Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA URGENTE REFORMA AGRARIA NO PAIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • NECESSIDADE DE UMA URGENTE REFORMA AGRARIA NO PAIS.
Aparteantes
Lauro Campos, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/09/1995 - Página 16471
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIOS, ESTADO DO PARA (PA), COMPROVAÇÃO, NECESSIDADE, URGENCIA, PROJETO DE REFORMA AGRARIA, REGIÃO, ERRADICAÇÃO, CONFLITO, POSSE, TERRAS, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu gostaria de registrar uma visita que fiz, no último fim de semana, a seis Municípios do Estado do Pará: Floresta, Conceição do Araguaia, Redenção, Cumaru do Norte, Santana do Araguaia e Santa Maria das Barreiras.

Uma região, Sr. Presidente, em que o regime militar, há anos, resolveu fazer uma área de grandes ocupações e distribuiu suas terras a grandes proprietários, a banqueiros, a multinacionais, que se utilizaram dos recursos da SUDAM, que se utilizaram dos incentivos fiscais e que, com suas grandes e poderosíssimas fazendas, que têm áreas que variam entre 50 a 400 mil hectares, todas elas instaladas nesses municípios, utilizaram recursos da ordem de U$10 bilhões, que eram destinados a investimentos naquela região.

Evidentemente que esses grandes proprietários, esses grandes fazendeiros, esses banqueiros, esses donos de multinacionais, que conseguiram aquelas terras com as benesses do regime militar, não aplicaram esse dinheiro naquela área, desviaram esses recursos da SUDAM, desviaram esses incentivos fiscais. Tão verdade é o fato que, hoje, a maior parte dessas áreas estão abandonadas, ocupadas por trabalhadores rurais. Tanto recurso jogado fora, tanto recurso desperdiçado! E hoje percebemos um gravíssimo conflito social.

Muitas dessas áreas já foram desapropriadas pelo Governo. O Governo do regime militar gastou US$10 bilhões com esses proprietários de terra. E, nesses últimos anos, o Governo gastou outros tantos milhões de dólares para desapropriar grande parte dessas terras e colocá-las nas mãos dos trabalhadores rurais - e muitas delas ainda não foram desapropriadas.

Mas o fato é que a maior parte dessas terras está ocupada por pequenos trabalhadores rurais desse nosso Estado. Trabalhadores que ocupam a terra sem nenhum apoio do Governo, sem estradas, sem escolas, sem assistência médica, sem assistência técnica, sem absolutamente nada. Às vezes, alguns deles morrem, alguns deles são assassinados. Quando trabalhadores rurais são assassinados, a Igreja Católica, o movimento social, a CPT, enfim, todos levam o fato a público, porque não têm medo da transparência.

Estive exatamente nesse domingo no Município de Santana do Araguaia. Ao chegar lá, havia dois cidadãos assassinados e um gravemente ferido. Não eram posseiros; eram os chamados funcionários da Fazenda Campo Alegre; na verdade, pistoleiros da Fazenda Campo Alegre. Pessoas também pobres e humildes, que, pela falta de emprego, pelas dificuldades inerentes à sua condição social, às vezes aceitam ser guardas de uma empresa como essa; às vezes, aceitam ser pistoleiros de uma empresa como a Fazenda Campo Alegre, que utilizou milhões para fazer assentamentos na região, para fazer uma colonização privada, e hoje é a maior inimiga dos posseiros da região.

Estavam no hospital de Santana do Araguaia, no domingo à noite, dois cidadãos estendidos numa maca, assassinados, mortos, naturalmente no conflito com os trabalhadores rurais.

O interessante, Srs. Senadores, é que, quando um fato desses acontece com um trabalhador rural, todos nós o tornamos público, pois não temos medo de que a sociedade julgue o que está acontecendo. Mas quando ocorrem crimes como o dos dois pretensos pistoleiros, num momento em que eu, Senador da República, estava presente em Santana do Araguaia, eles não dizem nada, não divulgam coisa alguma e nem sequer chamam a imprensa para mostrar os seus mortos. Por quê? Porque, na verdade, estão escondendo algo errado que fizeram.

É lamentável que quem pague com a vida não seja o dono da fazenda, quem pague com a vida não sejam os endinheirados, que pegaram recursos, na época do regime militar, da SUDAM e o jogaram fora ou investiram em outras regiões do País. Quem morre de tiro e quem vai para a maca fria do hospital é o pai de família, que, talvez não quisesse, mas, por uma necessidade, tornou-se pistoleiro de uma fazenda. Isso é o mais lamentável!

Quero deixar aqui registrado, mais uma vez, essa questão.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Ademir Andrade?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço, com muita satisfação, o aparte do nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Ademir Andrade, V. Exª, ao fazer referência ao problema do Pará, trata nesta manhã de uma questão que, na verdade, envolve todo o País. Temos visto, através dos órgãos de imprensa, temos acompanhado, pelas viagens que fazemos, que a questão do conflito de terra tem-se agravado em proporções exponenciais no Brasil. Sem dúvida nenhuma, essa demanda social está a clamar pela efetivação de uma política de reforma agrária e de justiça agrária que vá ao encontro do momento que estamos vivendo. O Pará é conhecido pelos problemas graves que lá existem. Mas, em outros Estados da Federação, esse quadro vem-se agravando. Tivemos o problema de Corumbiara, em Rondônia; estamos tendo o mesmo problema no Rio Grande do Sul. Enfim, a questão da reforma agrária está ganhando contornos dramáticos. Gostaria de, aproveitando o pronunciamento de V. Exª, reforçar a necessidade de que o Governo implemente uma política de reforma agrária, que enfrente esse problema não só da distribuição das terras, mas da questão da produção, do apoio ao homem que já está assentado. Enfim, que haja um equacionamento dos problemas graves que existem também nos atuais assentamentos, porque, em Roraima, existe também esse problema de forma muito séria. Temos lá assentamentos antigos do INCRA, principalmente nos Municípios de São João da Baliza, de São Luís do Anauá e no Município de Alto Alegre. Temos visto a situação deplorável em que se encontram esses produtores sem apoio e sem condições. Na verdade, o pequeno lote está se transformando em grande latifúndio, porque o homem do campo não pode manter o lote que ganhou do INCRA, uma vez que, sem financiamento, não há como trabalhar, não há como produzir. Na verdade, essa é uma questão premente; se, de um lado, leva à urgência nas soluções, de outro, leva à reflexão de um modelo que efetivamente dê condições de auto-sustentação a essas populações que estão sendo assentadas. Solidarizo-me com V. Exª no que se refere aos comentários que teceu sobre a situação que viveu no interior do Pará. Sem dúvida, servirá como exemplo para outros Estados da Federação. Todos nós, no Senado e no Congresso, devemos cobrar ações concretas do Governo Federal que façam com que esse quadro social possa ser modificado a curto espaço de tempo. Parabéns.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço a V. Exª pelo aparte. Somos responsáveis também por essa situação.

Penso que a compreensão política do Congresso Nacional em relação a esse aspecto é muito conservadora. Lembro-me de que, no processo de elaboração da Constituição de 1988, existiram mais de duas mil votações, Senador Lauro Campos, e houve uma única votação em que não faltou nem mesmo um parlamentar. Houve duas votações de maior presença: uma foi a dos cinco anos de mandato do Presidente Sarney - faltaram dois parlamentares entre os 503; a outra foi a votação da reforma agrária - não faltou ninguém. Normalmente as votações ocorriam com 60% ou 70% de presença no Congresso Nacional. A UDR, para aquela votação, colocou aviões a jato à disposição, em todo o País, para trazerem os Senadores para votarem contra o capítulo da reforma agrária. Lembro-me de que, de um lado da tribuna, o Senador Mário Covas, hoje Governador de São Paulo, defendeu a posição encaminhada por nós; do outro lado, o Senador Jarbas Passarinho discursou contra o nosso encaminhamento. Infelizmente, foi vitoriosa a proposta do Senador Jarbas Passarinho.

O Sr. Romero Jucá - Sem dúvida, o Congresso Nacional - do qual, naquela época, eu não pertencia - perdeu a grande chance de um quorum dessa magnitude para configurar um avanço imprescindível ao País. Infelizmente, se a Constituição de 1988 não avançou, temos agora a obrigação, como Congresso renovado, com a postura diferenciada, de buscar esse avanço, de retomar essa questão, porque, sem dúvida nenhuma, ela está calcada dentro de cada município, de cada comunidade. Enfim, trata-se de questão que diz respeito ao mundo real, ao Brasil real, razão pela qual não pode ficar sem resposta.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Concordo plenamente com V. Exª, até porque somos um País muito atrasado nesse tipo de produção. Estive na França, que é 17 vezes menor do que o Brasil, duas vezes e meia menor do que o meu Estado, o Pará, e fui informado de que aquele país produz 70 milhões de toneladas de grãos por ano. Nós, com essa imensidão de terra, com uma população duas vezes e meia maior do que a França, quando produzimos 70 milhões de toneladas de grãos, festejamos. Isso é falta da reforma agrária.

Isso ocorre devido ao conservadorismo, à falta de compreensão da classe política brasileira. Os grandes países capitalistas do mundo fizeram reforma agrária e obtiveram resultados positivos. O México, o Japão, os Estados Unidos cresceram e se modificaram depois que implantaram a reforma agrária. No Brasil, reforma agrária é coisa de comunista, é coisa de quem quer desvirtuar a sociedade.

O Brasil precisa de reforma agrária como nós precisamos de ar para respirar: é uma necessidade básica ao desenvolvimento desta Nação, e nós, políticos, temos que ter essa compreensão. E podemos contribuir, porque trabalhamos na elaboração do Orçamento da União. O Governo Federal faz promessas, determina metas, mas não as cumpre. Anteontem, dizia o Senador Osmar Dias, que o Governo Federal fala em assentar 40 mil famílias, esquecendo que cerca de 600 mil famílias estão deixando o campo por falta de condições de nele permanecer. Trata-se, portanto, de uma contradição.

O Orçamento da União está sendo elaborado, votado. Lutamos por recursos que dêem condições ao homem de produzir e de no campo permanecer, mas quando vamos para o concreto não temos nada. O INCRA do Pará, no ano passado, fez previsão de despesas de R$260 milhões para o ano de 1995. Sabem quanto ficou no Orçamento? Apenas R$6,5 milhões. E olhem que o Pará foi um dos Estados mais bem aquinhoados da Federação nesse aspecto da reforma agrária. É inaceitável. Por outro lado, temos no Orçamento deste ano a previsão de R$26 bilhões destinados ao pagamento de serviços da dívida externa e da dívida interna brasileira. Trata-se do lucro, do enriquecimento dos banqueiros, que se estão tornando os grandes donos das terras deste País. Não há banco no Brasil, salvo engano, que não possua grande área de terra. No Pará, o Bamerindus, o Bradesco, o Itaú, a Queiroz Galvão, a Camargo Corrêa, todos têm terras. Os grandes empresários são os donos das maiores áreas de terras do nosso Estado, e assim deve ser pelo País afora.

É preciso que enfrentemos essa situação. Está sendo encaminhada a esta Casa mensagem especial, Sr. Presidente, que solicita crédito especial de R$1.022 bilhão. E V. Exª, nobre Senador Lauro Campos, sabe para quê? Para pagar aval de empréstimos externos tomados por empresas que faliram. Para isso estão pedindo um crédito especial. Vamos votá-lo provavelmente na outra semana. Um bilhão e vinte e dois milhões de reais para cobrir buracos de empresas que tomaram dinheiro e não cumpriram com seus compromissos, situação da qual o Governo brasileiro foi o avalista. Como podemos mudar essa realidade, se aceitarmos acontecimentos como esses? Portanto, muito da responsabilidade em relação a essas questões cabe a nós.

Finalizando, dirijo-me aos companheiros do sul do Pará que tanto nos estimulam nessa luta e nesse trabalho. Pelos seis municípios que passamos recebemos apoio. Digo-lhes que devem continuar lutando, porque serão ouvidos em algum momento da nossa história.

O Sr. Lauro Campos - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Pois não. Ouço, com satisfação, o aparte de V. Exª, nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Ademir Andrade, congratulo-me com V. Exª. Sempre que faço uso da palavra, falo no sentido de trazer à tona, submeter à análise e encontrar soluções para os problemas sociais, fundamentais e dramáticos do nosso País. V. Exª muito bem falou em polarização, em critérios díspares que, de um lado, privilegiam aqueles que faliram numa sociedade que se diz de livre mercado, em que a racionalidade premia os eficientes, os "exitosos", os meritórios capitalistas; de outro lado, faz com que os ineficientes, os marginais sejam levados à falência. Quando falem, têm o socorro dos grupos políticos que compõem a estrutura de poder neste País. Isso acontece a todo momento. Não há dinheiro para a reforma agrária, mas há R$3,5 bilhões para o Banco Econômico da Bahia; não há dinheiro para o social. Parece que o Senhor Presidente da República fez uma divisão doméstica de trabalho: a Exmª esposa, Dona Ruth, fica com o social; e o Presidente, com o anti-social. É lamentável que isso ocorra. V. Exª se refere também à premente necessidade de reforma agrária. Assistimos, nesta semana, ao depoimento do Presidente do INCRA. S. Sª disse que, até hoje, em todas essas décadas de existência, o INCRA, que tem 4 milhões e 800 mil famílias de sem-terra, conseguiu emancipar, classificar como produtor independente, apenas 40 mil. Trata-se, portanto, de fracasso programado, devido à falta de vontade política existente neste País; vontade que sobeja quando se trata de amparar empresas e bancos falidos, parentes e amigos, que o mercado, no qual eles dizem acreditar, nesse mercado livre, condenou à morte, condenou à falência e à insolvência. Parabenizo V. Exª por ter tratado, mais uma vez, de problemas tão sérios, principalmente aqueles que atingem violentamente a sua região. Muito obrigado.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador.

Sr. Presidente, mais uma vez, dirijo-me ao povo do meu Estado e ao País, esperando que o cenário mude, que os Congressistas se sensibilizem para essa questão. Não podemos ficar só condenando o Executivo; muitas dessas questões passam pelas nossas mãos - aqui votamos o Orçamento, distribuímos recursos, interferimos de alguma forma -; e este Congresso tem que se levantar, porque também é responsável por essa situação.

Esperamos que a reforma agrária, um dia, se torne realidade em nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/09/1995 - Página 16471