Discurso no Senado Federal

RELATORIO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PARANA SOBRE O CONFLITO ENTRE POLICIAIS E AGRICULTORES SEM-TERRA, OCORRIDO NO MUNICIPIO DE SANTA ISABEL DO IVAI/PR.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • RELATORIO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PARANA SOBRE O CONFLITO ENTRE POLICIAIS E AGRICULTORES SEM-TERRA, OCORRIDO NO MUNICIPIO DE SANTA ISABEL DO IVAI/PR.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/1995 - Página 3104
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, RELATORIO, COMISSÃO, DEPUTADO ESTADUAL, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO PARANA (PR), INVESTIGAÇÃO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, DESPEJO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA.
  • COMENTARIO, RELATORIO, DECLARAÇÃO, INTERESSE SOCIAL, IMOVEL RURAL, ESTADO DO PARANA (PR), REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, CONFLITO, SEM-TERRA, VITIMA, AGRICULTOR, POLICIAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARANA (PR), DESPEJO, SEM-TERRA.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero complementar o meu depoimento e o meu discurso de ontem sobre o massacre dos Sem-terra no Estado do Paraná.

Recebi há poucos instantes um relatório da Assembléia Legislativa do Estado, executado por uma comissão especial designada pela Assembléia Legislativa para investigar os episódios de violência ocorrido no despejo dos agricultores sem-terra no Município de Santa Isabel do Ivaí, constituída suprapartidariamente pelos Deputados Angelo Vanhoni, Basílio Zanusso, Luiz Claudio Romanelli, José Maria Ferreira, Walmor Trentini e acompanhada pelo Deputado Irineu Colombo, que relata neste documento as suas principais constatações:

A Fazenda Saudade, Sr. Presidente, onde ocorreu o conflito entre a Polícia Militar e os trabalhadores rurais sem-terra, tem área de 1.022 hectares, foi vistoriada em março pelo INCRA e declarada de interesse social para reforma agrária. Naquela ocasião, 60 famílias de sem-terra ocuparam parte da área, até que a Justiça se pronunciasse. Como o proprietário da fazenda recorreu à Justiça, pedindo a reintegração de posse, as famílias, sem a intervenção da polícia, retiraram-se do local, acampando às margens da Rodovia PR-218, até que houvesse solução para o litígio. Com a assistência do INCRA, as famílias decidiram permanecer no acampamento, plantando roças de mandioca para a subsistência do grupo numa pequena área da Fazenda Saudade.

Durante todo o período em que ficaram acampadas às margens da rodovia, as famílias não foram procuradas por qualquer representante de qualquer órgão estadual. Em nenhum momento houve negociação, a fim de que o processo de desocupação da área ocorresse de forma pacífica.

Em outubro, a juíza da Comarca de Loanda, Elizabeth Kather, emite mandado, solicitado por seu proprietário, pela manutenção da posse da Fazenda Saudade. No dia 30 de outubro, o Diretor do Departamento Estadual de Estradas e Rodagem - DER, da Secretaria dos Transportes, Francisco Kuster, foi procurado pelo proprietário da terra, acompanhado de um advogado. Recebeu deles o pedido para que o DER entrasse com petição à justiça, requerendo o despejo das famílias das margens da rodovia. O pretexto oficial, na elaboração desse pedido, era o de que as famílias estavam ameaçadas de atropelamento, pois estavam acampadas numa curva da estrada. O mandado de despejo foi emitido pelo juiz Raul Portugal, da Comarca de Santa Isabel do Ivaí, no dia 1º de novembro.

Na segunda-feira, dia 06 de novembro, as famílias foram comunicadas sobre a existência de ordem judicial de despejo, através de oficial de justiça. No dia 07, na tentativa de evitar o despejo das margens da rodovia, os agricultores atravessaram a cerca da Fazenda Saudade.

No dia 8, à tarde, as famílias de agricultores sem-terra receberam, então, a ordem judicial de despejo da Fazenda Saudade. Para comandar a operação de despejo foi designado o Capitão da Polícia Militar Gilberto Cândido, tendo sido destacados, ao todo, noventa policiais militares. Do Capitão, os agricultores receberam ordem para desocupar a área em duas horas. Os policiais tinham em seu poder bombas, revólveres, fuzis, mosquetões, algemas, bastões de madeira e material de guerra química, conforme o relatório anexado a esse documento pelos deputados estaduais do Paraná.

Diante da ameaça de uma evacuação sob condições de força, as famílias recusaram-se a sair. O confronto teve início pela Polícia Militar, ao lançar bombas de efeito moral sobre as famílias, segundo o relatório dos deputados estaduais. Os sem-terra tinham em seu poder apenas material de trabalho, foices, facões, enxadas, e também garrafas de cerveja, de água sanitária e três garrafas de gasolina. As garrafas de gasolina que o nosso Presidente da República descobriu serem coquetéis molotovs, que não foram usados, que não foram arremessados, pois nenhum soldado, ao final do confronto, apareceu com queimaduras.

Segundo relatos das famílias, em momento algum os agricultores consideraram a possibilidade de que a PM, de fato, fosse executar o despejo com violência. E por quê? Porque essa prática não é usual no Paraná. Quando Governador, estabeleci em um decreto um sistema de mediação, através do qual todas as ordens de despejo seriam examinadas por um Conselho de Secretários até chegar à mão do Governador que, exauridos os meios suasórios, determinaria, se fosse o caso, o despejo. Nunca uma desocupação violenta ocorreu depois desse decreto.

No confronto ficaram feridos dois policiais - pequenos cortes, uma contusão na "canela" de um deles - e treze trabalhadores rurais sem-terra. Retifico, assim, os números a que me referi ontem neste plenário.

Todos os agricultores apresentavam ferimentos causados por arma de fogo. Alguns foram atingidos depois de algemados (detalhamento no relatório preliminar da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná). Havia no acampamento doze mulheres grávidas e cerca de sessenta crianças. Algumas mulheres foram violentamente espancadas.

Após o conflito os feridos foram levados para hospitais de Santa Isabel do Ivaí, Paranavaí e Loanda, previamente informados pela PM da iminência do conflito.

A Polícia Militar - a sofisticada Polícia Militar desse Governo do Paraná - comunicou antecipadamente ao hospital de Loanda, próximo a Santa Isabel do Ivaí, que ficasse de plantão no sentido de receber as vítimas da operação que pretendia realizar.

Na ação policial, os pertences das famílias foram queimados. As famílias foram levadas até a cidade de Santa Isabel do Ivaí e alojadas precariamente em terreno cedido pela Prefeitura.

Sr. Presidente, ou o Governador do Estado do Paraná mostra que não tinha conhecimento da operação, e age severamente em relação ao Procurador e ao Diretor do DR, ou deixa de tergiversar e enrolar e assume, de uma vez por todas, que atua com dureza e violência nos movimentos sociais mobilizados no Estado. De qualquer forma, a irresponsabilidade do Governo do Estado foi menor que a sorte do Governador. A sorte de S. Exa. foi tão grande que nesse despejo de sem-terra, para evitar que fossem atropelados, dos doze feridos, até agora, nenhum veio a falecer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Roberto Requião, ainda na sexta-feira ouvi a descrição dos fatos que V. Exª agora traz com maior precisão, com base no relatório dos deputados estaduais da Assembléia Legislativa do Paraná. A foto publicada na imprensa, na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil e do Jornal da Tarde, na Folha de S. Paulo, no Estado de S. Paulo e outros jornais faz lembrar acontecimento da nossa História, como os de Domingos Jorge Velho, exterminando o Quilombo de Palmares, e os de Canudos, descrito por Euclides da Cunha em Os Sertões. Seria de se esperar que ao final do século XX não tivéssemos mais situações como aquelas: uma fileira de cinqüenta, sessenta soldados da Polícia Militar com espingardas apontadas para trabalhadores sem-terra que carregavam enxadas, foices, instrumentos de trabalho e até uma garrafa, que foi flagrada no ar, lançada pelos trabalhadores em direção aos policiais, sem que houvesse registro, por parte do fotógrafo ou do repórter, de que aquela garrafa tivesse ferido qualquer dos policiais.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - E sem gasolina, como é próprio de um coquetel molotov, e como resposta a dezesseis bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio lançadas em cima de mulheres e crianças.

O Sr. Eduardo Suplicy - Pois bem, Senador Roberto Requião, era de se esperar que o episódio de Corumbiara, ocorrido há poucos mais de dois meses em Rondônia, fosse o último grave fato de violência entre trabalhadores no campo e policiais militares neste País. E, com esse objetivo, aliás, o Presidente Nacional do PT, José Dirceu, visitou o Presidente da República, dizendo que, com respeito à reforma agrária, o Partido dos Trabalhadores daria a mão ao Governo para que esta se realizasse com maior rapidez. Infelizmente, parece haver uma descoordenação de esforços, porque, de um lado, o próprio Presidente do INCRA, Francisco Graziano, corretamente registrou que o ocorrido em Santa Isabel do Ivaí o deixava em difícil situação de negociação com os trabalhadores. Como realizar um diálogo construtivo com trabalhadores sem-terra, que estão a mostrar a necessidade de a terra ser utilizada, conforme prevê a Constituição, de forma socialmente produtiva, e, ao mesmo tempo, ver episódios como a prisão de Diolinda Alves de Souza, algemada, e do Sr. Márcio Barreto? E agora a violência. Ouvi dizer que o ex-governador e Presidente do PDT, Leonel Brizola, ficou tão impressionado com o fato que resolveu perguntar pessoalmente ao Governador Jaime Lerner, seu companheiro de partido, que absurdo era aquele de se permitir que a Polícia Militar atirasse nas pernas de trabalhadores que nem armas tinham para ameaçar os policiais militares. E eis que nem mesmo nas pernas souberam alcançar porque houve pulmão perfurado, houve abdômen perfurado. Ora, Senador Roberto Requião, V. Exª, que foi Governador do Paraná, conhece a dificuldade de enfrentar tais momentos melhor do que eu, que não tive uma responsabilidade dessa ordem pela frente. Mas fico imaginando que, afinal, o Governador Jaime Lerner, ex-Prefeito de Curitiba, muitas vezes mostrou atitudes criativas, inovadoras, S. Exa. tem uma bagagem política grande e é de se esperar da parte dele uma sensibilidade social, uma atitude responsável diante de uma situação como essa nesse momento grave em que vivemos. Fico a esperar as palavras do Governador Jaime Lerner, porque esse episódio dificilmente vai contribuir para a solução do problema, a não ser para, quem sabe, algum latifundiário dizer: "Ah, lá no Paraná resolveram atirar nos sem-terra", o que não é solução para resolver problema social tão sério quanto o de se possibilitar que trabalhadores usem adequadamente a terra no Brasil.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Eu poderia lhe dizer, Senador Eduardo Suplicy, numa tirada de humor negro, que a criatividade desse episódio em relação a Corumbiara foi que o Secretário de Segurança mandou atirar nas pernas dos sem-terra, só nas pernas. A ordem não foi cumprida integralmente, pois partes superiores do corpo de trabalhadores foram atingidas.

No entanto, para ser justo, quero deixar claro que conheço o Governador Jaime Lerner. S. Exª já viveu tragédias semelhantes quando tentava, pela força da guarda municipal, retirar assentados urbanos. Uma dessas tragédias culminou com a morte de um policial militar.

Quero também dizer que se o Governador Jaime Lerner não é um homem que segure a administração com firmeza na sua mão, também não é um homem violento. Mas a minha indignação se multiplica em relação a esse incidente com os sem-terra quando verifico que, em vez de o Governador agir com o apoio da polícia, com o comandante do despejo, com o advogado que requereu o despejo na beira da estrada para evitar acidentes rodoviários a fim de sanear o Estado do Paraná dos violentos e irresponsáveis, montou uma grande jogada de marketing que culminou com a declaração de uma testemunha que não esteve no local. Essa declaração foi veiculada em todas as rádios e televisões do País: o testemunho do Presidente Fernando Henrique Cardoso que deplora, desqualifica, o movimento dos sem-terra, assegurando que eles tinham coquetéis molotov. Desinformado, mal assessorado, tornou-se parte do instrumento de marketing montado a partir do Paraná para desqualificar o movimento.

A providência enérgica que qualquer governador sério com a formação do Governador Jaime Lerner deveria tomar seria a punição e o afastamento dos responsáveis. Mas, parece-me que no Paraná de hoje, como na Curitiba de ontem, vale muito mais o marketing, vale muito mais a notícia, vale muito mais a versão do que o fato. E o instrumento dessa ignominiosa invasão e despejo foi exatamente a fala do Presidente da República, a testemunha que não esteve no local.

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador Roberto Requião, não preciso entrar na análise dos fatos que V. Exª acaba de descrever, fundados em pormenorizadas informações de membros da Assembléia Legislativa de seu Estado. Os fatos são por si extremamente lamentáveis. O que desejo assinalar, a partir desse caso do Paraná, é que os problemas do campo estão-se agravando, os conflitos estão-se multiplicando por falta de programação do que se chama reforma agrária ou por falta de uma política agrícola. O Governo somente toma decisões circunstanciais. Quando os fatos ocorrem num lugar, movimenta-se o INCRA e quando há uma invasão noutro ponto, por igual. Mas não há uma ação permanente, coordenada, traduzida numa programação capaz de pacificar o campo. Enquanto isso não se fizer, esses fatos vão multiplicar-se lamentavelmente.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senador Josaphat Marinho, muito obrigado por sua intervenção. Lembro que a primeira e última reforma agrária feita no Brasil traduziu-se na divisão do País, na época do Descobrimento, em capitanias hereditárias.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - A sugestão que gostaria de fazer é no sentido de que V. Exª requeira que seja transcrita no Diário do Senado Federal a foto do fotógrafo Guto Rocha, do Diário do Noroeste, de Paranavaí, mostrando aquela cena, que é um episódio histórico importante. Na sexta-feira, solicitei ao fotógrafo que enviasse logo a foto, que foi publicada em quase todos os jornais do Brasil. No meu modo de entender, aquela foto enriquece e complementa, com extraordinário detalhe, o que está registrado no relatório dos Deputados da Assembléia Legislativa do Paraná.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Mais do que a foto, Senador Eduardo Suplicy, cuja pedido de publicação no Diário do Senado Federal subscreverei juntamente com V. Exª, vale o depoimento do fotógrafo, que já estava no local antes da chegada da polícia, com o qual conversei antes do meu pronunciamento de sexta-feira.

Não havia bomba, não houve agressão. A agressão foi da polícia, que entrou batendo e lançando bombas de efeito moral. Eram 90 policiais e 40 sem-terra, mais as mulheres e as crianças. Era uma superioridade de armamento e de homens que tornaria extremamente fácil qualquer conversa para remoção daqueles sem-terra, que, pacificamente, já haviam saído da fazenda por determinação judicial, foram assentados à beira da estrada pelo INCRA e que cultivavam uma parte da fazenda, em processo de desapropriação, com a assessoria do INCRA.

Lamento mais uma vez que o Presidente da República tenha sido instrumento da mentira plantada pelo marketing do governo do Paraná.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/1995 - Página 3104