Discurso no Senado Federal

CRITICA A MEDIDA PROVISORIA 1.179/95, QUE DISPÕE SOBRE O FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • CRITICA A MEDIDA PROVISORIA 1.179/95, QUE DISPÕE SOBRE O FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/1995 - Página 3118
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ESTABILIZAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, FUSÃO, BANCOS.
  • COMENTARIO, EQUIPARAÇÃO, SITUAÇÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL, MEDIDA PROVISORIA (MPV), BENEFICIO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, BANCOS.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvimos aqui Senadores da região Norte do País clamando contra a impunidade, contra o que está ocorrendo no Estado do Acre. Ouvimos Senadores clamando por justiça, por respeito aos direitos humanos, aos colonos sem-terra, que foram terrivelmente agredidos no Estado do Paraná. Ouvimos um Senador, no dia de hoje, 14 de novembro, dia dedicado à alfabetização, lembrando o índice de analfabetos que ainda existe neste País, quando uma lei, que está para ser votada, prevê a divisão do ensino fundamental em ciclos de estudo, o que diminui ainda mais a possibilidade do ensino integral aos estudantes. E também estamos observando a desatenção com a gratuidade do ensino para jovens e adultos.

Por isso o tema que trago a esta tribuna encaixa-se perfeitamente nos anseios e nas manifestações aqui expostos.

O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento Nacional, criado pelo Governo através da Medida Provisória nº 1. 179, é a negação completa de tudo o que esta Casa aprovou até o momento.

O Governo tem defendido a tese da necessidade inexorável de determinados setores da economia adaptarem-se, a qualquer preço, aos novos tempos de globalização da economia.

Diante da crise aberta da agricultura e de diversos setores industriais, temos ouvido, com insistência, das autoridades federais e até mesmo do Presidente da República, a afirmação de que não poderia haver ajuste sem dor na economia.

As estatais, como a PETROBRÁS, a TELEBRÁS e a Companhia Vale do Rio Doce, por sua vez, diante de supostas dificuldades de investimentos, também segundo as autoridades, teriam que passar para as mãos privadas, para que obtivessem os recursos necessários para a sua sobrevivência.

Por outro lado, a saúde pública do País, ainda segundo o Governo, enfrentaria o colapso absoluto e irreversível caso esta Casa não aprovasse a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF.

Ao mesmo tempo, não existe dinheiro para a educação e para a assistência social, o que leva escolas, universidades e milhares de instituições assistenciais do País ao desespero diário na busca da sobrevivência.

Agora, no entanto, depois de tanto sacrifício exigido de toda a sociedade, somos surpreendidos com o envio desta Medida Provisória que beneficia um único setor.

Esta Medida, da forma como se apresenta, é um privilégio inaceitável, que afronta a sociedade, o espírito público e a eqüidade administrativa e compromete a imagem dos governantes perante a opinião pública.

É inegável que os mesmos cidadãos prejudicados pela falta de recursos é que pagarão a conta dessa ajuda oferecida pelo Governo aos bancos, como confirmou o Presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 11 de novembro passado.

Ao dar às instituições que se fundirem com bancos que tenham prejuízo o direito de descontar 30% do Imposto de Renda a cada ano, até zerar o ônus, o Governo está abrindo mão de receita tributária, transferindo a conta para a sociedade pagar.

Ao mesmo tempo, ainda segundo a mesma Medida, ao oferecer uma linha de financiamento oficial para reorganizar as novas empresas, com juros inferiores às taxas de mercado, o Governo, mais uma vez, estará onerando os cofres públicos e os contribuintes.

Ainda, na mesma orientação, os bancos incorporadores receberão uma linha de crédito dando em garantia títulos e créditos do Tesouro Nacional, as conhecidas "moedas podres", consideradas de má qualidade.

Isso tudo somado, de acordo com os cálculos preliminares de analistas, divulgados pela imprensa, chegaria a cerca de U$13 bilhões, mais que o dobro do que anunciam arrecadar com a CPMF, e três vezes mais do que a PETROBRÁS necessita para investir na sua ampliação.

No caso da isenção tributária, já se levantam dúvidas sobre a constitucionalidade, devido ao fato de que, de acordo com o art. 192 da Constituição Federal, tal decisão deveria ser respaldada por lei complementar, e não por medida provisória.

O mais grave, neste debate, Srªs e Srs. Senadores, é que não se trata de um setor qualquer que está sendo beneficiado, mas exatamente aquele segmento que ganhou muito dinheiro com a inflação e que continua ganhando com o Plano Real, como demonstraram fartamente os jornais ao longo desses últimos meses.

Matéria da Folha de S. Paulo, de 9 de abril passado, por exemplo, com base em análise da Austin Asis Consultoria, informava que "os bancos tiveram lucros recordes com o Plano Real", os maiores em toda a história do sistema financeiro brasileiro.

Apesar do fim da inflação, a ciranda financeira prosseguiu ainda mais voraz com as imorais taxas de juros patrocinadas pelo Banco Central, que chegaram aos 60% anuais, transformando o Brasil no campeão mundial da usura e da agiotagem.

A partir da vigência dessa realidade, assistimos desde então a mais brutal transferência de renda do Estado e da sociedade para os detentores do capital, para os investidores em geral e, especialmente, para os banqueiros.

O próprio Ministro da Fazenda, Pedro Malan, na justificativa da Medida Provisória, é o primeiro a reconhecer que principalmente o sistema financeiro beneficiou-se com a cultura da inflação, angariando "ganhos excepcionais".

As perguntas que toda a sociedade faz neste momento, diante da Medida Provisória, caminham todas na mesma direção e exigem a resposta clara do Governo e o posicionamento firme desta Casa:

- Por que o Governo alegou não ter US$4 bilhões para investir na PETROBRÁS - e por isso esta Casa aprovou a quebra do monopólio do petróleo - e agora tem dinheiro para financiar banqueiro falido?

- Por que o Governo, também alegando falta de recursos para investir na telefonia nacional, da mesma forma aprovou a privatização do sistema e, neste momento, tem dinheiro sobrando para o setor financeiro?

- Por que se aprovou no Senado Federal a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, também por alegada total e absoluta falta de recursos para a saúde, quando eles parecem existir para socorrer "preventivamente" um paciente, no mínimo, bem menos grave?

- Por que tanta dificuldade para resolver o problema da dívida agrícola de forma abrangente e rápida, para promover a reforma agrária, para financiar as entidades assistenciais, as universidades públicas, e tanta facilidade para solucionar um problema menos importante?

- Por que ainda se pretende - outra vez em nome da falta de recursos - eliminar direitos adquiridos dos funcionários públicos e dos aposentados, quando, ao mesmo tempo, se promove iniciativa dessa ordem para "ajudar" um setor já tão privilegiado?

- Por que enquanto toda a sociedade paga com altas taxas de sacrifício o "ajuste" da economia, um único setor deve ser beneficiado com condições para que possa "adaptar-se ao novo ambiente econômico e de mercado", como diz a justificativa da Medida Provisória?

- E, por fim, quais são as qualidades tão excepcionais que fazem do setor financeiro merecedor de tamanhos privilégios, a ponto de, ironicamente, ser contemplado com "juros subsidiados", depois de esfolar a sociedade com as maiores taxas de juros do mundo?

Durante os debates envolvendo o caso do Banco Econômico, o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que não haveria privilégios a ninguém, nem seria colocado mais nenhum centavo do dinheiro público para cobrir rombos de banqueiros falidos.

Há dez anos, diante de situação como a apregoada atualmente pelo Governo, a Febraban propôs ao Banco Central medida semelhante, por intermédio da "liberação de depósito compulsório para compra de ativos de difícil liquidez", o que não foi aceito, provocando a liquidação do Banco Maisonnave, um dos únicos bancos privados regionais sem participação estrangeira, que pedia também essa liberação para recuperar seus interesses - o que lhe foi negado.

Mas hoje, com interesses de outra origem em jogo, as coisas são diferentes, pois a imprensa já anuncia fusões e negócios entre bancos em situação financeira duvidosa e, por diversas razões, bem próximos ao Governo, o que traz muita apreensão para todos nós.

Assim como deveria ocorrer com todos - e não apenas com um setor privilegiado -, o Estado tem a obrigação de proteger os segmentos mais frágeis, passíveis de serem prejudicados pelo jogo do mercado.

No caso do sistema financeiro, é correta a preocupação com os correntistas, depositantes, pequenos investidores e mesmo com os sistemas financeiros regionais, mas não é o que esta Medida Provisória traduz, pois no fundamental apenas assegura isenção aos bancos falidos.

O Banco Central, depois da edição da Medida Provisória, ou seja, do fato consumado, acena com a possibilidade de se discutir esta questão, o que acreditamos deveria - e ainda deve - ser realizado no âmbito do Congresso Nacional, com a presença das autoridades, especialmente do Ministro da Fazenda.

Srªs e Srs. Senadores, tenho pautado minha intervenção nesta Casa pela defesa da igualdade para todos os brasileiros, não podendo, portanto, silenciar diante desta Medida, a meu ver, expressão máxima dos privilégios que tanto obscurecem a vida do País. Por isso, precisamos levantar a nossa voz.

Muito obrigada. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/1995 - Página 3118