Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO PLANO DIRETOR DA REFORMA DO ESTADO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA ADMINISTRATIVA.:
  • COMENTARIOS AO PLANO DIRETOR DA REFORMA DO ESTADO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/1995 - Página 2509
Assunto
Outros > REFORMA ADMINISTRATIVA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PLANO DIRETOR, INEFICACIA, JUSTIFICAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, GOVERNO FEDERAL, PROPOSIÇÃO, EXTINÇÃO, ESTABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO, AUMENTO, PERIODO, ESTAGIO PROBATORIO, REDUÇÃO, SALARIO.

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de fazer hoje alguns comentários sobre a proposta do Executivo de reforma administrativa. Não vou fazê-lo sob a ótica das cláusulas pétreas ou dos direitos adquiridos, até porque essa é uma área em que não ouso navegar, por não ter o conhecimento do Direito, pois não me incluo entre os bacharéis. Gostaria de fazer um comentário a partir de um conselho que foi dado pelo Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Dr. Bresser Pereira, o qual procurei seguir.

            No que se refere à proposta do Executivo de reforma administrativa, é dito que deve se analisar cuidadosamente o Plano Diretor da reforma do aparelho do Estado, um calhamaço de 54 páginas, que, segundo o Governo, justifica as suas emendas constitucionais na área da reforma administrativa.

            Surpreendemo-nos como qualquer cidadão que tenha um conhecimento mediano sobre as novas técnicas de gestão e sobre as técnicas modernas de administração, pois esse mesmo cidadão, ao se debruçar sobre o Plano Diretor, descobre algumas coisas surpreendentes.

            Em primeiro lugar, a total ausência de dados e de fatos, ferramenta que são tão decantadas pelas novas técnicas de gestão e pelos novos modelos de administração. Em segundo lugar, uma total ausência de efetivos instrumentos de medição do aparelho e do seu desempenho. Em terceiro lugar, a colagem incoerente de idéias de origens variadas sobre gestão. Enfim, a simples ausência da lógica formal que deveria unir causa e efeito.

            A falta de rigor científico e de precisão administrativa na gestão de um aparelho que envolve bilhões de reais e, principalmente, atinge a vida de todos os cidadãos, esta ausência, a nosso ver, é imperdoável e desqualifica a proposta governamental enquanto proposta de reforma do aparelho do Estado. Longe disso, a proposta se parece mais com uma bem arrumada e aparente desculpa para equilibrar o caixa a partir do tradicional e ultrapassado "corte de custos com mão-de-obra", deixando o patrimonialismo sobreviver.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faz alguns anos que o Brasil iniciou o PBQP - Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, e já somam milhares as empresas de todos os portes que têm se reestruturado segundo o padrão da chamada 3ª Revolução Industrial. Todas elas, com seus milhares de trabalhadores e centenas de gestores, podem ser testemunhas da inconsistência da proposta de "reforma do aparelho do Estado, gestada pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado.

            Por que o Plano Diretor não constitui uma efetiva proposta de reforma? Vamos aos dados e aos fatos. Primeiro, com relação à medição do controle, esse Plano Diretor apresenta oito tabelas no texto, mais quatro tabelas em seu anexo. A sua composição, periodização e indicadores derivados são insuficientes para justificar as medidas propostas ou mesmo para elaborar um diagnóstico - para descobrir as causas principais do problema. Para um diagnóstico ter coerência e consistência, ensinam os novos modelos de gestão, é preciso conhecer o processo que leva ao resultado indesejado, ou seja, o problema, e ter sobre esse processo o controle. Isto é, dados e fatos que permitam afastar possibilidades sem fundamento estatístico (os famosos "achismos") e centrar a análise nos fatores cujos indicadores de desempenho (Itens de Controle e Verificação) corroboram para localizar a falha do processo. Uma vez localizada a causa, as medidas corretivas podem ser adotadas e, caso sejam eficientes (resultados passam a ser os desejados), passam a constituir o novo padrão de rotina.

            Os dados apresentados pelas doze tabelas do Plano Diretor deixam margem a que o próprio MARE tenha imensas dúvidas:

            "Não podemos afirmar se este número de servidores é excessivo ou não sem considerarmos o problema da sua distribuição" (PD, pág. 19). No entanto, procurando as informações desta distribuição, ao longo do Plano Diretor, não encontramos a resposta. Onde está alocado o servidor? Saúde, educação, arrecadação, administração? Essas informações não constam desse Plano Diretor e a sociedade não sabe onde sobra e onde falta pessoal e quantos são.

            As tabelas 5, 6, 7 e 8 buscam demonstrar que os gastos com pessoal cresceram muito nos últimos anos, deixando o Governo sem recursos para investimentos, por exemplo. Mas os dados sobre evolução salarial (em termos reais) de alguns cargos não confirmam essa explicação. São poucos os casos exemplificados e, principalmente, não se explica nada sobre a evolução da receita (em termos reais). O indicador construído (percentual da receita gasta com pessoal) tem duas variáveis - gastos e receita - e nada se fala, por exemplo, sobre a queda da arrecadação no período analisado, devido à recessão e até diminuição do PIB em certos anos. Por que há crise fiscal? Esses dois casos ilustram a falta de método na elaboração do diagnóstico e conseqüentemente nada se pode esperar, em termos de eficácia e eficiência, das medidas corretivas propostas: demissão, redução de salário, redução da aposentadoria etc.

            Em segundo lugar, o Plano Diretor abrange um discurso de qualidade associado a medidas claramente tayloristas.

            Situando a proposta de reforma no âmbito da 3ª Revolução Industrial e redefinindo cidadão como cliente, o Plano Diretor afirma:

            "O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios de confiança e de descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de função, incentivo à criatividade (...). À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados e da competição administrada" (P.D., pág. 08).

            Para garantir a implantação desse paradigma, propõe a emenda constitucional: o fim do regime jurídico único, o fim da isonomia, supressão da garantia de irredutibilidade de salários, demissão por necessidade de ajuste de quadros e redução de despesas, estágio probatório de 05 (cinco) anos, dentre outras medidas.

            Onde está o equívoco? O discurso sobre o novo paradigma gerencial é quase correto. A nova inserção do ser humano no processo produtivo lhe confere poder de auto-gerenciamento. Se, de um lado, isso significa descentralizar - a palavra correta é "delegar" o poder, reduzindo a hierarquia e tornando a organização um ser vivo dotado de agilidade -, por outro lado, isso exige estabilidade no emprego e garantia de que as necessidades básicas estejam atendidas aos níveis fisiológicos e de segurança. O sistema opera ao nível da auto-realização no processo de trabalho, com estímulo à criatividade. A concepção de "carreira" ganha flexibilidade para permitir que o "projeto de vida" se concretize, mas a organização assume criar as condições para seu crescimento profissional. É justamente esse lado, o da reciprocidade, da confiança e da dedicação, que o Governo não está oferecendo ao servidor. Ao contrário, propõe as superadas fórmulas tayloristas de autoridade e medo, para focalizar o caixa e não o ser humano.

            Falar em cidadão-cliente é fácil. Difícil é mudar o perfil paternal-autoritário do patrimonialismo estatal. O Plano Diretor propõe o cliente, mas continua resolvendo por ele, decidindo por ele, dizendo o que é bom para ele. Não há uma proposta sequer para incorporar as reclamações do cliente ao processo de prestação de serviço pelo Estado. Onde está um sistema de "ouvidor" de queixas - seja ele um ombudsman ou uma coleta permanente de dados junto ao cliente?

            Controle pelos resultados não basta. É preciso, sim, controlar os processos. Esta, inclusive, é a essência da "ISO 9000". O que mudou não foi o controle estatístico de processo, mas quem faz o controle. No taylorismo, esse controle era exercido por camadas hierárquicas superiores, de fiscais dos operadores. Agora, nas fórmulas modernas de gerenciamento, cada trabalhador faz o seu auto-gerenciamento.

            Com dados, cartas de tendências, gráficos e todo instrumental estatístico. Se algo vai mal, ele mesmo corrige. Onde estão as medidas para implantar esse controle e verificação dos resultados? O Governo não propõe essas medidas. Como padronizar os resultados, garantindo sempre um serviço de qualidade para todos os cidadãos, se não houver um sistema rigoroso de medição?

            Segundo a empresa de consultoria Arthur Andersen (F.S.P. 15/10/95), os mais baixos salários são recebidos pelos servidores cujos cargos estão em contato direto com o público - o cliente. Essa inversão de valores não é alvo de análise nem de medidas corretivas por parte do Governo. Onde está a emenda que propõe um Plano de Desenvolvimento de Carreiras e Salários? A simples exortação pelo bem do cidadão não garantirá um serviço de qualidade muito menos "treinamentos" convencionais.

            3 - GERENCIAMENTO PELAS DIRETRIZES: "COLCHA DE RETALHOS" FUNCIONA?

            Uma organização ágil e flexível deve sua performance não apenas à "flexibilização das relações trabalhistas", mas, principalmente, à "flexibilização gerencial". Delegar poder, permitir o autogerenciamento, implica que todos na organização conhecem suas diretrizes estratégicas e são capacitados a convertê-las em metas de curto prazo dentro do seu espaço ocupacional.

            O Plano Diretor não diz quais os setores que serão minoritários para o Estado, quais serão abandonados ao mercado. Não apresenta suas diretrizes concretas, limita-se a uma carta de intenções. Fala em implantar um "Estado de Administração Pública Gerencial", mas não diz a que projeto de Nação ele corresponde. Ignorando qual o tipo de Estado o Governo decidiu dar à Nação, fica impossível estabelecer metas e avaliar o desempenho do aparelho no alcance dessas metas.

            O corte, o talho, o desenho do Estado define o corte e o desenho do seu aparelho administrativo. Misturando propostas ligadas aparentemente à reengenharia (sem diretrizes) e ao neoliberalismo inglês (minimizar o Estado), na essência, o Estado pensado pelo MARE parece manter sua relação autoritária com a sociedade civil e o uso patrimonialista da coisa pública.

            Se existe alguma coerência entre as medidas propostas na emenda e o Plano Diretor, essa parece residir na premente necessidade de ajuste de caixa - leia-se redução de gastos com pessoal. Aliás, nesse esforço de contabilidade resume-se, aparentemente, toda a política econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso. Nesta discussão se enquadram as medidas que contemplam a criação das organizações sociais e agências autônomas, assim como a disseminação dos contratos de gestão por toda a máquina pública. (P.D.p, 44-45).

            Por último, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a citação insistente, no Plano Diretor, da obra do Sr. Osborne (consultor norte-americano na área de reengenharia) lembra aquela frase já ultrapassada da nova história de que "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil". Talvez no lugar do Sr. Osborne, o MARE devesse ouvir a consultoria das nucleadoras do PBQP (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade) - instituições brasileiras responsáveis pela reestruturação do nosso parque produtivo -, escutar conselhos mais apropriados e conhecer outras propostas, mais eficientes e coerentes, de gestão. A Fundação Christiano Ottoni (UFMG), a Fundação Carlos Alberto Vanzolini (USP) e o Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) estão preparando, há anos, nossas empresas para a competição globalizada da 3ª Revolução Industrial. Certamente, têm muito a ensinar ao Estado. Experiências nas áreas de educação, saúde, agricultura e serviços (todos públicos) são relatadas como exemplos de sucesso em Estados como Minas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Bahia, dentre outros.

            Caso o Congresso Nacional aprove a emenda constitucional tal como o Governo deseja, a partir das justificativas do Plano Diretor, estará assinando um cheque em branco. Acabar com a estabilidade sem um Plano de Desenvolvimento de Carreira e Salário, aumentar o período probatório para além de um mandato eletivo, permitir redução de salários sem criar o sistema de controle de processos e resultados nem priorizar a Escola de Administração Pública, é adotar medidas que rompem os poucos diques de proteção existentes contra o patrimonialismo, sem oferecer outras garantias em troca. Num País com quase 500 anos de estamento patrimonialista, de exclusão do cidadão, no nosso entendimento, não é pedir demais? Que confiança pode-se ter em um governo que não diz a que veio, nem aonde quer levar a Nação?

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/1995 - Página 2509