Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO PROJETO DE REFORMA TRIBUTARIA APRESENTADO PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • CRITICAS AO PROJETO DE REFORMA TRIBUTARIA APRESENTADO PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/1995 - Página 2975
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • CRITICA, REFORMA TRIBUTARIA, AMEAÇA, FEDERALIZAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, DESENVOLVIMENTO, SISTEMA TRIBUTARIO, DEFESA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • DEFESA, AUTONOMIA, TRIBUTAÇÃO, ESTADOS.

            O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cumpro o dever de trazer ao debate do Senado Federal um dos mais graves problemas relacionados com o Projeto de Reforma Tributário apresentado pelo Governo: a crise do federalismo que ocorrerá, caso o atual projeto venha ser aprovado nos termos em que foi apresentado.

            O Senado Federal, como Casa de representação dos Estados e do Distrito Federal, há de ser o guardião do federalismo, não permitindo que a repartição das receitas governamentais venha a romper o equilíbrio entre a União e os Estados.

            O regime autoritário nos deixou como herança uma sociedade fechada política, econômica e socialmente, com imensa concentração de poder nas mãos da União.

            O Sistema Tributário então montado dava à União a hegemonia quase total em termos econômico-financeiros, tornava o Brasil praticamente um Estado unitário, em que os Governadores dos Estados não passavam de delegados do Poder Central, o que representava uma perigosa concentração de poder, sem qualquer sistema de freios, contrapesos ou controles democráticos que pudessem tornar as relações União-Estados mais equilibradas e adequadas.

            A Constituição de 1988, muito antes de ser regulamentada, tem sido continua e levianamente responsabilizada por todos os males que castigam o Brasil, quando o problema efetivo são os maus administradores.

            A repartição das receitas tributárias prevista na Constituição de 1988 representa o federalismo saudável, descentralizando o poder econômico e o poder político, fazendo com que Estados e Municípios tenham autonomia financeira e tenham condições de solucionar seus problemas, sem dependência injustificável da União.

            O Brasil, como país múltiplo e desigual, de dimensões continentais, com enorme desigualdade social e regional, deve ter o cuidado especial com o equilíbrio federativo, evitando distorções e assimetrias que poderiam até mesmo inflamar sentimentos separatistas.

            O equilíbrio federativo de que o Brasil necessita para ter verdadeiros cidadãos, e não apenas fatores de produção, precisa ser assegurado pelo Congresso Nacional ao deliberar sobre a Reforma Tributária.

            Não mais podemos aceitar o autoritarismo do Executivo, com a União conduzindo hegemonicamente todos os processos sociais, econômicos e políticos, sem deixar espaço de construção e participação aos Estados e Municípios.

            Esse Poder Central, concentrador, dirigente de uma federação em que a União dispunha de tudo, da grande maioria dos recursos e de quase todos os poderes, corre o risco de ressurgir com a proposta de Reforma Tributária ora apresentada pelo Executivo, em que os Estados perderiam receita tributária, perderiam poder e aumentariam sua dependência do Executivo Federal.

            Não mais queremos correr o risco de retorno a um Executivo de práticas populistas e clientelistas, distribuidor de favores, benesses e privilégios e exigindo, em contrapartida, fidelidade e obediência absolutas.

            Esses riscos aumentam ainda mais porque o Brasil continua na triste situação de predomínio de massas despreparadas para a cidadania e participação política, e, portanto, mais sujeitas a manipulações comuns no período do coronelismo.

            O Brasil não pode aprovar uma Reforma Tributária que negue os princípios básicos da democracia e da descentralização administrativa, sacrificando o desenvolvimento econômico e sacrificando a própria democracia e destruindo a própria Federação.

            O Brasil não mais deseja voltar ao período do crescimento com desigualdade crescente, com o agravamento das desigualdades de renda e dos desequilíbrios regionais.

            Um sadio federalismo fiscal não permite que prospere uma proposta de Reforma Tributária em que não haja um mecanismo de compensação para as perdas de receita dos Estados e Municípios, em decorrência da implantação do ICMS federal.

            Não podemos aprovar uma proposta que reduza a competência tributária dos Estados, em detrimento da Federação.

            No momento em que a proposta de Reforma Tributária retira dos Estados a autonomia tributária e a capacidade de legislar e administrar convenientemente sua principal fonte de receita e o mais importante instrumento de política fiscal de que dispõem, ingressaríamos no perigoso campo da INCONSTITUCIONALIDADE e numa forma disfarçada de cassação dos direitos dos Estados.

            Trata-se de algo muito mais sério do que primeiramente se pode imaginar, a partir do exame de frias normas jurídico-tributárias, que efetivamente não encarnam o Direito, muito menos a JUSTIÇA.

            Além dos prejuízos políticos, econômicos e sociais, sabemos que, na hipótese de aprovação dessa proposta de Reforma Tributária em seus termos originais, alguns Estados sofrerão perdas muito mais graves e seriam levados à falência total, incapacitados de honrar seus compromissos e despesas governamentais.

            Com a extinção do Imposto sobre Produtos Industrializados, apenas para exemplificar, o Estado do Amazonas ficaria completamente inviabilizado em termos financeiros, pois perderia o principal sustentáculo de sua arrecadação, o que seria ainda mais agravado com a introdução da sistemática de tributação no destino das mercadorias.

            O centralismo e o autoritarismo, embutidos no corpo da proposta, deixam bem claro o tipo de relacionamento injusto e assimétrico que dirigiu sua elaboração, sendo exemplos típicos o dispositivo que discrimina as autoridades tributárias estaduais, impedidas de requisitar informações sobre operações financeiras dos contribuintes.

            Da mesma forma o dispositivo que elimina o Conselho de Política Fazendária (CONFAZ), como órgão regulador da política tributária estadual, representa um retrocesso político e administrativo.

            O CONFAZ tem se constituído um obstáculo para a implementação de medidas econômicas autoritárias do Governo Federal, ao cumprir seu papel de uniformizar procedimentos para todo o território nacional.

            Provavelmente, em decorrência de sua ação democrática e negociadora, o CONFAZ está sendo combatido tão fortemente pelas autoridades econômicas federais.

            Um Governo efetivamente DEMOCRÁTICO, ou SOCIAL-DEMOCRATA, deveria propor o aperfeiçoamento e não a mera extinção do CONFAZ, em prejuízo dos Estados, em prejuízo das finanças públicas e em prejuízo do federalismo fiscal.

            A proposta de Reforma Tributária prejudica ainda todos os Estados que se dedicam a um grande esforço de exportação, a fim de contribuir para nosso tradicional "gargalo" de insuficiência de divisas.

            Quando falo de DIVISAS estou me referindo a recursos nacionais estáveis, recursos obtidos graças ao trabalho de nossos empresários e trabalhadores, não estou me referindo a esse ingresso escandaloso dos chamados capitais de risco internacionais interessados em aqui se aproveitarem de taxas de juros elevados, se apropriarem de ganhos absurdos e zarparem para outros países, deixando-nos apenas crises e desequilíbrios internos e externos.

            Os Estados que efetivamente mais contribuem para a administração sadia do nosso Balanço de Pagamentos seriam altamente prejudicados, pois teriam grandes perdas de arrecadação.

            No caso do meu Estado, Santa Catarina a perda de arrecadação seria de aproximadamente três por cento da arrecadação global do Estado, o que é insuportável para um Estado que tem imensas demandas sociais a serem atendidas.

            Em contrapartida, examinando o processo do ponto de vista da União, haveria grandes ganhos adicionais de receita tributária, tanto pelo maior número de fatos geradores das obrigações tributárias e a cobrança em todas as fases da circulação, como pela ampliação da base tributária, abrangendo diversos produtos atualmente não incluídos na incidência do Imposto de Produtos Industrializados.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são muitos os prejuízos e as dificuldades que surgiriam na hipótese, acredito que improvável, de aprovação dessa proposta de Reforma Tributária, em que os Estados perdem desde a autonomia para fixar alíquotas internas até a participação na arrecadação de imposto criado pelo exercício da competência residual da União. Em alguns casos sobreviria até mesmo a virtual destruição das finanças de alguns Estados

            A análise exaustiva da proposta esgotaria em muito o tempo que eu disporia para tratar do assunto. Naturalmente, o Senado fará o exame apurado que a relevância da matéria requer, no momento adequado.

            Tenho a convicção de que o Senado Federal, como Casa cuja primeira vocação é preservar, proteger e defender a Federação, saberá responder de forma adequada a esse desafio e aprovar não a Reforma Tributária do Poder Executivo, mas, sim, a Reforma Tributária que atenda aos superiores interesses nacionais.

            É o meu pensamento.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/1995 - Página 2975