Discurso no Senado Federal

REUNIÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COM PARLAMENTARES PARA CONVENCE-LOS A APOIAR A REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • REUNIÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COM PARLAMENTARES PARA CONVENCE-LOS A APOIAR A REFORMA ADMINISTRATIVA DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/1995 - Página 1320
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONGRESSISTA, PARTIDO POLITICO, APOIO, GOVERNO FEDERAL, PRIORIDADE, MEMBROS, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, ANALISE, ADMISSIBILIDADE, PROPOSTA, REFORMA ADMINISTRATIVA.
  • APREENSÃO, POSIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GARANTIA, APOIO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA ADMINISTRATIVA, ADOÇÃO, REPRESALIA.
  • NECESSIDADE, RETOMADA, INDEPENDENCIA, LEGISLATIVO, DEFESA, ATUAÇÃO, CONGRESSISTA, EXCLUSIVIDADE, BENEFICIO, INTERESSE PUBLICO, PAIS.

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, confesso que hoje eu pretendia fazer um pronunciamento sobre questões relativas à Reforma Agrária no meu Estado. No entanto, ao ler os jornais, pela manhã, as notícias publicadas em praticamente todos eles me assustaram. É essa a expressão: essas notícias me assustaram.

            Refiro-me às notícias relativas à reunião do Presidente Fernando Henrique Cardoso com Parlamentares da sua base, em que foram utilizados argumentos para convencer os Parlamentares da base governista, particularmente os membros da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, que está analisando a admissibilidade do projeto de Reforma Administrativa.

            São argumentos que, no meu entendimento, não estão de acordo com a própria biografia do Presidente da República. É possível que hoje - não sei se já aconteceu - aconteçam desmentidos. Poderão dizer que os jornais noticiaram algo que não correspondia à verdade, porque normalmente é isso que acontece.

            Esse argumento pode até ser utilizado quando a notícia surge em um jornal, mas a cobertura dessa reunião está em todos os grandes jornais do Brasil, e alguns dos argumentos usados são idênticos em todos eles.

            Digo que me assusto e que alguns daqueles argumentos não estão coerentes com a biografia do Presidente da República, porque sou um daqueles que, embora Parlamentar de oposição, reconhecem que o Sr. Fernando Henrique Cardoso foi para a minha geração uma referência de resistência democrática. Sua Excelência, sem dúvida alguma, deu uma contribuição decisiva para o processo de democratização do nosso País.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, V. Exªs devem ter verificado que alguns setores da esquerda e do meu próprio Partidos muitas vezes têm procurado fazer uma analogia simplista entre os Governos do Sr. Fernando Collor de Melo e do Sr. Fernando Henrique Cardoso, rotulando os dois como neoliberais. Dentro do meu Partido, tenho discordado dessa visão simplista de comparação entre as personalidades dos dois Presidentes e seus Governos.

            Os argumentos hoje apresentados nos jornais e atribuídos ao Presidente da República, no sentido de convencer a sua base governista, particularmente na Câmara dos Deputados, a aprovar a Reforma Administrativa mostra-nos a necessidade de discutirmos uma questão que, a meu ver, está sendo relegada a segundo plano nesta Casa. Aliás, esse é um assunto que deveria ter sido enfocado quando este plenário estava repleto. Infelizmente, nenhum dos oradores inscritos anteriormente se pronunciou a respeito da independência dos Poderes em uma democracia.

            Naturalmente, reconhecemos o direito de o Governo, ao encaminhar uma mensagem, uma proposta de projeto de lei ou de emenda constitucional, para quaisquer uma das Casas do Congresso Nacional, por intermédio de suas Lideranças, procurar estabelecer um processo de debate político e de convencimento no sentido da aprovação dessa emenda, à medida que o Governo entenda que dentro seja importante tal aprovação.

            Aplicar a velha política do "é dando que se recebe", rezar de forma tão explícita a famosa oração de São Francisco de Assis, não condiz com a própria biografia do Presidente. Algumas expressões são apresentadas de maneira comum pelos diversos jornais, o que reforça a visão de que provavelmente foram proferidas e que nos preocupa, sinceramente, tendo em vista a visão do Governo Federal em relação à independência dos Três Poderes.

            Cito uma expressão publicada nos jornais de hoje em relação ao Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Deputado Roberto Magalhães, a quem não conheço pessoalmente, nunca tive oportunidade de conversar com S. Exª, mas que merece o respeito de todos os Partidos desta Casa, em função da sua biografia, que foi reforçada por sua posição como Relator da Comissão de Orçamento: "Se ele quiser ser Prefeito de Recife, que vá então buscar apoio do PT e do Arraes". Essa frase teria sido dita pelo Presidente da República. Não sei se o PT de Pernambuco irá dar esse apoio. Mas isso é questão interna. No meu entendimento, é uma posição claramente intimidatória, em decorrência de manifestações de Parlamentares da base governista na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a começar pelo Deputado Prisco Viana, Relator da matéria, que, por entender que, do ponto de vista constitucional, algumas questões colocadas na Reforma Administrativa não podem ser acatadas, está merecendo todo esse cerco por parte do Governo para tentar aprovar essa emenda.

            Primeiro foi uma declaração do Ministro Bresser Pereira, considerada ofensiva ao Deputado José Luiz Clerot, da Paraíba. Depois o Ministro disse que não foi bem assim. Mais uma vez é aquela velha história, as pessoas dizem uma coisa e depois tentam corrigir dizendo que não foi bem assim ou então dizem uma coisa publicamente e depois vão ao pé do ouvido e dizem que não foi bem assim, não era isso que queriam dizer.

            O segundo aspecto que mereceria uma reflexão por parte desta Casa, e que vimos debatendo desde o encaminhamento ao Congresso Nacional das emendas constitucionais relativas à ordem econômica, é a subserviência do Legislativo ao Poder Executivo. Em relação a isso, o Presidente Fernando Henrique Cardoso teria dito que, se o Congresso não aprovasse a emenda que o Governo estava encaminhando, ele iria à televisão para denunciar o Congresso com relação a essa proposta de emenda.

            Volto a dizer que não quero e sou contra o estabelecimento de comparações entre este Governo e o anterior. Mas esse filme eu já vi. Aconteceu em 1990, no início do mandato do então Presidente Fernando Collor de Mello, quando encaminhou um pacote de emendas, entre elas o confisco da poupança e a medida provisória que deu origem à Lei nº 8.031, das privatizações, que, por diversas vezes, foi contestada aqui neste plenário. Naquela ocasião, o então Presidente dizia que, caso o Congresso não aprovasse as medidas, ele iria diretamente às massas - com aquele seu estilo de bravata, de que todos nos lembramos e esperamos não ter a infelicidade de conviver novamente - para desmoralizar o Congresso Nacional e mostrar que estava correto. Por isso o noticiário dos jornais de hoje me preocupou profundamente.

            O Partido dos Trabalhadores já teve oportunidade de expressar a sua posição em relação a alguns pontos da Reforma Administrativa, e vamos votar a favor, demonstrando, mais uma vez, que não votamos contra simplesmente pelo fato de as propostas partirem do Palácio do Planalto.

            Já nos posicionamos favoravelmente ao limite, ao teto para remuneração do funcionalismo público, tanto da ativa quanto de aposentados, equivalente ao do Presidente da República. Isso é necessário para possibilitarmos o fim de verdadeiros absurdos, citados aqui por alguns Governadores, por ocasião de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos, particularmente pelos Governadores do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, com relação à existência de coronéis e delegados de polícia que recebem R$40 mil, R$50 mil, R$80 mil.

            Vamos votar favorável à proposta para podermos aprovar aumento de salário do Judiciário e do Legislativo.

            Com relação à questão da estabilidade, muitas vezes têm-se procurado provocar, mais uma vez, um grande racha dentro do Partido dos Trabalhadores, em função da posição dos nosso Governadores, que têm todo direito de emitir publicamente suas opiniões. Temos colocado que não consideramos a estabilidade no serviço público um privilégio do servidor, mas uma garantia para o conjunto da sociedade, no sentido de se estabelecer uma burocracia profissional e se evitar o que possivelmente acontecerá, talvez não no Governo Federal, talvez não nos grandes centros, mas provavelmente acontecerá nos distantes rincões do nosso País, que é o fato de o Prefeito ou o Governador assumir e fazer a famosa limpeza, demitindo diversos servidores para contratar os seus apaniguados.

            Temos dito, inclusive, que concordaremos com a possibilidade de, na legislação ordinária, ou seja, por meio do Estatuto do Servidor, agilizar processos administrativos, que já estão previstos na legislação, mas que, muitas vezes, não são aplicados, para possibilitar a demissão de servidores que, de maneira contumaz, mostram-se indignos de continuarem na condição de servidores públicos. De qualquer forma, são questões que merecem um debate político.

            Com relação aos argumentos que vêm sendo utilizados pelo Governo, em referência à sua base governista, devo registrar que hoje, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, foi apresentado um requerimento - que não foi votado por falta de quorum, mas que teve, inclusive, o voto de alguns Parlamentares da base do Governo - de interpelação ao Presidente da República, para que Sua Excelência confirmasse ou não as declarações que a imprensa divulgou com relação, particularmente, a membros da referida Comissão.

            Houve um debate jurídico sobre se a Comissão teria ou não poder para fazer essa interpelação, um debate em cujo mérito não vou entrar, porque não sou do ramo. O que deve ser registrado é que houve na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados uma repulsa muito grande com relação àquilo que foi publicado nos jornais de hoje.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reafirmando a posição de um Senador de oposição, como democrata, quero dizer que o que a imprensa hoje publicou como tendo sido dito por Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo que é uma referência para a minha geração, assustou-me muito. Se continuarmos trilhando nesse caminho, será necessário que o Congresso Nacional, através de seus membros, dê uma demonstração efetiva de independência, recolocando a discussão nos seus verdadeiros termos, para que não continuemos com uma política de intimidação por meio da barganha de cargos, procedimento tantas vezes repudiado pelo então Parlamentar Fernando Henrique Cardoso, mas que possivelmente será implementado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Eram essas as palavras que desejava dizer nesta tarde, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/1995 - Página 1320