Discurso no Senado Federal

REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO ENVIADA PARA A APRECIAÇÃO DO CONGRESSO.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO ENVIADA PARA A APRECIAÇÃO DO CONGRESSO.
Aparteantes
Lauro Campos, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/09/1995 - Página 16466
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ANALISE, APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, REFORMA ADMINISTRATIVA, GOVERNO FEDERAL.
  • APOIO, PROPOSTA, EXECUTIVO, BUSCA, PROFISSIONALISMO, SERVIÇOS PUBLICOS, VALORIZAÇÃO, RECURSOS HUMANOS, MELHORIA, ATENDIMENTO, SOCIEDADE.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com a nova responsabilidade que assumiu de examinar e aperfeiçoar a Reforma Administrativa enviada pelo Governo, o Congresso vai passar por um grande teste de afirmação perante a opinião pública. O conteúdo polêmico das mudanças propostas pelo Executivo vai exigir de Deputados e Senadores elevadas doses de coragem, espírito público e independência, para decidir em nome dos superiores interesses desta Nação. Teremos que assumir de frente mais esse desafio, com a mesma disposição que foi revelada na aprovação das reformas econômicas do primeiro semestre.

O povo brasileiro está cansado do medo que leva à omissão. Infelizmente, ganha sempre quem grita mais e quem se organiza como força de pressão. E, como é impossível contentar a todos ao mesmo tempo, perde o mais fraco. Assim tem sido até agora, em prejuízo da maioria do povo brasileiro. E o nosso modelo de convivência política tem dado guarida a essa deformação do conceito de maioria. A discussão da Reforma Administrativa poderá significar um divisor de águas entre o passado e o futuro deste País aprisionado pela hipocrisia e pela demagogia. Considero imperioso substituir os hábitos rançosos da escravidão corporativa, colocando em seu lugar as decisões firmadas segundo os valores permanentes da verdade. Chega de enganar-nos, a nós mesmos.

O Brasil tem vivido algumas experiências de reforma do setor público, mas nenhuma delas resistiu ao tempo e ao poder erosivo das influências negativas. Há 26 anos, o Ministro Hélio Beltrão tentou um modelo de reorganização do Estado, através do Decreto-Lei 200, seguido de algumas tentativas frustradas de desburocratização. A Constituição de 1988 criou mecanismos que engessaram o poder de decisão do Executivo nos níveis federal, estadual e municipal. Veio, depois, o Governo Collor com as suas desastrosas intervenções na máquina pública, traumatizando e humilhando os servidores com um desmonte selvagem que deixou rastros irrecuperáveis de destruição. Mero capricho irresponsável para impressionar a opinião pública, que estava hipnotizada pelo marketing da caça aos marajás.

Há muitos fatores que estão na origem dos males que inviabilizam uma administração pública ágil e eficiente. Um deles foi o que prevaleceu durante muitas décadas, pelo apadrinhamento político que substituía o mérito nas admissões para o Serviço Público. O amadorismo nos processos de gestão do Estado era a porta ampla e permanentemente aberta para essa prática, que dispensava os concursos. O setor privado era ainda acanhado na sua capacidade de absorver o crescimento vegetativo da mão-de-obra disponível, e a ilusão da segurança no emprego público exercia um forte apelo. Isso levou ao nepotismo e ao engordamento, sem critério, das folhas salariais do Estado-empregador. Nós, políticos, temos que assumir o nosso mea-culpa na culturalização desse vício.

A Reforma Administrativa encaminhada pelo Governo não corrige os efeitos dos vícios passados, mas é uma proposta bastante realista na busca da profissionalização do Serviço Público. Seria pretensioso demais tentar analisar, neste rápido pronunciamento, toda a extensão das duas Emendas Constitucionais do Poder Executivo. No seu conjunto, o projeto de reforma vai demandar muitos debates dentro, fora e nas cercanias do Congresso.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MAURO MIRANDA - Com muito prazer, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Mauro Miranda, V. Exª trata de uma questão ligada ao dia-a-dia da Administração Pública brasileira, que é a reforma administrativa. Como V. Exª bem disse, a reforma administrativa tem sido tratada, ao longo do tempo, com uma espécie de pirotecnia política. Mudam os Governos, surgem as reformas administrativas. De quatro em quatro anos, ou até menos, temos visto a dança dessas reformas, criando-se ou extinguindo-se ministérios, mexendo, com isso, na vida profissional de milhares de servidores públicos que estão à margem desse processo político, mas, na verdade, tornam-se as grandes vítimas dessas reformas administrativas malfeitas. V. Exª lembrou muito bem, no Governo Collor, a questão de se fundirem três ou quatro ministérios, ficando muitos servidores disponíveis, sem receber salário, era uma "zorra". Uma reforma administrativa tem que ser feita seriamente neste País, mas não só para acabar a estabilidade do servidor público ou para extinguir ou criar ministério. Antes da fala de V. Exª, mencionou-se aqui a questão dos grandes salários. Na verdade, uma reforma na administração do Estado passa, efetivamente, por uma política salarial séria, onde se penalizem os grandes marajás em termos salariais deste País. Se formos estudar as folhas salariais, vamos observar que os cortes que devem ser feitos certamente não recaem sobre os pequenos, que ganham em torno de um salário mínimo, um salário mínimo e meio, enfim, uma remuneração média muito baixa em nível do Serviço Público brasileiro. Os cortes efetivos têm que ser feitos sobre os grandes salários e grandes dispêndios que são feitos muitas vezes por sistemas corporativistas que oneram a Administração Pública brasileira. Parabenizo V. Exª por ferir esse tema tão sério. Efetivamente temos, como classe política no Congresso Nacional, de discutir exaustivamente a questão da reforma administrativa que está sendo proposta pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, diga-se de passagem, está sendo proposta em uma outra linha. Não estou aqui comparando a atual proposta de reforma administrativa com as anteriores; pelo contrário, observamos que agora não se está falando em acabar ou criar ministério; na verdade, está-se procurando discutir a raiz do problema da Administração Pública brasileira e criar uma sistemática efetiva e definitiva que possa fazer com que se incremente racionalidade na gestão pública do nosso País. O tema que V. Exª aborda é da maior importância para a Nação, para a classe política e, em especial, para os servidores públicos, que dedicam sua vida à causa pública e nem sempre são compreendidos.

O SR. MAURO MIRANDA - Agradeço profundamente o aparte de V. Exª, que vem ao encontro do que pensamos e da causa pela qual lutamos.

A estabilidade e os excessos de remuneração consagrados pela via judicial serão temas de elevada sensibilidade sobre os quais o Congresso terá que tomar decisões, olhando para o futuro. Entendo, em princípio, que essas e outras questões ligadas ao funcionalismo são referências de vida ou morte para a União, Estados e Municípios na sua capacidade de prover serviços essenciais para a população. Há Estados em que as folhas de salários atingem o peso assustador de 91% no conjunto de despesas de custeio, reduzindo a praticamente nada os investimentos em educação, saúde, segurança, saneamento e transportes. Para manter empregos diretos, suprimem-se inversões em setores que criam empregos indiretos, de efeito multiplicador mais poderoso sobre a estabilidade social.

A profissionalização proposta pelo Executivo, no meu entender, vai valorizar os recursos humanos colocados a serviço da sociedade como um todo. O atendimento será melhor ...

O Sr. Lauro Campos - Senador Mauro Miranda, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MAURO MIRANDA - É com muito prazer que aceito o seu aparte, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Senador Mauro Miranda, a exposição de V. Exª versa sobre um tema da máxima importância. No entanto, ao contrário das esperanças depositadas por alguns dos políticos brasileiros e dos eminentes Senadores aqui presentes, receio que, ao invés da racionalidade que, agora, é assumida por um neodiscípulo de Max Weber, o Sr. Bresser Pereira, que 20 ou 30 dias após assumir o Ministério, no tempo do Presidente José Sarney, publicou um livro em que declara textualmente que adota o método, a terminologia e as diretrizes do pensamento marxista e que ele era e é um marxista - isso não foi há muito tempo para que a gente pudesse esquecer -, agora S. Exª, o neomaxweberiano que nunca leu Max Weber, nem ele nem o Nakano, que muitas vezes escreve por ele, vem dizer que vai construir em oposição à antiga, velha, arcaica forma de administração pública, em que o nepotismo, as relações familiares e as relações de sangue, etc, predominavam; que vai criar uma administração moderna, impessoal, eficiente, racional e legal. No entanto, ele já começa dizendo que vai demitir 80 mil funcionários. Senador Mauro Miranda, acompanhei de perto essa questão, porque Brasília é uma cidade administrativa. Então, nós, de Brasília, somos atingidos no coração, quando essas medidas disparatadas e infundadas vêm prejudicar a nossa sociedade. Quanto àqueles 160 mil funcionários prejudicados pelo narcisismo enlouquecido, ensandecido, do Presidente Collor, acompanhei um grupo desses funcionários que pretendiam ser reenquadrados no SERPRO. Ao conversar com aqueles funcionários, eles me deram os nomes das pessoas, me contaram sobre funcionárias que haviam se prostituído após perder o emprego, sobre dois funcionários que haviam se suicidado. Falaram sobre um casal que trabalhava na mesma repartição, e ambos foram atingidos pelo desemprego; o marido tentou montar uma banca, transformando-se em camelô nesse Estado racional, legal, onde se criam camelôs desempregados e desesperados, em nome dessa racionalidade. Portanto, receio que, se a carruagem continuar com esse andamento, caminharemos para um desastre bem maior do que aquele iniciado ao tempo do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Muito obrigado.

O SR. MAURO MIRANDA - Concordo com V. Exª em muitos pontos, mas acho que nosso Congresso Nacional tem de enfrentar a situação. A proposta virá para esta Casa, e tenho a certeza de que teremos a sabedoria e a coragem para definir rumos serenos, mas com muita determinação.

A profissionalização proposta pelo Executivo, no meu entender, vai valorizar os recursos humanos colocados a serviço da sociedade como um todo. O atendimento será melhor, e o servidor merecerá o respeito da população, rompendo-se o estigma da ineficiência que compromete a imagem da maioria. O projeto estabelece salvaguardas para impedir discriminações e injustiças. A função pública estará ligada ao objetivo e ao ideal de servir, em vez de servir-se. A eficiência será compensada com gratificações adicionais. Lucrará o servidor, lucrará a população dependente de seu devotamento à causa pública. Creio que caberá ao Congresso entender claramente os efeitos da reforma sobre o futuro, e estabelecer condições objetivas para que a lei não sirva de pretexto a perseguições e instabilidades nas relações entre chefes e subordinados. Nem se deverá permitir também que restem brechas para a prática do "jeitinho" que legitima as anomalias.

São essas as ponderações que eu gostaria de registrar numa primeira análise dos propósitos da Reforma Administrativa. Acho que me enquadro dentro dos sentimentos da maioria desta Casa e, por isso, não tenho posições inflexíveis sobre esse assunto, de tamanha responsabilidade, por envolver a segurança e a estabilidade de tantas famílias espalhadas por todo o território brasileiro. Firmarei minhas convicções dentro da preocupação de que o bem geral deve estar acima das resistências individuais ou corporativas, consagradoras de privilégios.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/09/1995 - Página 16466