Discurso no Senado Federal

REGISTRANDO A LIBERTAÇÃO DE DIOLINDA ALVES DE SOUZA E MARCIO BARRETO, BEM COMO A REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA DE LIDERES DOS SEM-TERRA. COMENTARIOS AS ALEGAÇÕES DO SR. EDSON ARANTES DO NASCIMENTO, MINISTRO DOS ESPORTES, QUANTO AO VINCULO DE POLITICOS BRASILEIROS A CORRUPÇÃO. A DISCRIMINAÇÃO SOCIOECONOMICA DOS NEGROS NO BRASIL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. POLITICA SOCIAL.:
  • REGISTRANDO A LIBERTAÇÃO DE DIOLINDA ALVES DE SOUZA E MARCIO BARRETO, BEM COMO A REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA DE LIDERES DOS SEM-TERRA. COMENTARIOS AS ALEGAÇÕES DO SR. EDSON ARANTES DO NASCIMENTO, MINISTRO DOS ESPORTES, QUANTO AO VINCULO DE POLITICOS BRASILEIROS A CORRUPÇÃO. A DISCRIMINAÇÃO SOCIOECONOMICA DOS NEGROS NO BRASIL.
Aparteantes
José Roberto Arruda, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1995 - Página 3249
Assunto
Outros > JUDICIARIO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DECISÃO, JUIZ, MUNICIPIO, PIRAPOZINHO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REVOGAÇÃO, PRISÃO PREVENTIVA, LIDER, SEM-TERRA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO SOCIAL, SITUAÇÃO ECONOMICA, MINORIA, BRASIL.
  • REGISTRO, COMENTARIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO, ESPORTE, RELACIONAMENTO, POLITICO, CORRUPÇÃO, BRASIL, DEFESA, AMPLIAÇÃO, VOTO, NEGRO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu gostaria, em primeiro lugar, de registrar a libertação ontem de Diolinda Alves de Souza e de Márcio Barreto, bem como a revogação da prisão preventiva dos demais líderes do Movimento dos Sem-Terra, José Rainha.

A decisão do Juiz de Pirapozinho finalmente foi de bom senso. Não havia razão para que pessoas neste País, por estarem indicando a necessidade de realização de reforma agrária, estivessem detidas. Dezessete dias de prisão!

Ora, Sr. Presidente, neste mesmo período o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, solicitou ao Embaixador do Brasil na Nigéria que voltasse, porque considerou ter havido desrespeito aos direitos humanos naquele país, em função da condenação e execução à morte de nove pessoas que representavam um importante movimento político naquele país. A prisão de Diolinda e Márcio teve a característica de prisão política.

Aliás, Sr. Presidente, é importante a preocupação do Presidente Fernando Henrique Cardoso com respeito aos direitos humanos. Às vésperas de estarmos homenageando Zumbi dos Palmares pelos trezentos anos de sua morte, é importante que estejamos a refletir sobre a violência que ocorre no País contra negros, contra trabalhadores, contra índios, contra aqueles que nas praças, como a Praça da Sé em São Paulo, como a Candelária no Rio de Janeiro, como em muitos outros lugares, estão sendo objeto da violência social, da discriminação, quando não até de atentados e morte.

Sr. Presidente, faz-se necessário nesta véspera do dia 20 de novembro que estejamos a lembrar as cenas que ocorrem no Brasil de 1995 e que, infelizmente, relembram o episódio do aniquilamento por Domingos Jorge Velho daqueles que estavam no Quilombo de Palmares e em outros perto da Serra da Barriga, em Alagoas.

Sr. Presidente, no início desta semana, o Ministro Extraordinário dos Esportes, Edson Arantes do Nascimento, comentou que, infelizmente, no Brasil, a imagem do político está relacionada à corrupção. Comentou também Pelé que os negros deveriam votar mais nos negros. Alguns estranharam e criticaram violentamente as palavras de Pelé; outros, sobretudo, aqueles da comunidade negra, saudaram as palavras de Pelé; muitos até registraram que de há muito esperam de Pelé que ele assuma inteiramente a sua origem afro-brasileira, a sua negritude.

Gostaria de ponderar que as palavras de Pelé devem servir como um alerta ao Congresso Nacional e a todos os políticos. No sentimento expresso por Pelé, há muito de verdade, em que pese o fato de que grande parte dos que trabalham no Congresso Nacional o fazem com a maior seriedade e honestidade de propósitos, de ação. É fato concreto, é fato da história. Infelizmente houve muitos registros aqui, houve muitos no Executivo. Nós mesmos tivemos a tarefa de erradicar pelo menos parte do tecido canceroso que estava nos atingindo. Foram verdades oriundas do diagnóstico da CPI sobre o caso Paulo César Farias que levaram ao afastamento do Presidente Fernando Collor de Mello. Também na CPI sobre o Orçamento, nós observamos fatos que levaram grande parte do povo brasileiro a pensar que, dentre os políticos, há muitos que agem incorretamente.

Pelé recomendou que os negros deveriam escolher mais negros para os representar. Não é significativo o fato de, na Câmara dos Deputados, dos 513 Deputados, haver apenas 11 Parlamentares negros, somente 6 dos quais, segundo o Deputado Paulo Paim, realmente, assumindo a sua origem afro-brasileira.

Não é um fato que, no Senado, dos 81 Senadores, relativamente poucos são de origem afro-brasileira. Não poderia aqui dizer exatamente quantos são, mas lembro, que no Partido dos Trabalhos, por exemplo, Benedita da Silva e Marina Silva, têm dito da importância de estarmos olhando para a situação do negro no Brasil.

Ora, Sr. Presidente e Srs. Senadores, é claro que negros e brancos e índios e amarelos e pessoas de qualquer origem e raça podem e devem votar em pessoas de toda origem e raça, desde que estejam comungando dos ideais mais amplos, dos ideais que afirmem a vontade de libertação, de igualdade de direitos, a vontade que foi a de Zumbi de Palmares de formar uma sociedade mais fraterna, solidária, onde estariam presentes brancos, judeus, índios e negros - estes em maioria, porque ali estavam se libertando, fugindo da escravidão.

Sr. Presidente, ainda em minha vida gostaria de poder votar em um negro para a Presidência da República. Como branco, gostaria de, em vida, ainda ter a possibilidade de ver um brasileiro assumir os ideais maiores, que são os da Humanidade, que são os de Zumbi de Palmares, que venha resgatar a cidadania de negros que sofreram extraordinariamente no Brasil, os negros cujos nomes não nos lembramos tão bem, porque enorme número está no sistema penitenciário hoje, em virtude de não ter caminhos adequados desde a sua infância, acabando, como meio de sobrevivência, muitas vezes sendo levado ao crime, à violência e à marginalidade.

Mas eu gostaria, Sr. Presidente, de encontrar em breve, ainda em vida, um negro que tenha a garra de um Vicentinho, o anseio de liberdade de um Garrincha, que tenha o senso de oportunidade, a consciência de que é preciso, o quanto antes, no Brasil e em todos os lugares do mundo, repetir o que tem ocorrido na África do Sul com Nelson Mandela. Eu, na África do Sul, sendo branco, votaria numa pessoa como Nelson Mandela, por suas palavras, por sua trajetória de vida.

Espero, Sr. Presidente, que, em breve, possamos ter, no Brasil, alguém que esteja expressando, com clareza, sonhos como aqueles de Martin Luther King, que diante do monumento de Abraham Lincoln disse:

      "Eu tenho um sonho,

      que todos os vales serão elevados

      que todos os morros e montanhas serão rebaixados

      Este será o dia quando todas as crianças de Deus

      serão capazes de cantar com um novo sentido:

      Meu País é para você

      a doce terra da liberdade.

      Para você eu canto.

      Quando deixarmos a liberdade prevalecer,

      quando nós a deixarmos prevalecer em todas as vilas e vilarejos,

      em todos os Estados, em todas as cidades,

      nós poderemos ver chegar o dia em que

      todas as crianças de Deus,

      negras e brancas, judias e gentias, protestantes e católicas,

      serão capazes de se darem as mãos

      e cantar as palavras daquele velho canto espiritual negro:

      Finalmente a liberdade. Finalmente a liberdade.

      Graças a Deus Todo Poderoso,

      Finalmente nós somos todos livres."

Que as palavras de Pelé, Sr. Presidente, sirvam de alerta para todos nós: negros, brancos, amarelos, vermelhos, pessoas de qualquer origem, árabes, judeus, cristãos, católicos, protestantes.

Sr. Presidente, eu presenciei e participei de duas etapas da caminhada que Vicente Paulo da Silva, Presidente da CUT, e 53 sindicalistas fizeram de São Paulo a Aparecida. Estive caminhando, no dia 12, de Caçapava a Taubaté com eles, e no dia 15 presenciei a Missa dos Quilombos, escrita por D. Pedro Casaldáliga e o poeta Hamilton Pereira, Pedro Tierra, e cantada por Milton Nascimento e Zezé Mota, na Basílica de Nossa Senhora de Aparecida, no dia 15. Foi uma missa de extraordinária beleza, com um sentido ecumênico, o sentido que eu gostaria de ver acontecer no Brasil para que possamos, efetivamente, criar uma nação de justiça, uma nação onde possa a terra ser trabalhada por todos, ser objeto de produção, com distribuição, com justiça, para que não haja mais atos de violência e nem a prisão de pessoas como Diolinda e Márcio.

O Sr. José Roberto Arruda - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita brevidade, Senador José Roberto Arruda.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Alberto de Oliveira) - O nobre Orador ainda dispõe de 6 minutos.

O Sr. José Roberto Arruda - Farei um aparte rápido, sem prejuízo do seu deslocamento. Primeiro, quero desejar-lhe boa viagem, Senador Eduardo Suplicy. Em segundo lugar, quero agradecer-lhe, em nome desta improvisada Liderança do Governo, a manifestação de defesa de um Ministro do Governo Fernando Henrique, que V. Exª fez com competência e, sobretudo, com idealismo. Em terceiro lugar, quero me juntar às palavras de V. Exª. Aliás, penso que o Ministro Pelé foi tímido. S. Exª conclamou os negros a que votassem em negros. Eu sonho com uma sociedade ainda mais fraterna, em que todos os brasileiros - negros, brancos, amarelos -, todos nós pudéssemos votar em negros, nas mulheres, nos índios e em todas as minorias, de tal maneira que pudéssemos construir a sociedade fraterna que V. Exª apresenta. Lamento apenas a generalização. Toda generalização, em princípio, incorre em erros. Alguns comentaristas políticos, nos últimos dias, diziam que se fizéssemos a generalização que os jogadores de futebol comumente não se desenvolvem intelectualmente estaríamos cometendo um erro também muito grave, até porque, neste caso, uma injustiça ao próprio Pelé, que mais do que um grande jogador de futebol que a minha geração admira, respeita e idolatra, é o exemplo de um garoto humilde, de família pobre, que mostrou que neste País pode-se sair de uma família humilde, pobre e construir um grande futuro. Este é o País dos riscos, mas é também o País das oportunidades.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador José Roberto Arruda, acredito que Pelé tem aprendido bastante ao longo de sua vida, e, mais recentemente, na sua inserção na vida política. Acredito também que ele ainda tenha muitos passos a dar. Na forma de expressar um sentimento ele pode ter até exagerado, mas o seu alerta foi importante.

O Sr. José Roberto Arruda - Apenas quero dizer que é importante que se sublinhe aqui, no Senado, as palavras de idealismo, de paixão, de sonho do Senador Eduardo Suplicy, porque acredito que quem não é capaz de sonhar contribui menos para a construção de uma sociedade mais fraterna, que é o sonho de V. Exª e, penso, o sonho de todos nós. Parabéns, Senador.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Registro apenas que na Assembléia Legislativa de Pernambuco, por iniciativa do Deputado Estadual Paulo Rubens Santiago, do Partido dos Trabalhadores, foi aprovado, por unanimidade, o Programa de Garantia de Renda Mínima, que V. Exª inclusive está apoiando na LDB. Aproveito a oportunidade para cumprimentá-lo por tal iniciativa.

Senador Lúcio Alcântara, gostaria de poder ouvi-lo...

O Sr. Lúcio Alcântara - Não quero, de maneira alguma, atrapalhar a viagem de V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, mas quero dizer-lhe que a exclusão do negro não acontece só na política. É uma exclusão social, que se dá no empresariado, no meio artístico, nas universidades. É uma decorrência de anos de exclusão econômica e social.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Muito obrigado, nobre Senador Lúcio Alcântara.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1995 - Página 3249