Pronunciamento de José Bianco em 08/11/1995
Discurso no Senado Federal
DEFESA DOS DIREITOS E DA ESTABILIDADE DO SERVIDOR PUBLICO.
- Autor
- José Bianco (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
- Nome completo: José de Abreu Bianco
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
- DEFESA DOS DIREITOS E DA ESTABILIDADE DO SERVIDOR PUBLICO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/11/1995 - Página 2590
- Assunto
- Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
- Indexação
-
- DEFESA, MANUTENÇÃO, DIREITO ADQUIRIDO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, ESTABILIDADE, EMPREGO, CRITICA, CAMPANHA ELEITORAL, PROMOÇÃO, DESRESPEITO, CAPACIDADE, DIGNIDADE, SERVIDOR ESTAVEL.
- OPOSIÇÃO, PROJETO, REFORMA ADMINISTRATIVA, EXTINÇÃO, DIREITO ADQUIRIDO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, ESTABILIDADE, EMPREGO.
O SR. JOSÉ BIANCO (PFL-RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vem de longe o viés brasileiro de diminuir, quando não de pisotear profissional e moralmente o servidor público. Tem décadas a mania nacional, praticada por formadores de opinião, por políticos à cata de espaços eleitorais e até por governadores, de responsabilizar o servidor pelas mazelas da Administração Pública.
Os da minha geração conhecem a origem desse fenômeno. Ele teve início em poucos e localizados problemas, na antiga capital da República, então o principal centro difusor da cultura brasileira. Ridicularizado em marchas carnavalescas, em programas humorísticos no rádio e na televisão, ao longo dos últimos 40 anos o funcionário público brasileiro passou de Maria Candelária a Marajá, apontado como ocioso, como despreparado, como peso morto da Administração Pública.
Nesse clima, o político ou administrador que atacar o servidor público tem apoio certo da sociedade. Como comprovou caso recente, de obscuro governador, que chegou a Presidente da República tendo como bandeira o ataque aos funcionários públicos, simbolizados pejorativamente como marajás.
Refiro-me à Proposta de Emenda à Constituição 173, pela qual o governo Fernando Henrique Cardoso pretende modificar partes do capítulo constitucional da Administração Pública. Atenho-me, particularmente, à intenção governamental de jogar por terra o instituto da estabilidade do servidor público, já admitida pela Comissão de Constituição e Justiça.
Digo que o servidor público perdeu batalha na Comissão, mas não perdeu a guerra.
Tenho consciência de que a retomada da defesa do instituto da estabilidade será mais apropriada no âmbito da Comissão Especial, próximo passo dos debates em torno da emenda que visa a reforma administrativa do Estado. Tenho razões, no entanto, para dizer que os fundamentos do relatório Prisco Viana, no que tange à estabilidade do servidor público, pedem reflexão técnica e não política, antes mesmo do início dos trabalhos daquela Comissão.
Derrubada a estabilidade, o mesmo servidor público brasileiro que, ao longo das últimas décadas, foi apontado como trabalhador de segunda classe, ficará inteiramente vulnerável. Poderá ser demitido também por excesso de pessoal, por insuficiência de desempenho, por necessidades da administração e, ainda, para contenção de despesas com pessoal.
Nada tenho contra o aprimoramento funcional da máquina administrativa. Ao contrário, acho a providência necessária e urgente. Entendo, porém, que a atualização pretendida pelo Governo não pode usurpar direitos adquiridos. Ademais, da forma como as propostas estão colocadas até aqui, nada indica que os servidores públicos estarão resguardados da utilização abusiva das novas regras; nada indica que estarão livres de ações persecutórias, como aconteceu no passado, quando cada novo governo promovia a chamada "derrubada", isto é, a dispensa em massa dos servidores não afinados politicamente.
Argumenta-se que esse perigo não existe, pois os critérios serão detalhados em lei. Esse argumento não serve como garantia, pois corremos o risco de também a lei ser apreciada e votada no mesmo clima de acordos que, agora, tanta preocupação nos causa. O perigo existe, sim, e o clima vai ficando cada vez mais carregado contra o servidor público, como faço questão de demonstrar.
Pesquisa recente, realizada por duas empresas especializadas e divulgada pelo jornal Gazeta Mercantil, buscou saber como a população vê a estabilidade do funcionalismo público. A maioria da sociedade respondeu que quer o fim da estabilidade. Na mesma consulta, 43% dos entrevistados apontou o excesso de pessoal como o maior problema da Administração Pública.
A reação da população ouvida pela pesquisa não poderia ser outra. Como comentava no dia 22 de outubro, em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo, "as perguntas foram colocadas de modo a induzir uma resposta". Vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um exemplo de questão enviesada, daquela pesquisa, citada pelo editorialista. Perguntou-se: "A estabilidade deve permanecer porque impede demissões políticas, ou deve acabar porque existindo faz que funcionários relaxem no trabalho e obriga o Governo a manter funcionários em excesso?"
A resposta não poderia ser diferente. Esse é, no entanto, apenas mais um exemplo de como a opinião pública está sendo maliciosamente conduzida contra o servidor público. No entanto, a verdade é bem outra. O Brasil é dos países que menos empregam no setor público. A afirmação não é minha, mas do economista André Urani, pesquisador do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entrevistado no dia 25 último pelo jornal O Estado de S. Paulo, o pesquisador derrubou alguns mitos. Entre eles, o de que o Estado brasileiro emprega muito e paga mal.
Vejamos outras colocações daquele pesquisador. No setor público, diz Urani, o Brasil emprega relativamente pouco em relação a países desenvolvidos como Alemanha, França, Canadá, Austrália, Noruega e Suécia. Apenas Japão, Luxemburgo e Suíça, contrataram menos empregados públicos do que o Brasil. Isso, segundo o pesquisador, mostra que não estamos na contramão da História. Para confirmar, a Suécia, país do Primeiro Mundo, empregou quase três vezes mais funcionários públicos do que o Brasil na década de 80.
Existe, na sociedade brasileira, insatisfação com a qualidade do serviço público. Imagina-se, diz o pesquisador, que essa deficiência seja decorrente da falta de qualificação do servidor. Não é verdade. A participação de funcionários com 9 a 11 anos de estudo é 20 pontos percentuais maior na administração pública do que no setor privado. Além disso, o setor privado tem 20% mais de analfabetos, revela aquele membro do IPEA, que, como sabemos, é um órgão do Governo.
Se o serviço oferecido ao público deixa a desejar, como de fato acontece nas três esferas administrativas, é porque falta gerenciamento. Essa falha é culpa do administrador e não do funcionário desmotivado, sem perspectivas.
Não devo me alongar mais nestas considerações. Não posso, porém, encerrar sem pedir aos meus Pares, aos membros do Congresso Nacional, profunda reflexão sobre a reforma administrativa proposta pelo Governo, no tocante à flexibilização da estabilidade do funcionalismo público. O interesse público não é protegido com violação de direitos, mas com a supressão de vícios e irregularidades, como bem dizia há poucos dias, em brilhante artigo, o nobre Senador Josaphat Marinho.
Tempo e oportunidades existem para se corrigir os equívocos cometidos pela Comissão de Constituição e Justiça, no tocante à estabilidade do funcionalismo público. O que não pode é o interesse contábil da administração pública, a par da ânsia por aprovação pública, valer-se da imagem degradada do funcionalismo público para roubar-lhe um de seus maiores patrimônios, que é a estabilidade. Por isso, desejo encerrar este pronunciamento apoiando-me em duas outras oportunas colocações sobre a matéria, feitas pelo Senador Josaphat Marinho, no artigo a que me referi.
Quando sustentou, em seu relatório, ser inatingível a estabilidade já conquistada pelo servidor, o deputado Prisco Viana não criou direito, interpretou o que advém da Constituição, argumenta o ilustre Senador, para acrescentar: "Erros e excessos indefensáveis, apurados na administração, não podem ser corrigidos com prejuízo do que é legítimo. Tanto é de interesse público a eliminação de abusos quanto o respeito às situações regularmente constituídas. O titular de direitos não deve ser confundido com o portador de privilégios".
O servidor público tem o direito de ser respeitado como cidadão e como profissional. Não pode ser despojado de seu bem maior, que é a estabilidade, nem pode ficar vulnerável aos caprichos de episódicos dirigentes políticos. O funcionário público, desde o mais simples servidor de meu Estado, Rondônia, até o mais graduado nesta Esplanada dos Ministérios, não pode e nem será tratado como trabalhador de segunda classe enquanto me for possível lutar por seus direitos.
Muito obrigado.