Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO DE ABANDONO EM QUE SE ENCONTRA O DEFICIENTE, O INDIO NO BRASIL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • SITUAÇÃO DE ABANDONO EM QUE SE ENCONTRA O DEFICIENTE, O INDIO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/09/1995 - Página 16469
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, DEFICIENTE FISICO, OPORTUNIDADE, DENUNCIA, SITUAÇÃO, ABANDONO, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, ASSISTENCIA, PESSOA DEFICIENTE, INDIO.
  • LEITURA, DOCUMENTO, AUTORIA, XYCO THEOPLIO, JORNALISTA, PARTICIPANTE, ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, DEFICIENTE FISICO, ESTADO DO CEARA (CE), DIRETOR, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, PROTESTO, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, ASSISTENCIA, PESSOA DEFICIENTE, MANUTENÇÃO, POLITICA, COORDENADORIA NACIONAL PARA INTEGRAÇÃO DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA (CORDE).

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, anteontem, foi a questão da Rádio Record que nos ocupou boa parte da sessão; ontem, foi a questão acreana; e, hoje, é o retorno a esse problema de uma visita feita ou desfeita a Tucuruí.

Enquanto isso, nós, pacientes Senadores de terceira classe, que não somos Líderes e nem temos o passaporte fornecido por Lideranças para ocupar a tribuna, vamos sendo empurrados para a sexta-feira, vamos sendo empurrados para um horário inexistente. Eu me inscrevi, nesta semana, quatro vezes para falar. Já me inscrevi, também, para a segunda e terça-feira da próxima semana para ver se consigo falar alguma coisa, colocar algumas questões, que já vão ficando cediças e até desinteressantes, porque, realmente, passaram do tempo, perderam a oportunidade de serem comentadas.

Ontem, foi dia de índio. Todo dia - diz a música popular - é dia de índio. Ontem, foi dia de índio, mas não apenas de índio, esse nosso deficiente cultural; ontem, foi dia de nós todos, deficientes. Nesta sociedade narcisista, que é principalmente a sociedade brasileira, dos bonitos, dos que têm tratamento médico, dos cidadãos de primeira classe, dos narcisistas cujas imagens são produzidas por indústrias de fabricação de imagem, que transformaram o narcisismo bucólico, do Narciso olhando a sua imagem no fundo da água, nessa grande indústria de produção de falsas imagens para enganar os eleitores, para enganar os ouvintes, para enganar os telespectadores com essa produção fantástica de imagens falsas.

Nesta sociedade narcisista, os narcisos não se julgam deficientes e desprezam a deficiência, sem saber que todos nós somos deficientes. Lá, nos arredores de Bodoquena, os índios guaranis estão se suicidando a uma taxa crescente. Só neste ano já foram 25 que se suicidaram, porque, realmente, as condições de decadência dessa sociedade atinge também os silvícolas, que, não tendo condições de sobrevivência, fazem aquilo que fizeram alguns imigrantes franceses, que, no século passado, penetraram no Paraná e foram levados a um suicídio praticamente coletivo, que não deixou rastro de sua passagem por aquele Estado.

Ontem, portanto, eu não pude falar, mas foi o Dia dos Deficientes. E, antes de tomar consciência das minhas próprias deficiências - porque a juventude, a mocidade é também narcisista e não enxerga as suas próprias deficiências -, antes de tomar consciência das minhas crescentes deficiências - porque, na medida em que o fogo, o calor, a vivacidade de Eros nos abandona, vamos nos aproximando de Tanatos, do abraço final que culminará o processo de deficiência crescente que vamos incorporando ao longo de nossa existência, entrei em contato pessoal com algumas deficiências alheias. Um desses deficientes foi meu aluno do Mestrado de Economia da Universidade de Brasília. Eu empurrava a sua cadeira rampa acima até a sala de aula, aula que ele escutava e ouvia com atenção e participação. Ele me convidou para ser o orientador de sua tese de mestrado, que ele defendeu - e fui lá para acompanhar a sua defesa - na PUC, do Rio de Janeiro. Ele já correu mundo na cadeira de rodas várias vezes; participou de diversos campeonatos esportivos na Inglaterra, no Canadá e em diversas partes do mundo. Foi também ele o criador do Instituto Aleijadinho, instituto esse que, como quase todos os deficientes brasileiros, também está sendo ameaçado, bem como o próprio Aleijadinho na sua existência.

Este Governo retirou-lhe a sala, as condições de trabalho. A sociedade que nos retira as condições de trabalho e as condições da fala atinge a essência humana, porque o homem é homo faber, é produto de seu trabalho e de sua linguagem.

Passo a ler um artigo, intitulado "Neo-social", assinado por Xyco Theophilo, jornalista e publicitário, membro da Associação dos Deficientes Motores do Ceará, Diretor do Instituto Aleijadinho, membro da ONEDEF - Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos.

Eu gostaria talvez, se o tempo me fosse mais favorável, de comentar de início esse "neo-social", uma referência feita ao neonada, que ontem era marxista, logo em seguida virou neomarxista, depois passou a ser diversas outras coisas, e, agora, apresenta-se como o solitário, e único no mundo, neo-social. É o partido do ser único, de um ser narcisista, que preside a nossa sociedade deficiente.

Começa o artigo:

      "Fernando Henrique Cardoso disse que seu Governo não é neoliberal, mas que é neo-social. Não existe nada de novo na política social do Governo brasileiro.

      Neo-social é o Betinho. A conversa do Governo é neo qualquer coisa que não preciso dizer, porque vocês têm imaginação. Mas o que é neofantástico é que este Governo não é o único responsável pelo descaso social.

      Por que vocês acham que pessoas em cadeira de rodas, de muletas, cegos, surdos, portadores de deficiência mental, entre outros, pedem esmolas nos sinais de trânsito? Porque nós achamos que deve ser assim. No fundo, no fundo, eu acho, você acha e as pessoas que vocês conhecem acham. Porque, se não fosse assim, isso não aconteceria. Conheço pessoas raras, que dedicaram suas vidas a melhorar a imagem e a qualidade de vida dos portadores de deficiência e demais grupos segregados.

      Suas palavras, gestos e ações caíam e caem no vazio até dos amigos dessas pessoas. É uma insensibilidade geral, cultural.

      "Ah! Quando a esquerda tomar o poder, isso muda." Mentira! Não muda nada. Preconceito não tem ideologia, é geral, contamina a todos. Só os iluminados escapam, mas estes escapam até deste planeta infernal.

      Vão dizer que sou revoltado. Krishnamurti, um dos mais importantes sábios deste século, disse: "Você está revoltado contra a educação? Não! Revolte-se contra tudo, porque só uma pessoa completamente revoltada é capaz de ser criativa".

      Vão dizer que sou complexado. Como este mundo é complexamente revoltante, eu me caracterizo como uma pessoa revoltadamente complexa ou complexamente revoltada. A direita é assistencialista e a esquerda omissa. E este Governo é neo-assistencialista e neo-omisso, em cima do muro.

      A CORDE-Coordenadoria para a (des)Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência é a neo-repetição da falta de política do Governo Collor nesta área. Pasmem! Não houve mudanças nesta área, ou seja, são os mesmos, desde o Governo Collor, que lá estão para dizer aos portadores de deficiência, tratados como crianças, o que eles não devem fazer. Como já dizia um companheiro nosso: "A CORDE é a nossa FUNAI. A FUNAI e a CORDE existem para deixar os índios e os deficientes nos seus devidos lugares, ou seja, em lugar algum".

      Arruma-se o circo das demissões no serviço público novamente. Embora a legislação seja favorável às pessoas portadoras de deficiência, tanto na admissão como na demissão, a CORDE estará lá para ajudar os portadores de deficiência a serem os primeiros demitidos, quando, pelo menos, pela omissão, como ocorreu no Governo Collor.

      Sinto muito, meus amigos, mas os portadores de deficiência de hoje são os neo Aleijadinhos, neo Van Gogh, neo Gauguin, neo Beethoven, neo Toulouse Lautrec, neo Hulen Keller, neo Steven Hawking, neogênios com seu potenciais jogados no lixo da História.

      Este mundo não nos quer, nem na vida, nem na morte, embora a sociedade e cada um de nós matem os portadores de deficiência lentamente, a hipocrisia geral não quer que estes se matem ostensivamente.

      Vivamos então como protesto, como desafio, como ode ao absoluto, ao amor. Não esse falso amor libriniano do social festivo que caracteriza o Governo Fernando Henrique e demais governos tão parecidos. Vivamos em homenagem a gênios como esses que citamos, cuja deficiência transformaram em eficiência, cuja segregação transformaram em ligação, doação, genialidade, amor universal."

Esse é o documento que procuro registrar nos Anais do Senado, aliando-me ao protesto que ele contém, ao grito, à tentativa de sobrevivência que ele encerra. Assim, não tenho o que comemorar no Dia do Deficiente.

Ontem, foi também um dia deficiente; foi também um dia em que a consciência nacional silenciou, para melhor atestar a sua dureza, a sua indiferença diante da sorte nossa. Nós, os velhos deficientes; nós, as crianças deficientes, que serão afastadas pela mortalidade infantil; nós, os deficientes de todas as idades; os analfabetos, os sem-teto, os sem-terra, os sem-saúde, os sem-educação , os sem instrumentos para viver.

Portanto, ontem foi dia de índio, do índio que também constitui um mosaico nesse quadro de deficiências.

Ontem, foi o meu dia!

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/09/1995 - Página 16469