Discurso no Senado Federal

MEDIDAS NEOCLASSICAS ADOTADAS NA ECONOMIA PELO GOVERNO AMERICANO, NOTICIADAS PELA IMPRENSA INTERNACIONAL. CRITICAS A PROPOSTA DE FUSÃO DOS BANCOS, ENCAMINHADA AO CONGRESSO NACIONAL PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL. BANCOS.:
  • MEDIDAS NEOCLASSICAS ADOTADAS NA ECONOMIA PELO GOVERNO AMERICANO, NOTICIADAS PELA IMPRENSA INTERNACIONAL. CRITICAS A PROPOSTA DE FUSÃO DOS BANCOS, ENCAMINHADA AO CONGRESSO NACIONAL PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1995 - Página 3273
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL. BANCOS.
Indexação
  • COMENTARIO, MEDIDAS LEGAIS, ADOÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, CONTENÇÃO, DEFICIT, ORÇAMENTO.
  • COMENTARIO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRITICA, CAPITALISMO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ECONOMIA, SITUAÇÃO SOCIAL, MENOR, POPULAÇÃO CARENTE, BRASIL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ADMINISTRAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL.
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), FUSÃO, BANCOS.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os jornais nos dão notícia de que o Partido Republicano dos Estados Unidos resolveu aplicar uma dose de neoclassicismo, de monetarismo e de enxugamento sobre o Governo Clinton. Logo o Governo Republicano, que, prometendo adotar as medidas neoclássicas na economia norte-americana, inaugurou ali, no tempo do Presidente Bush, o "bushianismo", a promessa de enxugamento econômico.

Foi o Presidente George Bush, republicano, que elevou o déficit orçamentário dos Estados Unidos para US$320 bilhões. E, depois, o seu sucessor, também republicano, fez com que a dívida pública americana se aproximasse ou ultrapasse os US$4 trilhões.

Agora, os republicanos, em maioria no Congresso, impõem ao Governo Clinton a camisa-de-força que o FMI impõe aos brasileiros e aos latino-americanos há muitos anos - o equilíbrio orçamentário. Dizem os republicanos que o Presidente Bill Clinton não poderá aumentar a dívida pública dos Estados Unidos além de US$4,9 trilhões. O Presidente Bill Clinton sabe que impor limite à dívida é a mesma coisa que cassar-lhe o mandato. O capitalismo não funciona sem dívida pública. O capitalismo não pode tentar resolver os seus problemas sem o aumento da dívida pública, principalmente quando ela se encontra, como nos Estados Unidos, nesse nível fantástico de US$4,9 trilhões. Se a dívida pública não aumenta, se os bancos, através do Banco Central - lá, o FED -, resolvem fazer o que o nosso Banco Central fez, aumentando a taxa de redesconto, a taxa de juros, impedindo que o crédito ao consumo pudesse ampliar a capacidade de consumo da sociedade, se isso não ocorre, está-se condenando a sociedade a uma crise profunda. É por isso, para evitar essa crise, para ampliar a capacidade de consumo, que os Estados Unidos devem hoje, no total - dívidas do Governo Federal, dívida externa e dívidas de famílias e empresas -, cerca de US$18 trilhões. Ou seja, os americanos já consumiram, já gastaram aquilo que vão ganhar nos próximos três anos.

Não temos o Partido Republicano para nos impor o que os republicanos não fizeram durante o seu governo: o enxugamento, a demissão de funcionários, a redução dos recursos dedicados ao social. Nos Estados Unidos, apesar da gastança de dinheiro que o Poder Central dá direito, existem mais de 40 milhões de cidadãos norte-americanos sem qualquer cobertura de saúde pública ou privada, de ensino e de aposentadoria. Mais de 40 milhões de cidadãos americanos estão completamente à mercê de sua sorte. Aqui, no Brasil, repetimos, perversamente, aquilo que os Estados Unidos dizem que fazem, mas que, na prática, jamais cumpriram.

Nos últimos 60 anos, o Governo Federal dos Estados Unidos apresentou 57 anos de déficit orçamentário. Aqui, lutamos para ter um superávit na balança comercial. De 1971 para cá, os Estados Unidos apresentam constante e crescente déficit - não superávit - na balança comercial, déficit esse que já atingiu a proximidade de US$170 bilhões num só ano.

Os Estados Unidos valorizam o dólar para comprar barato e ampliar a capacidade de compra de seu mercado, achatando os preços com essas importações que ajudam o Japão, a Alemanha, a França a se livrar do excedente de mercadorias, empurrando-as para o grande mercado norte-americano.

Todo esse processo, obviamente, teria um termo violento se o Orçamento Federal dos Estados Unidos fosse equilibrado, como pretende o Partido Republicano impor aos democratas.

No Brasil, estamos diante de uma situação muito pior do que aquela. Realmente, o Governo não consegue perceber - embora o nosso Presidente tenha escrito sobre isso várias vezes - que o encontro da oferta e da demanda, num nível de pleno emprego automático, através das forças de mercado, é algo impossível e jamais existiu em toda a história econômica do capitalismo, em qualquer País.

Portanto, jogar nas costas do mercado um equilíbrio em que a mão invisível se transforma na mão genocida, que coloca 2 milhões de crianças, entre 10 e 15 anos, na prostituição, que coloca 31 milhões de criaturas abaixo da linha da pobreza, que mantém 11 milhões de excluídos sem terra e sem teto, que coloca os necessitados da saúde na situação em que vemos, que eles merejam, equilibrar-se fetichistamente o Orçamento para desequilibrar a vida, para desequilibrar a saúde, para desequilibrar a educação, em nome desse fantástico equilíbrio orçamentário que os Estados Unidos jamais adotaram e que qualquer economia nunca praticou, em nenhum período de sua existência, parece-me realmente genocida.

Agora, o que vemos no Brasil?

O Banco Central, no que há de principal em suas atividades, mantém o oligopólio do poder, do autoritarismo - o Banco Central, sim, é um órgão autoritário. Os tecnocratas herdaram, no Brasil, o poder dos militares. Esse poder não veio, quando acabou o regime militar, nem para o Legislativo, nem para o Executivo, passou para as mãos da tecnoburocracia brasileira.

O Banco Central e o BNDES, órgãos discricionários, colocam toda a sua força a serviço dos privilégios.

Nos Estados Unidos existem pouco mais de 12 mil bancos, e, lá, o FED - Federal Reserve Board foi fundado em 1912. E diz a História Econômica dos Estados Unidos que o FED foi fundado em 1912 porque, em 1907, um banco, o Knickenbroken Bank, que especulava o material ferroviário, principalmente o cobre e o ferro, quebrou, provocando uma grande crise na economia dos Estados Unidos. Então, teria sido fundado o Banco Central para impedir que os bancos quebrassem. É isso que aprendem os nossos PHDs quando vão para lá estudar: que banco não pode quebrar, porque o FED, baseado na economia de mercado, na economia do risco, foi fundado para impedir que bancos quebrassem.

Mas, em 1932, já com três anos da grande depressão de 1929, cinco mil bancos norte-americanos quebraram, com ou sem FED. Portanto, não pensem esses tecnocratas de nosso Banco Central que têm o poder de impedir aquilo que, para nós, parece, realmente, a subversão das coisas. Como pode um sistema bancário que, há três anos, se apoderava de 28% da renda nacional - cerca de 150 bancos, e não os 12 mil dos Estados Unidos, dos quais, na realidade, os importantes não passavam de 15 -, se apropriar de 28% da renda nacional, o equivalente à soma do que ganham todos os trabalhadores do Brasil? Isto é de estarrecer. E agora o sistema instaurado no Banco Central, encastelado no Banco Central, para enxugar, de acordo com as regras do FMI, aumentou a taxa de redesconto - esse número é tão elevado que não tenho muita confiança em dizê-lo. A taxa de redesconto teria subido a 83%, ou seja, dos depósitos feitos pelos correntistas, apenas 17% poderiam ser emprestados para criar, assim, a moeda escritural.

Esse processo de enxugamento manietou o sistema bancário de tal forma que aquele sistema "midásico", que transformava tudo em ouro, que se apropriou de 28% da renda nacional, agora, encontra dois problemas pela frente: a redução da taxa de juros e, portanto, as grandes remunerações que esse sistema tinha ao rolar a dívida pública - os papéis e títulos da dívida pública -, remuneração esta que os bancos brasileiros repassavam, em parte, aos comerciantes e aos industriais. Portanto, relação de mútua dependência se construiu em torno dos agiotas do banco e daqueles que colocavam seus dinheiros no over, no open, comerciantes e industriais que passaram a ter um lucro extra-operacional, um lucro especulativo, superior em muitas vezes ao próprio lucro operacional.

Desaparecido ou reduzido o lucro não-operacional, o lucro especulativo, e é óbvio que a crise terá que se aprofundar. E o sistema bancário brasileiro, oligopólico, centralizado em poucas mãos, cresceu como um cogumelo, e agora se encontra diante de uma situação realmente difícil. Como irrigar com o lucro esse capital correspondente e formado no auge da especulação? Reduzida a especulação não há como manter esse capital. Então, a rede bancária brasileira promete demitir - a rede privada - 180 mil bancários para enxugar os seus custos. E, finalmente, US$38 bilhões, que se encontram no redesconto, que foi o resultado desse enxugamento excessivo, que levou os brasileiros à fome, outros à falência, outros à concordata, que não poupou sequer as grandes empreiteiras.

Encontram-se à disposição US$38 bilhões dos autocratas do Banco Central e querem que engulamos também a Medida Provisória nº 1.179, de 3 de novembro de 1995, que autoriza a todos os bancos que tiveram prejuízo serem custeados pela sociedade brasileira. Ou seja, no processo de fusão ou de incorporação, aquela parte negativa do patrimônio poderá ser descontada no Imposto de Renda. Portanto, a instituição a ser incorporada deverá contabilizar como perdas os valores dos créditos de difícil recuperação, observadas para este fim normas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Então, os bancos que muito emprestaram, sem qualquer critério, agora, terão os seus empréstimos feitos - sabe Deus como - incorporados, socializados, estatizados nesse processo de privatização e desestatização vigente.

A dívida, o prejuízo é estatal; as doações são para o público - não sabemos a qual público se destina.

Assim, as instituições incorporadas poderão registrar, como ágio, na aquisição do investimento, a diferença entre o valor de aquisição e o valor patrimonial da participação societária adquirida.

Quer dizer, arcaremos, também, com essa desvalorização patrimonial. Não é o mercado que manda? Não é o mercado que governa? Se o mercado já apontou os ineficientes, já apontou aqueles que não conseguiram sobreviver às leis do mercado, que é agora o sistema financeiro nacional, os bancos nacionais, por que não deixar que o mercado atue sobre eles? Será que esse mercado só existe para achatar salários, para liquidar sindicatos, para desarmar a força dos trabalhadores e deixá-los à mercê da ditadura do mercado livre?

Para os banqueiros não existe o mercado, a concorrência e nem a falência. Existe apenas as benesses desse sistema despótico e autoritário.

Portanto, US$38 bilhões, que resolveriam todos os problemas do Ministro Adib Jatene, todos os problemas da reforma agrária, todos os problemas da educação, ficam lá, nas mãos, no poder, no alvedrio desses tecnocratas que foram aos Estados Unidos para aprenderem esses absurdos - entre eles, ouvi falar de um dos mais eminentes deles, num debate que participei - de que banco não pode quebrar. É isto que eles aprendem lá. E o Banco Central tem que funcionar, não para mostrar aos depositantes que eles estão correndo o risco de perderem seus depósitos, porque a situação do banco não está sólida, não para proteger a sociedade, mas para impedir que os grandes bancos, que ontem se apropriavam de 28% da renda nacional, venham a falir.

Há um ano e meio, o companheiro Lula e eu fizemos uma visita ao Presidente da Venezuela, e durante todo o tempo o Presidente da Venezuela só se referia à falência dos bancos venezuelanos. Esta Cassandra que aqui fala, escreveu em 1985, que chegaria a vez e a hora de os bancos brasileiros falirem. A hora ainda não chegou, e vemos que se essa atitude do Banco Central for adotada e consagrada nesta Medida Provisória só haverá a falência de bancos depois que o próprio Banco Central tiver falido, ou seja, depois da falência total da sociedade brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1995 - Página 3273