Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AS ALTERAÇÕES ANUNCIADAS PELO GOVERNO FEDERAL, NO DECRETO 22, DE 1991, QUE TRATA DOS CRITERIOS PARA A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDIGENAS. PARABENIZANDO A INICIATIVA DO PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, NA INSTITUIÇÃO DO PROJETO UNIVERSIDADE SOLIDARIA.

Autor
Romero Jucá (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS AS ALTERAÇÕES ANUNCIADAS PELO GOVERNO FEDERAL, NO DECRETO 22, DE 1991, QUE TRATA DOS CRITERIOS PARA A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDIGENAS. PARABENIZANDO A INICIATIVA DO PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, NA INSTITUIÇÃO DO PROJETO UNIVERSIDADE SOLIDARIA.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 17/11/1995 - Página 3211
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, DECRETO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), SITUAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • DEFESA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RONDONIA (RO), NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, APOIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).
  • ELOGIO, PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, PARTICIPAÇÃO, ESTUDANTE, UNIVERSIDADE, TRANSFORMAÇÃO, BRASIL.

O SR. ROMERO JUCÁ (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Federal anuncia a modificação de critérios para demarcação de terras indígenas. O Governo, através do Ministro Nelson Jobim e do Presidente da FUNAI, o ex-Deputado Márcio Santilli informam, através de matéria veiculada, hoje, no Correio Braziliense, que o Governo estaria alterando o Decreto nº 22/91, que trata especificamente dos critérios para demarcação de terra indígena. A mesma matéria fala da posição de algumas entidades ligadas ao movimento indígena, contrariando a posição do Governo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, eu gostaria de fazer alguns comentários sobre essa questão de demarcação de terras indígenas no Brasil, até porque me sinto em condições, já que presidi a FUNAI por quase 3 anos.

É importante lembrar que esse Decreto nº 22/91, colocou um impasse sobre a demarcação de terras indígenas. As terras indígenas, a partir da efetivação desse decreto, começaram a ser demarcadas e essa demarcação começou a ser questionada, inclusive, no Supremo Tribunal Federal, notadamente no aspecto que diz respeito ao contraditório.

O próprio escritório do Ministro Nelson Jobim, na época, entrou com uma ação específica contra a demarcação de área indígena no Pará, alegando que não havia o contraditório no momento da demarcação.

Essa questão jurídica emperrou ao longo de quase 3 anos, a demarcação do restante das áreas indígenas no Brasil. Inicialmente, gostaria de dizer, marcar uma posição, de que sou favorável à demarcação de terras indígenas no País. Inclusive, sou favorável que isso ocorra rapidamente, tendo em vista que a própria Constituição brasileira não está sendo cumprida ao limitar em cinco anos, de 1988 a 1993, o período para que isso ocorra.

Acontece que, efetivamente, a FUNAI não teve condições operacionais, nem jurídicas de efetivar essa demarcação. Com isso, perderam os índios brasileiros e perdeu o País.

Queremos retomar essa questão e entendemos que a mudança do Decreto nº 22/91, longe de ser um atraso, se for feita da forma correta, se for feita de maneira a explicitar decisão política do Governo de demarcar, será benéfica para as populações indígenas. Queremos que essa demarcação seja feita sob a ótica do entendimento e da responsabilidade. Não se pode demarcar terra indígena, expondo as comunidades indígenas a conflitos; isso, infelizmente, em alguns casos, a partir do Decreto nº 22/91, ocorreu em nosso País.

No caso específico de Roraima - a que se reporta a matéria que diz que a mudança no Decreto nº 22 é para fazer com que não seja demarcada a área indígena Raposa/Serra do Sol e, mais, que o Governo e os políticos de Roraima estariam contra essa demarcação - gostaria de esclarecer: somos a favor da demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol e estamos reunindo toda a Bancada federal de Roraima para ir ao Presidente da República e ao Ministro Nelson Jobim.

Deve-se montar uma solução de entendimento que demarque e garanta aos índios da Raposa/Serra do Sol, índios macuxis, wapixanas e ingaricós, as suas áreas. Não queremos que se demarque área sem processo de responsabilidade, de entendimento, numa extensão de mais de 1,6 milhões de hectares - portanto, quase igual ao Estado de Sergipe, do nosso companheiro José Eduardo Dutra -, sem que haja um processo de entendimento e de verificação do que existe in loco. Na área proposta hoje, existem dois Municípios implantados no Estado de Roraima. Não queremos que, de uma hora para outra, transformem-se em área indígena, sem entendimento, e a população indígena seja jogada num conflito de grandes proporções.

Com a mudança do Decreto nº 22, com a retomada do processo de entendimento, volta a FUNAI à prática anterior, quando, nos anos de 1988, 1989 e 1990 - eu era Presidente da FUNAI -, com a criação do Grupo de Trabalho Interministerial, o chamado Grupão, no Governo do Presidente José Sarney, conseguimos demarcar mais áreas indígenas do que em toda a história dos índios. Por quê? Porque havia participação dos Governos do Estado, havia participação de Ministérios afins, como o Ministério da Saúde, o da Reforma Agrária, o da Educação, no sentido de, além de se demarcarem as terras, serem alocados recursos para programas de atendimento à população indígena.

O que queremos é uma política indígena racional e séria; queremos uma política de demarcação de terras indígenas que traga a responsabilidade do Governo Federal para o campo da realidade, para que alguns pareceres antropológicos, ao garantir terras aos índios, não garantam conflitos em que os índios sejam apenados. Somos a favor da demarcação de terras indígenas; somos a favor da demarcação da área Raposa/Serra do Sol. Entendemos que se o Governo, por intermédio do Ministro Nelson Jobim, se o Presidente da FUNAI, o ex-Deputado Márcio Santilli - que é uma pessoa que, há até pouco tempo, dirigia uma organização não-governamental, que participou de todos os encaminhamentos de discussão da questão indígena e, portanto, está habilitada a discutir essa questão com profundidade -, e todos nós tivermos racionalidade, seriedade e, principalmente, se houver decisão política do lado do Governo, com a mudança do Decreto nº 22 vamos beneficiar a retomada da demarcação das terras indígenas.

Neste pronunciamento, quero apoiar a posição do Ministério e dizer que é importante que essa mudança traga à participação da demarcação das áreas indígenas o restante da sociedade brasileira. Desde que presidi a FUNAI tenho dito que a questão indígena não é apenas de responsabilidade da FUNAI ou do Governo; essa questão tem que ser encarada como uma responsabilidade de toda a sociedade brasileira. Não adianta demarcar terra indígena e colocar índios em conflito com fazendeiros, posseiros e garimpeiros porque, no final das contas, quer pelo aparato tecnológico, quer pela ferocidade, quer pelo ritmo de violência, os índios têm sempre a perder nesse conflito com os brancos.

Portanto, quero aplaudir a posição do Ministro da Justiça, mas quero deixar aqui esse lembrete: É importante que seja chamada à participação na definição e implementação da demarcação de terras indígenas toda a sociedade brasileira e, especificamente, os setores pertinentes a essa questão.

Gostaria, também, Sr. Presidente, de fazer outro registro: Penso que o Governo está no caminho certo quando o projeto Comunidade Solidária tenta trazer de volta, tenta resgatar a participação dos universitários na vida social brasileira por meio de plano específico, o programa Universidade Solidária. No passado, tivemos o Projeto Rondon e, hoje, o projeto Comunidade Solidária quer levar as universidades a participarem efetivamente do trabalho de transformação social do País.

Quero apoiar e parabenizar esse projeto e deixar uma proposição: que além do trabalho isolado com as universidades, por intermédio do Universidade Solidária, seja também agregado um projeto que funcionou durante um certo tempo que é o chamado Serviço Civil. Os jovens, em vez de prestarem o serviço militar, poderiam se agregar a esse trabalho, a essa política do projeto Universidade Solidária.

Essa é a menção que faço, porque entendo que é importante trazer os jovens universitários e agregar esse programa aos estudantes e aos formandos de escolas técnicas federais para que venham participar da mudança da nossa realidade.

Parabenizo, portanto, a Primeira-Dama, D. Ruth Cardoso, e a equipe técnica do Programa Comunidade Solidária pela feliz iniciativa de trazer as universidades para participarem desse esforço nacional.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMERO JUCÁ - Ouço V. Exª com muito prazer.

A Srª Marina Silva - Ouvi atentamente o pronunciamento de V. Exª e, no que se refere à questão do Decreto nº 22, temos divergências; há posições segundo as quais não deveria haver alterações. Em relação a isso, devo me pronunciar em breve, porque compreendo que hoje temos à frente da FUNAI uma pessoa com relação à qual tenho o maior respeito, até porque há alguns meses era um ativista do movimento indígena. Quero dizer que minhas posições não têm qualquer cunho de sectarismo, mas, acima de tudo, são de alguém que está preocupada com a revisão do processo de demarcação das terras indígenas. Por um lado, diz-se que da forma como está sendo feita coloca os índios em posição de atrito com outros setores da sociedade. Eu diria que não são bem os índios que ficam em relação de atrito; são esses setores que, por estarem nas terras dos índios, se colocam em situação de confronto para que o processo demarcatório não ocorra. Eu me pronunciarei sobre isso no devido tempo. No que se refere à segunda abordagem do pronunciamento de V. Exª, também acho muito interessante iniciativas dessa natureza. Avalio, inclusive, que a experiência que tivemos com o antigo Projeto Rondon deve servir de base para que seus acertos sejam incorporados a essa nova iniciativa, e os erros sejam eliminados. Posso citar alguns erros que talvez tenham sido involuntários, até mesmo pelas condições da época; por exemplo, o fato de que aquele projeto chegava às comunidades, mas como ainda não tínhamos sindicatos, organizações não-governamentais, entidades da sociedade civil com o grau de organização que temos hoje, o projeto tinha uma relação quase paternalista de oferecer serviços, o que era muito bom para aquelas populações, mas quando se retiravam, estas ficavam completamente sem referência, sem qualquer tipo de apoio. Elas voltavam à sua situação anterior e sentiam saudade do tempo em que "os meninos do RONDON" - como eu ouvia dizerem muitas comunidades do meu Estado - prestavam determinados serviços. Acho que agora é fundamental que o Programa Universidade Solidária, cuja articulação ainda não conheço em profundidade, estabeleça um relacionamento com as comunidades já existentes, para transformar essas comunidades em pólos que possam dar continuidade ao trabalho quando o programa porventura vier a cessar. Hoje já há acúmulo suficiente de informações, por parte da sociedade, tanto na parte de educação, como na de saúde. Os postos de saúde, seja das populações, seja de iniciativa do Governo, podem ser incorporados ao programa para ser melhorados, e poderão até adquirir alguma autonomia, desde que agregados a centros de referência a nível municipal, estadual. Era esta contribuição que eu gostaria de dar, porque considero muito importante que a universidade, que hoje está em crise, devolva para a sociedade aquilo pelo que a sociedade pagou. Essa é até uma forma das populações sentirem que as universidades são úteis. Hoje, as universidades parecem ser um mundo à parte da vida dos cidadãos. É fundamental que elas passem a participar da vida e do processo que a sociedade brasileira está atravessando.

O SR. ROMERO JUCÁ - Nobre Senadora Marina Silva, são da maior importância as colocações de V. Exª. No tocante ao Programa Universidade Solidária, sem dúvida alguma é de vital importância que os jovens, que os alunos voltem a ter contato com a realidade brasileira. E os erros e os acertos devem efetivamente ser utilizados como indicadores dessa atuação. Portanto, quero fazer minhas também as colocações de V. Exª.

Quanto à questão da demarcação de terras indígenas, considero importante deixar claros ainda dois pontos: primeiro, que a mudança do Decreto nº 22, no meu entender, deve ser utilizada para viabilizar a ampliação do trabalho de demarcação, nunca como uma ação para piorar a situação da demarcação das terras indígenas.

Estou vendo a mudança do Decreto nº 22 pelo Governo como uma forma de tentar ampliar e agilizar a demarcação de terras indígenas, até porque eu não poderia esperar algo diferente do atual Presidente da FUNAI, Dr. Márcio Santilli.

Outro ponto específico sobre o qual quero deixar aqui uma posição formada, porque também consta da matéria do jornal - mas não sei se é posição do Governo -, é a revisão de áreas indígenas já demarcadas. Quero dizer que sou contra a revisão de áreas indígenas demarcadas através do Decreto nº 22/91, porque considero que se se começar a rever as áreas indígenas demarcadas, vai virar uma bagunça, o que é um desserviço para as comunidades indígenas. O que está demarcado está demarcado, tem que ser respeitado, tem que ser protegido, e há que se atuar de forma a melhorar as condições dos índios que lá estão.

A partir da mudança do Decreto, que se implementem outras ações para agilizar a demarcação. Então, vejo a mudança do Decreto nº 22 - e espero que o Governo aja assim - não como uma postergação da demarcação, mas como um fator novo, como uma força nova de indução desse processo de demarcação.

Quero alertar o Ministério para o fato de que será uma loucura se se começar a rever as demarcações das terras indígenas, porque esse será um processo sem fim. Então, espero que a mudança no Decreto nº 22 não tenha o sentido de rever demarcações, mas sim que seja um processo que vise o futuro, que vise atender e melhorar as condições do índio brasileiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/11/1995 - Página 3211