Discurso no Senado Federal

APOIO AO PROGRAMA DE MELHORIA DO ENSINO FUNDAMENTAL, LANÇADO PELO GOVERNO FEDERAL. DEFESA DO ENSINO GRATUITO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • APOIO AO PROGRAMA DE MELHORIA DO ENSINO FUNDAMENTAL, LANÇADO PELO GOVERNO FEDERAL. DEFESA DO ENSINO GRATUITO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/1995 - Página 2518
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, PROGRAMA, GOVERNO, APOIO, MELHORIA, ENSINO FUNDAMENTAL, GARANTIA, DISPONIBILIDADE FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, DESTINAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, GRATUIDADE, ENSINO PUBLICO, UNIVERSIDADE, NECESSIDADE, URGENCIA, REESTRUTURAÇÃO, MELHORIA, EFICIENCIA, ENSINO SUPERIOR, FIXAÇÃO, CRITERIOS, QUALIFICAÇÃO, PRODUTIVIDADE, PESQUISA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Federal lançou há pouco um programa de apoio ao Ensino Fundamental, centrado na otimização dos recursos disponíveis. O Programa também prevê que o Governo Federal se juntará aos governos estadual e municipal com um maior aporte de recursos para o setor.

            Bastou o anúncio para que muitas vozes se erguessem concitando o Governo Federal a libertar-se da obrigação do financiamento universal do Ensino público Superior gratuito.

            Os nossos votos são no sentido de que o Programa de Melhoria do Ensino Fundamental seja um passo na direção da mudança da situação de descaso com que esse e os demais níveis vêm sendo tratados. O que não podemos esperar é que se jogue um nível de ensino contra outro. Não se pode corrigir erros com erros. E além disso, o Ensino Superior, em todos os países do mundo, é fortemente subsidiado pelo governo.

            A idéia implícita dos que querem o ensino superior pago é que, sendo as universidades onerosas e em geral pouco eficientes, de resto inacessíveis para as camadas menos favorecidas da população, não parece justo continuar subsidiando a educação dos "ricos" com a contribuição tributária dos necessitados.

            Que o ensino público universitário necessita de uma reestruturação urgente, sobretudo no que diz respeito a suas metas e compromissos sociais, isto é coisa que já ninguém contesta. Além de precisar crescer em eficiência e operacionalidade, sua práxis requer, no interior das escolas, a fixação de critérios qualificados de produtividade no nível do ensino, da pesquisa e da prestação de serviços.

            É verdade que as universidades são caras, e há muita ineficiência a ser corrigida, como, aliás, em todo o serviço público e na sociedade em geral. Mas nem as causas dos problemas estão no ensino gratuito, nem a solução consiste necessariamente, ou apenas, em introduzir o ensino pago.

            O primeiro grande equívoco do argumento privatista é acreditar que o custo do ensino público universitário vem em prejuízo do ensino básico, o que, no fundo, é uma tentativa algo esdrúxula de explicar o fracasso deste pela elitização daquele. Outro erro é supor que as universidades públicas são, hoje em dia, um apanágio dos ricos.

            Um levantamento de largo espectro logo demonstraria que, em sua maioria, os ingressantes nas universidades públicas provêm de uma classe média em rápida via de empobrecimento, mas que, em estágios anteriores, ainda tiveram a oportunidade de freqüentar boas escolas. O fato de que os pobres - salvo heróicas exceções - raramente passam pelas portas dos exames de acesso, o que não pode ser debitado à conta de uma suposta vocação elitista da universidade, mas sim à esqualidez da escola pública nos seus níveis básicos e às altíssimas taxas de evasão escolar em todos os graus.

            Portanto, é uma falácia a tese de que a universidade pública abriga os filhos dos ricos, enquanto os pobres se sacrificam para estudar em faculdades particulares, pagando por seus estudos. A verdade é que, no Brasil, a população pobre não tem acesso ao ensino superior, nem público nem privado, porque dificilmente logra completar sequer o primeiro grau. Por outro lado, os jovens de famílias ricas nem sempre possuem o potencial acadêmico para disputar as vagas nas universidades públicas. O ensino superior, atende maioritariamente às classes médias, que não são necessariamente ricas e para as quais o diploma é condição para manter ou melhorar sua posição social.

            Além do mais, é preciso reconhecer que, no mundo todo, universidades são instituições dispendiosas. Mesmo nos países em que se cobram anuidades diretamente dos alunos, elas constituem uma parcela relativamente pequena do custo das instituições. Isso ocorre porque as universidades não são apenas instituições de ensino, mas também centros culturais, de pesquisa e de prestação de serviços.

            As universidades mantêm hospitais, bibliotecas, laboratórios, museus e até orquestras. Os docentes não devem apenas ensinar, devem realizar pesquisas, promover a divulgação e aplicação do conhecimento.

            Não se trata portanto de reduzir gastos, mas os custos relativos, exigindo que as universidades cumpram competentemente sua função.

            É verdade que a maior parte do orçamento do MEC é gasta com as universidades federais, mas isso ocorre porque, no Brasil, a responsabilidade pelo ensino básico é dos Estados e Municípios, não da União. Cabe ao Governo federal, nesse nível, além da formulação da política nacional, um papel redistributivo e supletivo, que é cumprido com os fundos do salário educação. Os recursos provenientes do ensino pago nas universidades seriam insignificantes para as necessidades do 1º e 2º graus.

            Precisamos nos convencer de que não se pode, num país como o Brasil, diminuir os gastos públicos com educação, qualquer que seja o nível.

            O Brasil mantém, no 3º Grau, o correspondente a 11% da faixa etária de 20 a 24 anos, índice muito inferior ao de outros países da América Latina e reduzidíssimo quando comparado ao dos países desenvolvidos. É absolutamente fundamental, para o desenvolvimento do país, ampliar a oferta de vagas no ensino superior, especialmente, no caso das instituições públicas, em cursos noturnos. A cobrança de taxas poderia ser considerada uma fonte de recursos adicional para a ampliação do sistema, mas uma medida como essa só teria sentido quando comparada, em termos de custos e benefícios, às muitas outras que poderiam e deveriam ser implementadas para melhorar a qualidade e eficácia do ensino superior.

            A autonomia da universidade para gerir seu orçamento e o processo de avaliação de resultados, farão muito mais para melhorar e ampliar o ensino universitário (e a educação em geral, que dele depende para formação de professores) do que a cobrança de anuidades. É dentro de sua autonomia, que as universidades poderão analisar e decidir sobre os custos e benefícios institucionais e sociais da cobrança de taxas escolares para a parcela de seus alunos que efetivamente puder arcar com essa despesa, dentro do elenco de outras medidas; eliminação de pessoal ocioso e de subsídios para alimentação e alojamento de estudantes, exigências de rendimento escolar dos alunos, de qualificação acadêmica, produção científica e dedicação ao ensino por parte dos docentes, captação de fundos através de convênios de cooperação com o setor produtivo, melhor utilização de laboratórios e de equipamentos.

            Uma das grandes distorções que teria de ser eliminada é a aposentadoria precoce depois dos 25 anos de serviço para as mulheres e 30 para os homens. Em primeiro lugar, haveria que se questionar este tipo de feminismo invertido, que beneficia as mulheres como se elas fossem psíquica ou fisicamente frágeis. Aliás, todo o empenho das organizações corporativas na defesa do privilégio da aposentadoria por tempo de serviço, traduz bem a persistência dos valores próprios de uma sociedade escravocrata, onde o trabalho é um castigo do qual as pessoas devem ser rapidamente liberadas.

            Mas não se trata apenas de uma questão de custo. O trabalho na universidade exige uma competência que se adquire através da experiência e se consubstancia no ideal de carreira universitária. O normal é que o topo da carreira seja atingido após os 50 anos, quando geralmente os professores estão em condições de ocupar as posições de chefia e dirigir equipes de pesquisas. Hoje, os docentes se aposentam antes de atingirem este estágio. As universidades preservam seu pessoal recontratando aposentados, que passam a ganhar salário duplo.

            Com relação ao ensino pago, seria inteiramente irrealista supor que ele pudesse cobrir o custo das universidades, permitindo um vultoso aporte de recursos adicionais para o ensino básico, como às vezes se quer fazer crer. No mundo todo, o custo elevado das universidades vem do fato de elas não serem exclusivamente instituições de ensino, mas também centros de pesquisa. No Brasil, particularmente, onde a iniciativa privada não investe em pesquisa e o Estado investe pouco, a investigação, tanto pura quanto aplicada, está praticamente toda concentrada nas universidades públicas e não podemos destruir esta competência sem ameaçar o próprio desenvolvimento do País. O Estado vai ter, portanto, de continuar a investir pesadamente nas universidades, exigindo delas uma produção científica relevante, como fazem os países desenvolvidos.

            São basicamente corretos os cálculos que indicam que a cobrança dos custos do ensino não representaria mais que 20% do orçamento das universidades públicas. Calculando-se que há uma parte muito substancial do alunado que não pode pagar e para a qual a gratuidade deve ser assegurada, o percentual deve ser ainda menor.

            Nas universidades públicas, hoje, o pagamento do pessoal consome cerca de 90% do orçamento. Apenas 10% é destinado a custeio e capital. Isso explica porque sua infra-estrutura se está tornando rapidamente obsoleta em termos de informatização e da qualidade dos laboratórios e bibliotecas, não tendo mais condições de competir com universidades do Primeiro Mundo. Se a cobrança de taxas escolares trouxessem um aporte adicional de 10% do orçamento, isso poderia significar um aumento de 100% nas verbas de custeio e capital e uma melhoria substancial das condições de ensino e pesquisa.

            As perguntas que devemos fazer são: para que cobrar, quanto cobrar e de quem cobrar?

            Não se deve cobrar para isentar o Estado de investir no ensino superior.

            Deve-se cobrar de quem pode pagar, assegurando-se a gratuidade a quem não pode, estabelecendo-se um sistema de bolsas para os que não têm condições de se manter. Os recursos obtidos com a cobrança de taxas escolares devem ter destinação definida: a melhoria da infra-estrutura de ensino e a constituição do fundo de bolsas. Os alunos devem poder fiscalizar a aplicação desse fundo. Desta forma, o ensino pago teria a clara função de melhorar as condições de ensino e aumentar a eqüidade social.

            Trago também a proposta de que o aluno formado em escola pública seja obrigado a retribuir o benefício em serviços ao Estado por determinado tempo. Alfabetização, por exemplo. Se todos os formados pudessem entrar na campanha da alfabetização, sem cobrar nada, o monstro da ignorância receberia um duro choque. Há infinitas possibilidades de colaboração, abarcando da medicina à engenharia.

            Não podemos deixar que o debate sobre a universidade se esterilize na oposição principista entre ensino gratuito e ensino pago, abandonando as questões relevantes de como tornar a universidade mais competente e menos perdulária, objetivo este cuja solução passa, necessariamente, pela autonomia e pela avaliação.

            Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/1995 - Página 2518