Pronunciamento de José Fogaça em 16/11/1995
Discurso no Senado Federal
NUMEROS DA ECONOMIA BRASILEIRA RELATIVOS AO PERIODO DE 1993/1994.
- Autor
- José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- NUMEROS DA ECONOMIA BRASILEIRA RELATIVOS AO PERIODO DE 1993/1994.
- Aparteantes
- Eduardo Suplicy.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/11/1995 - Página 3225
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, VARIAÇÃO, REDUÇÃO, INFLAÇÃO, ATUAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
- CRITICA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, ECONOMIA, RESULTADO, DIFICULDADE, BANCOS, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
- COMENTARIO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, FUSÃO, BANCOS.
- ANALISE, SITUAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ECONOMIA, AUSENCIA, INFLAÇÃO.
- DEFESA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, COMBATE, INFLAÇÃO.
O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, tivemos a informação, oriunda do Ministério da Fazenda, relativa aos números da economia brasileira no ano passado. No período de julho de 93 a junho de 94, a inflação no Brasil foi da ordem de 5.177%, pelo INPC, Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Nesse período de 93 a 94, pode ter-se ouvido, aqui ou ali, alguma coisa referente ao sistema financeiro, ao sistema bancário, talvez uma notícia a respeito da má administração ou da incompetência desse ou daquele gestor de uma instituição financeira. Mas não se ouviu nem se registrou que o sistema financeiro como um todo estivesse em colapso ou estivesse ameaçado. Ao contrário, foi um período caracterizado por uma proliferação, por um surgimento até de novas instituições.
Note-se que em abril deste ano, logo após a guinada na política econômica, quando o Brasil registrou uma queda sensível nas suas exportações, um aumento real, significativo das importações e um conseqüente desequilíbrio na sua balança comercial, a taxa de juros real em nosso País chegou a 62% ao ano. Essa taxa de juros é absolutamente escandalosa, é retumbantemente nociva para qualquer economia que tenha condições mínimas de saúde ou de estabilidade.
Por outro lado, cabe aqui uma reflexão: se num período de estabilidade da moeda, num período de baixos níveis de inflação, a taxa de juros chegou a 62%, o que era de se esperar? Que as instituições financeiras, os bancos, exatamente pelo índice de lucratividade, porque o seu lucro vem da taxa de juros, tivessem aumentado, muito mais do que qualquer outro setor da vida nacional, os seus ganhos.
O que se constata, Sr. Presidente? Evidente que essa não é uma informação incorreta, a informação é procedente. O que se constata é que, nas atuais condições da economia brasileira, o Sistema Financeiro Nacional, ou seja, o conjunto das instituições bancárias do País vive relativamente algumas dificuldades, principalmente algumas que são menos bem administradas do que outras.
Faço referência a esses dados, a esses elementos, Sr. Presidente, porque a mim me causa estranheza o fato de que, mesmo com uma taxa de juros de 62%, como foi em abril, mesmo com essa situação, os bancos apresentem, seis meses depois, uma situação de notória dificuldade.
A medida provisória dos bancos, a medida provisória pró-fusão dos bancos não tem outro sentido senão o de tirar o sistema do quadro de dificuldades em que vive no momento. A intenção da medida provisória é tentar criar condições pelas quais os bancos médios ou os bancos que não têm uma administração tão competente, ou que não têm a mesma situação, possam se fundir ou se incorporar a outros maiores para dar solidez e maior fortaleza ao sistema financeiro.
Ora, esta medida provisória não viria se os bancos estivessem vivendo o melhor dos mundos, se uma taxa de juros de 62%, como aquela que vigorou a partir de abril, fosse notoriamente uma vantagem para os bancos.
É impressionante constatar, Sr. Presidente, que não é taxa de juros elevada que engorda o sistema financeiro, porque tivemos, talvez, as mais altas taxas de juros reais do mundo. Nem mesmo a Rússia, a antiga União Soviética, teve taxas de juros tão elevadas; as nossas, seguramente, foram as mais altas do planeta. Isso, evidentemente, carreou recursos e investimentos para o Brasil, mas nos tornou singulares no universo: o País com as mais altas taxas de juros do mundo e com bancos em dificuldades.
Ora, percebe-se claramente que o sistema financeiro em nosso País foi montado para ganhar não com a operação ou a intermediação financeira. Se fosse assim, se os bancos estivessem estruturados para serem os intermediários do sistema, no sentido de colher poupança e repassá-la aos investimentos, eles estariam no melhor dos mundos, estariam agora em um nirvana de enriquecimento. Mas não é assim; desceram possivelmente a um purgatório de dificuldades, Sr. Presidente. E por quê? Porque depois de vinte, trinta anos de inflação doentia, patológica, permanente, o sistema se adapta a outro sistema que não é o de colher poupança coletiva para gerar capital, formar capital fixo e investir. Não é para isso que o sistema serve em um modelo inflacionário, porque isso seria saudável, positivo, seria uma das vantagens que o sistema capitalista tem. No entanto, no Brasil, o sistema financeiro foi organizado, articulado, estruturado, modelado para ganhar com a inflação, para ganhar com a desvalorização da moeda.
Este é um registro que tem que ser feito com a maior ênfase, Sr. Presidente: amiga de banqueiro é a inflação. E quem apóia a idéia de que inflação, afinal, não é uma coisa tão má assim e que se pode conviver até com uma certa inflação - afinal de contas nos acostumamos, criamos uma cultura, um comportamento coletivo organizado para sobreviver na inflação - é amigo de banqueiro. Então, por que não reestimulá-la?
Os protestos que vieram, ao longo desse período, foram nessa linha. Poderosos empresários brasileiros bateram às portas do Congresso, saíram às ruas para pedir um retorno a gastos do Governo, ou seja, aumento de dinheiro em circulação e, portanto, aumento do processo inflacionário, dizendo que o País vivia um clima de recessão. E um país sai da recessão quando recebe injeção monetária, ou seja, coloca moeda em circulação e a economia se reaviva, revivifica-se, toma novas energias. Quando se pergunta sobre resultado inflacionário disso, as pessoas costumam dizer que o Brasil sabe viver com a inflação. Há quem diga que a inflação não é tão ruim assim, ruim é a recessão econômica - como se uma coisa e outra pudessem ser comparadas.
Mas o que se constata facilmente, o que é inequívoco, o que não se pode contraditar, Sr. Presidente, no meu modo de entender, é que quem gosta de inflação, gosta de banco; quem trabalha pela inflação, trabalha pelos bancos; quem trabalha pela inflação, trabalha pelo sistema financeiro; quem apóia qualquer idéia que seja geradora do processo inflacionário, é serviçal dos bancos deste País. Com 62% de taxa de juros, os bancos estão em dificuldades. Durante o período inflacionário, os bancos encontravam-se em uma situação paradisíaca.
Não sei quantos milhares de quilômetros de guichê bancário existem neste País. Nenhum banco da Europa ou dos Estados Unidos possui o número de agências que possuem os maiores bancos brasileiros. Seguramente, temos o maior número de metros quadrados de guichê bancário por habitante no mundo. Isso porque não há o que se compare ao paraíso que representa um país inflacionário para os bancos privados, porque não há paraíso maior para um banco do que um país inflacionário.
Por isso, Sr. Presidente, neste momento, coloco-me ao lado daqueles que terão, com essa medida provisória, a mais severa, rigorosa e criteriosa das observâncias. Se for preciso aprová-la, em nome do interesse coletivo, o faremos dentro de uma perspectiva e mediante critérios que não comprometam, de forma nenhuma, a estabilidade da moeda, os recursos do Tesouro, os recursos públicos ou a necessidade de emitir para fazer o sistema se revigorar, porque isso significa, sem dúvida nenhuma, matar na origem a própria essência do Plano: a estabilidade do Real.
Sr. Presidente, não temos preconceito contra o sistema financeiro. Não achamos que o Brasil seja um país explorado pelo sistema financeiro de modo muito diferente do que acontece nos outros países do Terceiro Mundo ou em outros países em desenvolvimento. Os países com baixo nível de poupança dependem do capital, dependem das corporações que têm grande concentração de capital e, portanto, pagam caro ao financiamento das suas economias.
Mas não queremos que, no nosso País, em nome da salvação das instituições financeiras, ponha-se por terra uma conquista que talvez seja a mais consistente até hoje lograda pelo povo brasileiro, que é a da estabilidade da sua moeda, a certeza de que um pequeno salário - como o é o miserável salário mínimo -, apesar de não crescer, basicamente compra os mesmos produtos que comprava há um ano atrás.
Portanto, tenho para mim que essas coisas estão associadas definitivamente e que, de alguma forma, desleixar-se quanto à inflação, permitir sua volta, significa trabalhar como um serviçal do sistema financeiro deste País, Sr. Presidente.
O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JOSÉ FOGAÇA - Ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.
O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador José Fogaça, procede a preocupação manifestada por V. Exª com respeito a se ter a estabilidade da moeda, considerando para isso que é importante resguardar a estabilidade do setor financeiro. No entanto, gostaria de salientar que o Plano Real, em verdade, não prejudicou o sistema financeiro. Este, conforme registra o relatório especial da Gazeta Mercantil sobre os bancos, publicado na segunda-feira, dia 3 de novembro, mostrando a fase de ajuste que passa por fusões e aquisições, denota que: "Tomando setor como um todo, como está a saúde dos bancos brasileiros? Excluídos os estatais, notoriamente descapitalizados e com alto percentual de créditos de liquidação duvidosa a saúde é boa, se os balanços são um bom termômetro." E registra que diversas instituições financeiras, são cinqüenta e nove, aqui listadas, tiveram bons resultados. "Balanços de 59 instituições mostram que os grandes bancos de rede foram atingidos, uns mais outros menos, pelo aperto monetário, pela inadimplência de cliente e pela queda vertical, das receitas de "float" (ganhos que obtinham, durante a inflação, com a aplicação no mercado financeiro de depósitos e de outros ativos não-remunerados.) Mas encontraram na captação externa (eurobônus, "commercial paper") e outras modalidades de securitização de dívidas uma saída para, contornando em parte a retenção de depósitos no Banco Central, suprir a demanda de empréstimos. Para os bancos de rede, os passivos em moeda estrangeira ainda têm representado uma apreciável fonte de ganhos, em face da disparidade de taxas entre a captação no exterior e a aplicação no mercado doméstico.
BRADESCO, o maior banco privado , apurou um lucro de R$265 milhões. Este resultado é inferior em 5% ao do primeiro semestre do ano passado e a rentabilidade patrimonial caiu de 7,3% para 6,2%. Mas convém não levar muito à risca a comparação entre os dois períodos, mesmo sendo em moeda constante, pois na passagem de uma moeda inflacionada para uma moeda estável sempre existe um resíduo de inflação não computado. A forte expansão das receitas de operações de crédito, provocadas pelos largos "spreads" entre o custo de captação e o da aplicação, foi acompanhada, no BRADESCO, de expansão muito maior da provisão para créditos de liquidação duvidosa."
Assim, Senador José Fogaça, o balanço, no sentido global, é que a saúde do setor financeiro é boa. Estão alguns bancos e muitos deles procurando se ajustar, reduzindo custos, procurando ser mais eficiência. Houve o problema dos bancos estatais e mais, recentemente, sabe-se de problemas sérios por que tem passado algumas instituições privadas, por exemplo, o caso do Banco Econômico. Fala-se de problemas que poderiam estar ocorrendo com outras instituições privadas nacionais que estariam sendo objeto de negociações para fusões. No entanto, tenho a convicção, Senador José Fogaça, de que precisamos de esclarecimentos mais aprofundados, para que o Governo Fernando Henrique Cardoso que, segundo seus pronunciamentos, inclusive em seu último como Senador, feito na tribuna do Senado, expôs a sua intenção de realização de justiça, de igualdade de direitos, igualdade de cidadania neste País. Esperamos que nesta medida provisória sobre as instituições financeiras não haja qualquer desvio com respeito a esses propósitos maiores, com os quais estamos de acordo.
O SR. JOSÉ FOGAÇA - Senador Eduardo Suplicy, não creio que V. Exª coloque em dúvida o fato de que há um sinal de alarme soando no País. Esse sinal de alarme, se não envolve bancos saudáveis como o BRADESCO, envolve outros. E sabemos que um abalo localizado ou setorial do sistema, como um "efeito dominó", pode se abater sobre todos os demais. Há um sinal notório, inequívoco de que o sistema tem problemas. O diagnóstico é claro, como V. Exª mesmo acaba de reconhecer; os bancos se expandiram, cresceram, abriram agências porque o mundo em que viviam era absolutamente generoso para os seus interesses. O mundo da moeda fraca é o mundo em que os bancos se sentem como peixes dentro d`água. Tanto é verdade que se dão ao luxo de fazer investimentos que hoje se provam demasiados, descabidos, suntuários. Dão-se ao luxo de multiplicar o número de agências, que hoje se prova prejudiciais à competitividade da instituição. Recentemente, a própria Gazeta Mercantil publicou que, em uma feira internacional de software, o único produto vendido como produto fabricado, inventado, criado, gerado no Brasil era de software bancário. O jornal explicava que o Brasil desenvolveu o mais sofisticado e o mais qualificado software para o sistema computacional-financeiro do mundo. E aqui tivemos a capacidade, ou a necessidade, de produzir esse tipo de software para atender à complexidade operacional de um sistema que vivia debaixo de uma inflação, como foi registrado aqui, que chegou a 5 mil por cento, num período de 12 meses. E por que se investiu tanto em um produto como este? Por que houve recursos, concentração de capital, para gerar esse tipo de produto? Porque o dinheiro vinha aos borbotões. O capital gerado pelo esforço do trabalho nacional era carreado para o sistema financeiro, e é contra isso que temos de lutar com todas as forças. Valorizar o sistema produtivo, valorizar o trabalho, permitir que um sistema financeiro saudável conviva com um sistema produtivo forte e em crescimento, mas não fazer a volta, o retorno àquele período em que a economia do País tinha uma espécie de sorvedouro final, definitivo, de todas as energias, de todos os recursos, do trabalho, do suor do povo brasileiro para o sistema financeiro, para os bancos deste País.
Portanto, Sr. Presidente, faço esse registro e digo, mais uma vez, com toda a veemência que possa ter neste momento, que hoje, mais do que nunca, estou convicto de que não é possível ter qualquer tipo de desleixo ou de indisciplina para com o problema da inflação. Qualquer desleixo, qualquer indisciplina, qualquer descuido, qualquer gesto de irresponsabilidade significa trabalhar para os bancos, tornar-se serviçal do sistema financeiro.
Muito obrigado, Sr. Presidente.