períodos republicanos do País, dos quais, creio, os brasileiros não têm saudade política, aos quais, creio, os brasileiros não querem remontar neste momento.

            Na Primeira República, o mandato era de 4 anos, e não havia reeleição; mas a verdade é que também não havia democracia: os presidentes eram eleitos por 2,3% da população, por meio do voto censitário, o que, se não era uma anomalia institucional, era pelo menos algo que não se podia chamar de democracia, na plena e mais verdadeira acepção da palavra.

            Então, quero trazer essa contribuição, a contribuição de quem pensa que este é o momento ético para debater a questão da reeleição. Deixar esse assunto para ser discutido depois das eleições municipais não é um tratamento ético adequado e correto quanto aos atuais Prefeitos. Se somos contra, se o Congresso é contra, se o Brasil quer ser o único país do mundo a ter esse tipo de modelo, vamos dizê-lo agora aos Prefeitos e aos Governadores. Nesta hora, estamos dando o direito aos atuais Prefeitos de participarem do debate, o que não significa que a reeleição será o resultado final desse debate, mas significa que, pelo menos, eles não estão sendo excluídos nem marginalizados e que não é anti-ético ou criminoso assegurar-lhes o direito de pleitear a reeleição.

            O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - Vou prorrogar por um minuto o tempo do Senador José Fogaça, que já ultrapassou o seu limite.

            O Sr. Jader Barbalho - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. JOSÉ FOGAÇA - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Jader Barbalho - Desejo manifestar a minha concordância com a tese que V. Exª defende de que o momento oportuno para debater essa questão seria agora. Concordo plenamente com V. Exª. A apreciação desse tema mais adiante poderá, na verdade, transformar-se na discussão do casuísmo. Entendo que não é justo, não é válido, principalmente com relação ao Presidente da República, que se discuta isso após as eleições municipais, quando o País e o Congresso poderiam verificar o desempenho do Presidente da República. Não creio que se deva alterar a Constituição do País em razão de uma pessoa, em razão de um governo. Creio mais, Senador José Fogaça: que mais adiante não haverá clima emocional para discutir esse tema. Por isso mesmo o meu aparte é de solidariedade aos argumentos de V. Exª, no sentido de que se tiver de haver uma alteração dessa ordem e dessa natureza que ela seja feita agora.

            O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Jader Barbalho, principalmente pelo apreço do seu aparte e pela posição que V. Exª manifesta neste momento.

            Outra argumentação que alguns trazem ao debate é quanto à prática do clientelismo, do uso de recursos públicos, do gasto excessivo que será feito na véspera da eleição. Gasto em véspera de eleição, clientelismo, é coisa generalizada e universal no Brasil. Não é a reeleição que vai fazer com que isso aconteça, mas a necessidade do continuísmo político.

            Aliás, quando o mandatário, prefeito ou governador, não vai ser o responsável pelo futuro mandato, o que ele faz? É exatamente gastar, criar despesas, fazer dívida, enfim, endividar o Estado até os gorgomilos, Sr. Presidente, porque quem vai mostrar que é incompetente depois é o seu sucessor.

            E os exemplos não estão muito distantes. Quem depois vai mostrar que não sabe administrar a máquina e que não sabe administrar os recursos públicos é o seu sucessor. E ele sai como o grande feitor, como o grande realizador, como o grande investidor. Faz o sucessor, mas esse foi um incompetente. Temos o continuísmo, temos a ruptura, temos a irresponsabilidade, temos a iniqüidade política, Sr. Presidente.

            Então, o argumento do clientelismo como prática nas prefeituras, como prática nos governos estaduais, a meu ver, não procede. Por outro lado, seria assimétrico, constitucionalmente, estabelecermos uma emenda só para Presidente da República, que não contemplasse os Estados e as prefeituras. Quebraria o princípio da simetria constitucional.

            O que penso que o Congresso pode fazer, se aprovar a reeleição, é autorizar que as constituições estaduais optem ou não pelo princípio da reeleição, segundo a autonomia de cada Estado. Mas mesmo assim, a emenda constitucional deve garantir o princípio da simetria constitucional no sentido de que as prefeituras, os municípios, os governos estaduais, as unidades da Federação também adotem o princípio da reeleição, se o Congresso vier a fazê-lo em favor do Presidente da República.

            Esse é meu pronunciamento nesta tarde, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/1995 - Página 2945