Discurso no Senado Federal

DIA NACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • DIA NACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/1995 - Página 3102
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, SOLIDARIEDADE, SENADOR, ESTADO DO ACRE (AC), MOTIVO, ACUSAÇÃO, DENUNCIA, GOVERNADOR, AUSENCIA, INTERESSE, GOVERNO FEDERAL, CONSTRUÇÃO, RODOVIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PERU.
  • CRITICA, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, ALFABETIZAÇÃO.
  • CRITICA, REQUISITOS, UTILIZAÇÃO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AVALIAÇÃO, ANALFABETISMO, BRASIL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ANALFABETISMO, BRASIL.
  • COMENTARIO, REDUÇÃO, QUALIDADE, SISTEMA DE ENSINO, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de ler meu pronunciamento, gostaria de me solidarizar com os Senadores do Acre e, por seu intermédio, com o povo acreano, já que hoje estamos vivendo uma tarde acreana, infelizmente para queixarem-se de desmandos que estariam ocorrendo naquele Estado e o abandono da idéia de se fazer a ligação com o Pacífico, que é, há muito tempo, reclamada pelo povo do Acre e daquela parte do Brasil, onde temos - gaúchos e cearenses - uma participação importante na epopéia, que foi a ocupação e a colonização do Acre.

Comemora-se, no dia quatorze de novembro, o Dia Nacional da Alfabetização. A questão que se coloca desde logo, porém, é: temos algo a comemorar nesta data?

Dificilmente alguém daria a resposta afirmativa. Afinal, o País que é dono da nona economia mais pujante do planeta deverá chegar ao ano 2000 ainda na incômoda posição de sétimo país com o maior número de analfabetos.

De resto, encarada nossa situação com maior realismo, galgaríamos mais quatro posições, colocando-nos num ainda mais vergonhoso terceiro lugar mundial em analfabetismo, atrás apenas das superpopulosas Índia e China.

Explico-me: nossa classificação em sétimo lugar toma por base o número oficial de analfabetos indicado pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE -, realizado em 1991, que é um pouco superior a dezenove milhões de pessoas. Ocorre, porém, que os especialistas em educação discordam, em uníssono, do critério utilizado pelo IBGE.

Para o IBGE, uma pessoa é alfabetizada se souber ler e escrever um bilhete simples. Os educadores, entretanto, ponderam, com razão, que esse critério, além de pouco rigoroso, é pouco confiável no que tange à sua aplicação, pois é de se perguntar até onde o recenseador foi na avaliação dessa capacidade de ler e escrever um bilhete simples. Assim sendo, considerar os anos de escolaridade concluídos representaria um critério, em primeiro lugar, muito mais objetivo e, em segundo lugar, muito mais rigoroso, mais consentâneo com a realidade da sociedade moderna.

A utilização do critério dos anos de escolaridade completados tem sido defendida com base em estudos realizados na América Latina, os quais têm demonstrado que são necessários ao menos seis anos de escola para que uma pessoa passe à condição de alfabetizada plena, ou seja, para que tenha condições de utilizar as habilidades de leitura, escrita e cálculo, de modo a enfrentar as exigências da vida moderna e continuar aprendendo. As conclusões desses estudos levaram, inclusive, à formulação do conceito de analfabeto funcional - aquele que lê e escreve minimamente, mas não atingiu a alfabetização plena - em oposição ao analfabeto total - aquele que não é sequer capaz de ler e escrever um bilhete simples.

Levando-se em consideração que, no Brasil, 50% da população adulta não têm mais de quatro anos de estudo, podemos concluir que a maioria dos adultos brasileiros são analfabetos funcionais. Por esse critério mais realista, superaríamos com folga a casa dos quarenta milhões de analfabetos, o que nos deixaria em posição pior do que a Indonésia, Nigéria, Bangladesh e o Paquistão.

Todo esse quadro torna-se ainda mais deprimente quando recordamos que o Constituinte de 87/88 fez constar do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a determinação de que o Poder Público eliminasse o analfabetismo num prazo de dez anos. Hoje, transcorridos sete anos da promulgação da Carta, somos forçados a reconhecer que nenhum avanço foi concretizado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estando plenamente evidenciado que não temos conquistas a comemorar no transcurso do Dia Nacional da Alfabetização e, por outro lado, sendo francamente consensual que o desenvolvimento da Nação depende da superação dessa terrível chaga, devemos voltar-nos com firmeza para a identificação dos caminhos e instrumentos aptos a realizarem essa superação. Nesse particular, encontraremos subsídios preciosos na própria história recente do País.

No período de quatro décadas entre o censo de 1950 e o de 1991, pode-se observar uma tendência bem definida na evolução das taxas de analfabetismo: a cada censo verificou-se, sistematicamente, uma redução no percentual de analfabetos entre a população adulta e um aumento no número absoluto de analfabetos nessa mesma população. Assim, enquanto o percentual caía de 39% para 33%, e, depois, para 25% e, finalmente, para 20% nos censos de 60, 70, 80 e 91, os números absolutos cresciam de 16 milhões para 18 milhões, e depois para 18,7 milhões e 19,2 milhões nos mesmos censos, indicando que os avanços da escolarização só em parte cobriam o rápido crescimento populacional do País. Por trás dessa tendência uniforme, porém, uma análise mais cuidadosa de cada uma das décadas revelará aspectos muito interessantes de nossa história econômica e social.

Uma confrontação entre o que ocorreu, respectivamente, ao longo das décadas de 50 e 80 é extremamente ilustrativa das influências que incidem sobre o problema do analfabetismo. De 1950 para 1960, a taxa de analfabetismo caiu de 50,5% para 39,6%, cerca de onze pontos percentuais.

Entre 1980 e 1991, o declínio percentual foi muito menor, na verdade, o menor dos últimos cinqüenta anos: de 25,5% para 20%, apenas 5,5 pontos percentuais ou a metade da redução verificada ao longo da década de cinqüenta. Além disso, em números absolutos, houve crescimento, entre 1980 e 1991, de 18,7 para 19,2 milhões, ou seja, meio milhão de analfabetos a mais. Esse incremento representou grande frustração em relação às expectativas, pois projetava-se, inclusive, que os números absolutos começassem a cair na década passada. Em resumo, pode-se afirmar que a década de cinqüenta foi bastante positiva em termos de combate ao analfabetismo, ao passo que a década de oitenta representou autêntica frustração nesse campo. A pergunta pertinente neste momento é: por quê? Porque, ao longo da década de cinqüenta, conseguimos reduzir o analfabetismo num ritmo duas vezes mais veloz do que na década de oitenta?

A resposta é que três fatores principais contribuíram para isso. A década de cinqüenta foi caracterizada por significativo crescimento econômico acompanhado de marcado aumento da mobilidade social; pela expansão da oferta do ensino primário com qualidade e pela existência de programas de educação de jovens e adultos dotados de verbas especificamente destinadas para esse fim.

Na década passada, a realidade foi praticamente oposta. Na pior década da história do País em termos de desempenho econômico, o Brasil passou à condição de recordista mundial em desigualdade social. A qualidade do ensino básico caiu drasticamente. E, na área da educação de jovens e adultos, descontinuaram-se os deficientes programas que até então existiam. Tudo isso impediu a melhoria nos índices de analfabetismo.

Não se pode olvidar que uma das causas determinantes das elevadas taxas de analfabetismo entre jovens e adultos é a pobreza, visto que um dos fatores predominantes para o abandono da escola é a necessidade de contribuir para o sustento da família. A título ilustrativo, observe-se que, enquanto a Região Sul registra taxa de analfabetismo inferior a 12%, a Região Nordeste apresenta taxa próxima aos 38%. Em certa medida, portanto, pode-se afirmar que o País está preso em um círculo vicioso difícil de ser rompido. Por um lado, a superação do analfabetismo é condição necessária para a promoção do desenvolvimento. Por outro lado, o desenvolvimento acompanhado de melhor distribuição de renda é condição necessária para a superação do analfabetismo.

Com efeito, a experiência histórica permite que afirmemos com convicção que a universalização do ensino básico e a superação do analfabetismo só ocorrerão num quadro de crescimento econômico acrescido de desconcentração da riqueza. Fora disso, não há esperança. Não há milagre a ser feito. A receita é uma só, e gostaríamos de enfatizá-la: crescimento e distribuição de renda.

Evidentemente, a esse requisito básico devem ser acrescentados outros, dos quais o principal é a escolarização básica infantil. Como é óbvio, não se supera o analfabetismo entre jovens e adultos se não houver um processo de universalização do ensino básico com qualidade. Se continuarmos a não oferecer educação às nossas crianças, a simples passagem dos anos nos fornecerá sempre novas levas de jovens e adultos analfabetos. Hoje, seis milhões de crianças na faixa dos sete aos quatorze anos estão fora da escola.

A triste ironia é que o principal motivo dessa situação não é mais a falta de vagas nas escolas. Em muitas regiões do País, já há oferta de escola para todos. O que ocorreu foi que a ampliação do número de matrículas veio acompanhada da drástica queda na qualidade do ensino. Criou-se, assim, uma nova forma de excluir as crianças da escola. Se antes a criança não encontrava vaga para estudar, hoje ela tem acesso à escola, mas logo a abandona de tão ruim que é o ensino. Aquelas que permanecem no sistema pouco ou quase nada aprendem.

De outra parte, além de enfrentarmos os problemas do crescimento econômico com justiça social e da universalização do ensino fundamental com qualidade, não podemos virar as costas àqueles milhões de brasileiros que não tiveram oportunidade de se escolarizar na época adequada. Como diz José Leão da Cunha, coordenador do programa de alfabetização do MEB - Movimento de Educação de Base, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, " o adulto vê com sentimento de prejuízo muito grande a perda de oportunidade de estudar por causa de problemas sócio-econômicos."

É muito triste verificarmos que, nessa área, a novidade nesta última década do milênio é a inexistência de qualquer programa governamental voltado para jovens e adultos iletrados. Trata-se de omissão inexplicável que, espero, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso logo haverá de suprir.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a existência de uma enorme legião de adultos analfabetos em nosso País constitui uma horrenda chaga social que há muito já deveria ter sido extirpada de nossa realidade. O transcurso desse 14 de novembro deve servir para que firmemos renovados compromissos com o enfrentamento das causas mais profundas desse problema que tanto entrava o desenvolvimento da Nação.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/1995 - Página 3102