Discurso no Senado Federal

RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, QUE VISA EXCLUIR A ALINEA B, DO ITEM II, DO PARAGRAFO 3, DO ARTIGO 166, SOBRE A GARANTIA DO PAGAMENTO DO SERVIÇO DA DIVIDA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. :
  • RAZÕES PARA A APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, QUE VISA EXCLUIR A ALINEA B, DO ITEM II, DO PARAGRAFO 3, DO ARTIGO 166, SOBRE A GARANTIA DO PAGAMENTO DO SERVIÇO DA DIVIDA.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Coutinho Jorge, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/1995 - Página 1295
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, EXCLUSÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RELAÇÃO, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, GARANTIA, AUSENCIA, ALTERAÇÃO, SERVIÇO DA DIVIDA.

            O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apresento nesta oportunidade uma Proposta de Emenda à Constituição. Na verdade, não se trata bem disso; trata-se mais da correção de um erro cometido durante a elaboração da Constituição de 1988. Espero que este Senado Federal, que o Congresso Nacional aja, em relação às emendas dos Parlamentares, da mesma forma como tem agido com as emendas de iniciativa do Poder Executivo. Quero iniciar lamentando e dando o meu testemunho de que nesta Casa só tramitam, só têm andamento as emendas que interessam ao Governo. As emendas de iniciativa de Parlamentares ficam a dormitar nas Comissões e nunca vêm à pauta para votação. As aprovadas este ano foram as quatro emendas do Poder Executivo, e ontem, em primeiro turno, mais uma do Poder Executivo e outra do nosso colega Antonio Carlos Valadares, mas era uma emenda - evidentemente isso é do conhecimento de todos - que interessava sobremaneira ao Governo; só que ele não teve a coragem de apresentá-la e permitiu que companheiros nossos tomassem essa iniciativa.

            Quero prestar esclarecimentos sobre essa emenda e fazer um registro que considero extremamente sério. A Constituição de 1988, em seu art. 166, trata do Orçamento Anual, do Orçamento Plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, e trata, em seu § 3º, das emendas, da participação do Congresso Nacional nesse orçamento. Diz, o § 3º:

            As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

            I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

            II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

            E cita três alíneas - e aí é que entra a minha emenda. A alínea "a" fala sobre dotações para pessoal e seus encargos. Ou seja, nenhum Parlamentar, nem o Congresso Nacional, pode modificar o Orçamento baseados em verbas destinadas a pessoal. A alínea "c" fala das transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e o Distrito Federal. Mas a alínea "b" tem uma proteção, no nosso entendimento, completamente inconveniente, que é o "serviço da dívida". Então, está dito na Constituição brasileira que o serviço da dívida é algo sagrado, ninguém pode mexer nele. O que o Governo prevê é o que tem que ficar. Não se pode fazer uma alternativa da despesa, considerando que algo possa ser mais importante do que o serviço da dívida, previsto pelo Poder Executivo, e que, inclusive, pode não ser exato, ainda que se prove que foi prevista uma importância maior do que o necessário, nenhum Parlamentar ou o Congresso Nacional pode mexer nesse item.

            A minha proposta de emenda à Constituição visa a excluir da Constituição Federal a alínea "b", que diz que o serviço da dívida é algo sagrado e intocável. Agora, o que é interessante, Srs. Senadores, é conseguir compreender como foi que esta expressão "serviço da dívida" apareceu na Constituição de 1988. Ninguém sabe explicar. Essa expressão não constou do trabalho realizado pelas oito comissões temáticas; não constou da Comissão de Sistematização, na qual trabalhamos 91 dias sem parar; ela não constou da votação do primeiro turno, e muito menos da votação do segundo turno. Esta proteção ao "serviço da dívida" apareceu na fase da redação final, Senador Lauro Campos. E não há, no mundo, quem consiga explicar como isso aconteceu. Ninguém sabe, os computadores não registram. Quem sabe talvez o nosso querido e ilustre Relator à época, Senador Bernardo Cabral, possa explicá-lo. Mas o fato é que este "serviço da dívida", essa proteção inaceitável, apareceu de maneira mágica na Constituição da República.

            O Sr. Josaphat Marinho - Se V. Exª acreditar, poderia convocar uma sessão espírita.

            O SR. ADEMIR ANDRADE - Tenho minhas dúvidas. Mas, acho que é um caso que merece inclusive uma investigação muito séria, Senador Josaphat Marinho, porque realmente é algo inacreditável. Como apareceu na Constituição da República do Brasil esta proteção aos banqueiros nacionais e internacionais de que os recursos previstos para pagar os serviços da dívida são absolutamente sagrados e intocáveis? É por isso que fazemos a apresentação desta emenda constitucional, que prevê a exclusão dessa proteção na Constituição da República Federativa do Brasil.

            Na verdade, esta não é nem uma emenda constitucional, mas uma correção a algo que apareceu de maneira misteriosa na Constituição brasileira, na fase da sua redação final.

            O Sr. Coutinho Jorge - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Ademir Andrade?

            O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço, com satisfação, o Senador Coutinho Jorge.

            O Sr. Coutinho Jorge - Senador Ademir Andrade, V. Exª propõe uma correção em um dispositivo do art. 166 da Constituição Federal. Quero lembrar ao ilustre Senador que os arts. 165 e 166, que tratam exatamente dos instrumentos operacionais de planejamento, ou seja, LDO, Plano Plurianual e do Orçamento Anual são dois artigos fundamentais da Constituição Federal, que, no meu entender, merecem reparos mais amplos. Temos que reavaliar esses dois dispositivos. Nesse sentido, durante o período da Revisão Constitucional, apresentei emenda global sobre esse assunto, e, lamentavelmente, como disse V. Exª, emenda de Parlamentar à Constituição Federal é praticamente desconsiderada. Afirmo que esses dois dispositivos, que tratam dos instrumentos mais importantes que sintetizam o processo de tomada de decisão da sociedade, que são os planos e orçamentos, precisam ser revisados. E V. Exª, no caso específico, corrige algo no que diz respeito ao que pode e ao que não pode ser emendado ao Orçamento. Penso que a colocação de V. Exª é correta, sobretudo a sua inquietude - V. Exª que foi um Constituinte e acompanhou o processo - ao reconhecer que não tem explicação o aparecimento dessa proibição de emenda contida no art. 166 da Constituição Federal. Por isso, acredito ser correta, oportuna e necessária a proposta de V. Exª. E diria mais: temos de reformular, de maneira radical, esses dois artigos que tratam de assuntos importantes. O que este Congresso Nacional deveria estar fazendo era discutir planos, orçamentos e, sobretudo, o seu sistema de acompanhamento e avaliação das ações do Poder Público. Acredito que V. Exª tocou num assunto importante: o da dívida, que merece ser discutido por este Congresso, avaliado e emendado, se for o correto. Portanto, penso que a emenda de V. Exª é uma correção necessária e oportuna para que o processo orçamentário, cada vez mais, seja claro e cristalino e que represente, realmente, os anseios e os interesses da sociedade brasileira. V. Exª está de parabéns por esta proposta.

            O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço, Senador Coutinho Jorge, o aparte de V. Exª.

            Depois, essa questão do serviço da dívida é uma das mais comentadas, mais faladas, mais criticadas pelo Congresso Nacional e pela Nação como um todo. O serviço da dívida é hoje algo que, na verdade, dita as regras da nossa política econômica.

            Somos um País que foi colocado sob uma verdadeira armadilha, construída e elaborada durante o regime militar. Não só nós, mas todos os países do continente sul-americano, nos endividamos em períodos em que estávamos vivendo sem democracia. Após terem os países imperialistas constituído essas verdadeiras armadilhas que foram as dívidas externas das diversas nações da América do Sul, houve então a liberalidade e a democracia, na verdade, quando todos nós já estávamos presos e atrelados a determinados compromissos que só significam transferências e mais transferências de riquezas para os países do Primeiro Mundo.

            O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço, com muita satisfação, o Senador Lauro Campos.

            O Sr. Lauro Campos - Muito agradecido, nobre Senador Ademir Andrade. O tema que o preocupa é da máxima importância. Temos visto que a Carta Magna tem sido até apensada por cartinhas, como esta carta dirigida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito da Petrobrás, que passam a ter força de lei, força de uma lei constitucional ou de uma sublei constitucional. Agora V. Exª traz à baila este fato insólito. Não foram talvez os nobres Constituintes que introduziram no texto constitucional essa proteção à "bancocracia nacional". E certamente não foi o Divino Espírito Santo, porque a Igreja Católica, Tomás de Aquino, já dizia que pecunia pecuniam parere non potest. Dinheiro não pode parir dinheiro. E Lutero dizia que os agiotas estariam condenados ao fogo eterno. Portanto, acho que não é dessas instâncias referidas, há pouco, aconselhando talvez que se consultasse um centro espírita; não é daí que encontraremos algum esclarecimento. Mas o fato é da máxima importância. E me parece que não é nem a Carta Constitucional e nem as cartinhas apensas à Constituição que vão conseguir, na pratica, pôr cobro a este assunto. O FMI declarou esta semana que a taxa de juro no Brasil só poderá ser reduzida, e portanto o serviço da dívida, no momento em que a carga tributária for aumentada. Isto é uma determinação do FMI, que fala supraconstitucionalmente em relação à nossa sociedade. E assim eu temo que mais uma vez vamos encetar uma luta muito bonita, uma luta muito patriótica na defesa de sua proposta de emenda. Mas que talvez sejamos surpreendidos, como hoje, com manchetes de jornal que nos avisam, em atraso, que o que votamos aqui, ontem, talvez resulte na privatização da Petrobrás, em um aumento de 100% do preço do petróleo. De modo que então, a cada dia, deveríamos fazer como o Banco Mundial que pediu desculpas ao Brasil pelo que tem feito conosco. E não pode ser coincidência que, na mesma semana, em que o Banco Mundial pediu desculpas por ter financiado o incêndio da Amazônia, Fernando Henrique Cardoso, que disse que o seu plano era social, tinha efeitos positivos, tenha vindo, também, pedir desculpas pelo sacrifício ocasionado, suportado pelo povo brasileiro.

            O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Ademir Andrade, a Mesa alerta V. Exª de que dispõe de 5 minutos, para encerrar o seu pronunciamento.

            O SR. ADEMIR ANDRADE  - Muito obrigado.

            O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. ADEMIR ANDRADE - Senador Bernardo Cabral, ouço com muita satisfação o aparte de V. Exª.

            O Sr. Bernardo Cabral - Senador Ademir Andrade, eu não me encontrava aqui por ocasião do seu discurso, de modo que não conheço, na essência, o que houve. Mas me diz o eminente Senador Jefferson Péres que V. Exª deve estar estranhando que tenha sido incluído, misteriosamente, na redação final, um trecho no texto da Constituição. Se V. Exª tiver um pouco de paciência, posso pedir ao PRODASEN, que está devidamente aparelhado para esta finalidade, uma vez que ficaram todas as emendas arquivadas, e dentro de algum tempo, pelo menos uns dois dias, ele já nos dará a resposta. Queria apenas precisar: V. Exª tem dúvidas quanto ao art. 166, § 3º, alínea b - serviço da dívida, é um?

            O SR. ADEMIR ANDRADE - É somente este.

            O Sr. Bernardo Cabral - Envidarei esforços para que V. Exª possa ter um esclarecimento do PRODASEN. Mas acho muito difícil que isso tenha sido incluído na redação final. Não quero afirmar, porque não fiz a pesquisa, mas, tão logo a tenha em mãos, farei chegar a V. Exª.

            O SR. ADEMIR ANDRADE - É o que a nossa pesquisa concluiu, meu caro ex-constituinte e hoje colega, Senador Bernardo Cabral. Na verdade, também fui constituinte e passei despercebido, porque não é possível nos apercebermos de tudo que ocorre.

            Eu gostaria realmente que pudéssemos ter um esclarecimento sobre esta questão. Mas, independente disso, ainda que ela tivesse sido discutida e votada no 1º e 2º turnos da Constituição, é uma questão que precisa ser excluída porque esta é uma proteção inconcebível, inconveniente e inaceitável.

            Porque, hoje, o grave problema do nosso País é a dívida interna, maior do que o problema da dívida externa. A dívida externa foi a armadilha que constituíram. Em função dela, temos que nos tornar um País transferidor de riqueza; para isso, evidentemente, temos que exportar muito mais do que importamos anualmente. Portanto, ceder riqueza material e não riqueza de papel. Em função disso, era preciso adotar-se uma política de arrocho salarial, de contenção de consumo, que agia sob dois aspectos: de um lado, o arrocho salarial, para que o cidadão pudesse consumir menos, de outro, o estímulo à especulação financeira para aquele que tinha recursos, ao invés de aplicar no setor produtivo, jogasse tais recursos no setor da especulação financeira. E daí o crescimento do serviço da dívida interna, porque o próprio Banco Central, no intuito de fazer uma política de contenção de consumo, no intuito de gerar superávit na balança comercial, jogava para a estratosfera os juros pagos ao aplicador comum, ao cidadão comum, que jogava seu dinheiro no banco e, em contrapartida, o banco recebia do governo os juros mais altos do que o aplicador comum recebia.

            Foi este fato, foi a política econômica adotada pelo Governo Federal, visando atender o interesse dos países desenvolvidos do Primeiro Mundo, que gerou essa dívida interna insuportável que estamos vivendo hoje, e que serviu para quê? Para quê, ao longo de todos esses anos? Serviu para transferir US$120 bilhões, de 1982 a 1995. Em menos de 13 anos, transferimos, para o exterior, em riqueza, em superávit comercial, cerca de US$120 bilhões. Não em moeda, mas em riqueza material, extraída do nosso subsolo, extraída do nosso povo, que foi para servir aos países chamados desenvolvidos do Primeiro Mundo.

            A nossa dívida só fez aumentar ao longo de todo esse tempo.

            O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - O tempo de V. Exª está esgotado, nobre Senador.

            O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço, Sr. Presidente. Concluirei em seguida.

            E hoje vivemos essa situação triste de sermos considerados, pelo Banco Mundial - e tenho que repetir isso permanentemente porque me choca profundamente -, o único País do mundo em que 10% da população é detentora de 53% da riqueza nacional, onde há a maior defasagem, a maior diferença social. Essa é a situação do nosso País.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, neste ano de 1995 estamos pagando R$26 bilhões do serviço da dívida interna e externa e ninguém pode tocar nesses recursos. Ninguém pode transferi-los para algo mais útil e mais necessário.

            Portanto, creio que essa emenda constitucional, a correção desse fantasma que apareceu na Constituição de 1988, seja extremamente necessária neste momento, e, por isso, a submeto à deliberação dos Senadores desta Casa, em primeiro lugar, esperando que, no futuro, a Câmara dos Deputados venha a discutir essa questão, que ora apresento, tão importante para o Brasil.

            Então, entrego oficialmente à Mesa a minha Proposta de Emenda à Constituição, com a assinatura de apoiamento de mais de 50 Senadores, para que ela tramite dentro dos prazos regimentais estabelecidos por esta Casa, e da mesma forma como têm tramitado as emendas que vêm do Poder Executivo.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/1995 - Página 1295