Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO PROJETO DE RESOLUÇÃO ENCAMINHADO A MESA, DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA O ARTIGO 40 DO REGIMENTO INTERNO, DISCIPLINANDO AS VIAGENS DOS SENADORES AO EXTERIOR.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. PREVIDENCIA SOCIAL. :
  • JUSTIFICANDO PROJETO DE RESOLUÇÃO ENCAMINHADO A MESA, DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA O ARTIGO 40 DO REGIMENTO INTERNO, DISCIPLINANDO AS VIAGENS DOS SENADORES AO EXTERIOR.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/1995 - Página 3067
Assunto
Outros > SENADO. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, VIAGEM, SENADOR.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMPARAÇÃO, VANTAGENS, APOSENTADORIA, REINHOLD STEPHANES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA PREVIDENCIA E ASSISTENCIA SOCIAL (MPAS), JAIR SOARES, EULER RIBEIRO, DEPUTADO FEDERAL, PRESIDENTE, RELATOR, COMISSÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, RELAÇÃO, TRABALHADOR.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, lamento que o Senado esteja vazio e não possa ouvir a minha comunicação: encaminhei à Mesa hoje para discussão e votação projeto de resolução que trata de um assunto tabu nesta Casa, que são as viagens de Senadores para o exterior.

Passo a ler a justificativa:

      "As viagens de Senadores ao exterior, com ônus para o Senado, são decididas com aprovação meramente formal do Plenário, sem amplo debate quanto à sua necessidade e quanto aos integrantes das delegações.

      Independentemente da isenção e das boas intenções, as pessoas que decidem nesses casos o fazem com grande margem de arbítrio e estão sujeitas a escolhas inadequadas por erro de julgamento e por pressão dos interessados. Pior ainda, isso levanta suspeita de favorecimento e expõe a instituição a críticas quando à real utilidade de algumas dessas viagens.

      No corrente ano já se realizaram muitas missões do Senado em outros países com delegações integradas, no total, por dezenas de Senadores, sem que fosse discutida previamente a necessidade de cada uma e sem que se soubessem os critérios que presidiram à escolha de seus integrantes.

      Impõe-se, assim, o disciplinamento dessas viagens, mediante a fixação de critérios impessoais e objetivos que dêem transparência ao processo e impeçam o desgaste da imagem pública da instituição. É o que busca o projeto de resolução ora apresentado."

Mesmo que não tenha havido excesso de viagem no corrente ano, nada impede que aconteça nos anos posteriores, Sr. Presidente. Há necessidade, sim, de disciplinamento.

Trato dessa questão, Sr. Presidente, com muita tranqüilidade. Que não fique na mente de ninguém a idéia ou a suspeita de frustração. Neste ano já fui convidado duas vezes para viajar ao exterior com ônus para o Senado. Agradeci ambos os convites. Senti-me distinguido, estou muito grato a quem os fez, mas entendo que viagens ao exterior só mediante regras objetivas. Daí o meu projeto de resolução, que, evidentemente, sofrerá emendas, ou talvez até a rejeição da Casa, não sei. Enfim, vai ser discutido, emendado e votado oportunamente, mas o dever me impunha tentar regulamentar isso. Talvez seja incompreendido, não sei, paciência. Ninguém entra na vida pública para exercê-la com seriedade, se não estiver disposto a arcar com os espinhos da missão.

O Sr. Roberto Requião - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Pois não. Ouço, com muita satisfação, o aparte de V. Exª, nobre Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião - Nobre Senador, leio nos jornais que a comitiva do Congresso Nacional que visitará a ONU na comemoração do seu 50º aniversário é composta de mais de 31 Parlamentares. Nobre Senador, fico aqui, comigo mesmo, conjecturando sobre o fato de que, há algumas semanas, a Comissão de Educação não se reúne, porque não tem conseguido o quorum de 14 Srs. Senadores. No entanto, teremos um quorum maior do que o das últimas reuniões da Comissão de Educação, do Senado da República, nos hotéis de Nova Iorque. E os Parlamentares viajam acompanhados de suas esposas, demonstrando que não deve ser tão importante assim a presença dessa tão nutrida comitiva. Acredito que a observação dos trabalhos da ONU seria até interessante. Depois disso, depoimentos prestados aos Plenários do Senado Federal e da Câmara viriam oportunamente. Realmente é incrível que nós, Senadores, paguemos o ônus dessas abundâncias, que, no caso presente, parecem ser objeto de um convite do Presidente da República, que distribuiu prebendas entre Parlamentares, provavelmente os que mais se destacaram na defesa dos seus interesses, ou talvez os mais lúcidos e ilustres, no entendimento de Sua Excelência. Mas o Senado Federal está aqui sem pauta e vazio. Aqui estamos perdendo o nosso tempo; as Comissões não se reúnem, e de tudo isso resultará uma convocação extraordinária nas férias - férias de quem trabalha, porque as férias de muitos Parlamentares estão sendo tiradas agora em Nova Iorque.

O SR. JEFFERSON PÉRES - V. Exª, Senador Roberto Requião, na parte final do seu aparte, refere-se a um fato que reputo grave: mais um "feriadão" no Senado, nenhuma Comissão se reúne e com tanta matéria a ser votada. Isso ensejará uma convocação onerosa para o Congresso, que, certamente, vai deixar nos bolsos dos Parlamentares muito mais do que aquilo que milhões de brasileiros ganham em um ano inteiro de trabalho, Sr. Presidente. Essas coisas deixam muito mal o Congresso.

Mas não é só isso, Sr. Presidente. Penso que o Brasil é um país surrealista. Aqui acontecem coisas que não acontecem em país nenhum, pelo menos em nenhum país civilizado. Vejam V. Exªs o projeto da Previdência. É algo incrível o que está acontecendo com os três principais personagens desse episódio: o Ministro da Previdência, o Presidente da Comissão e o Relator.

Diz o Jornal do Brasil:

      "Enquanto 90% dos mais de 15 milhões de aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recebem apenas um salário mínimo por mês, Stephanes, Euler e Soares - ou seja, o Ministro, o Relator e o Presidente da Comissão - gozam de aposentadorias que variam de R$3,5 mil a R$6 mil. São as chamadas aposentadorias especiais, que o Governo pretende extinguir com a reforma da Previdência.

      Aposentado como conselheiro do extinto Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) desde 1990, o Deputado Euler Ribeiro tem uma aposentadoria equivalente ao salário de um desembargador de Justiça do Amazonas - entre R$6 mil e R$6,5 mil.

      O Deputado recorreu à tese dos direitos adquiridos para conseguir aposentadoria aos 49 anos, apesar de ter ficado no cargo menos que os cinco exigidos pela Constituição (...).

      Ex-Ministro da Previdência, o Deputado Jair Soares, Presidente da Comissão, também recebe aposentadoria especial como ex-Governador. (...) recebe mensalmente R$5 mil brutos (...).

      São seis ex-Governadores do Rio Grande do Sul que têm direito à aposentadoria. Acho isso justo", diz o Deputado Jair Soares."

O Deputado não alega que é a lei, que a lei não foi feita por ele e que ele recebe isso. Não deveria. O Senador Roberto Requião renunciou à aposentadoria de ex-Governador. Quando Vereador da Câmara Municipal de Manaus, apresentei projeto - felizmente aprovado e sancionado - extinguindo a aposentadoria de ex-prefeito de Manaus. Mas o Deputado Jair Soares nem sequer diz que é legal e que por isso recebe. Não! S. Exª acha justo e tem a coragem - para não usar uma palavra mais dura - de dizer que isso é justo.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Cedo-lhe um aparte, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Parabenizo V. Exª por esse pronunciamento e pelos temas abordados, particularmente no que diz respeito à questão da aposentadoria de ex-governador. Quando Deputada estadual, durante os quatro anos do meu mandato, apresentei projeto que visava acabar com a aposentadoria de ex-governador, pelas mesmas razões que V. Exª acaba de elencar. Eu não achava justo - e não acho - que um Estado que depende de 90% dos repasses da União utilize o dinheiro do contribuinte brasileiro - não só da Região Norte, mas de todo o Brasil, já que o dinheiro é fruto do rateio da arrecadação da Receita Federal e sustenta os Estados e seus orçamentos. Também no meu Estado, pessoas que assumiram o governo por pouco tempo recebem essas pensões de ex-governadores. Naquela época, eu apresentava o projeto a cada ano, e ele caducava na Comissão de Constituição e Justiça. Eu o reapresentei todos os anos durante os quatro anos do meu mandato, mas, infelizmente, não tivemos a oportunidade de aprová-lo. Não acho justo que governador, prefeito ou senador, que têm mandato para um determinado período, fiquem recebendo seus vencimentos para o resto da vida. Na verdade, o que a população faz, em termos de remuneração, é eleger um governador, um senador ou um prefeito para o resto da vida. Disso resulta falta de dinheiro para a construção de escolas, por exemplo. Na zona rural, bastariam apenas R$300,00 para se fazerem cadeiras ou bancos de madeira, mas não há esse dinheiro. No entanto, pagamos polpudos salários de aposentadorias que nem sequer poderiam ser consideradas legais, quanto mais justas. Porque muitas vezes são legais, mas não são justas. Acho estranho ouvir dizerem que esse tipo de benefício é justo, num país com os salários como os nossos e com a nossa realidade social. Muito obrigada.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Lamento, nobre Senadora, que a Assembléia Legislativa do Acre não tenha aprovado o projeto de V. Exª, e que um Estado tão pobre como o Acre tenha que sustentar ex-governadores que ganham sem fazer jus à remuneração.

Mas nós aqui, Senadores, depois de oito anos, vamos nos aposentar também, nobre Senadora. Só não apresentei um projeto extinguindo o IPC, porque sei que seria rejeitado, mas pelo menos fiz o que era possível: apresentei um projeto tornando facultativo o recolhimento, porque não quero me aposentar daqui a oito anos como senador, e esse é um direito que me deve ser assegurado. Querem me obrigar a contribuir e, no final, me aposentar sem querer, o que não acho justo, porque a maior parte é paga às custas dos cofres públicos. E o que vou fazer, nobre Senadora? Perder o que já contribuí? Renunciar à aposentadoria e perder oito anos de contribuição? Também não é justo para comigo. Espero que o Senado aprove o meu projeto tornando facultativo o recolhimento para o Instituto, porque me desligarei dele no dia seguinte.

Completando o trio, então, temos o Ministro Reinhold Stephanes, contra quem não tenho nada. Mas diz o jornal:

      "Com apenas 22 anos de serviço e 48 de idade, Stephanes se aposentou em 1985 como economista da Prefeitura de Curitiba, com um benefício mensal de cerca de R$3,5 mil.

      Para receber essa aposentadoria, o Ministro contou como tempo de serviço os quatro anos e sete meses de Exército e os anos em que freqüentou cursos profissionalizantes como aluno aprendiz. Através dessa manobra jurídica, Stephanes conseguiu contar 34 anos de serviço apesar de ter trabalhado apenas 22."

Em qualquer país mais sério, o Sr. Reinhold Stephanes não seria Ministro da Previdência, para patrocinar um projeto que extingue a aposentadoria, e o Presidente e o Relator da Comissão já teriam sido destituídos do cargo, porque estão legislando em causa própria.

Enfim, ao colocar essas questões, algumas dentre muitas, sei que estou desgostando, palmilhando um caminho antipático, talvez colecionando inimigos - em potencial ou abertamente - mas, paciência, Sr. Presidente.

Termino meu pronunciamento repetindo o que eu dizia há pouco para dois Senadores aqui ao lado: todas as vezes em que enfrentei isso na minha vida pública, lembrei-me do famoso relatório de Graciliano Ramos, grande autor de Vidas Secas, quando Prefeito de Palmeira dos Índios. Ele terminava esse documento histórico, dizendo o seguinte: "Em defesa do interesse público, perdi muitos amigos; não me fizeram falta".

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/1995 - Página 3067