Discurso no Senado Federal

A DESCOBERTA DA CAPRINOCULTURA COMO ALTERNATIVA ECONOMICA PARA O SERTÃO NORDESTINO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PECUARIA.:
  • A DESCOBERTA DA CAPRINOCULTURA COMO ALTERNATIVA ECONOMICA PARA O SERTÃO NORDESTINO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1995 - Página 3275
Assunto
Outros > PECUARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, CAPRINO, ALTERNATIVA, ECONOMIA, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, PRODUTO, DERIVADOS, PECUARIA, CAPRINO, ALIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, REGIÃO NORDESTE.

           O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nada há mais tolo que prejulgar, com base nos usos pretensamente modernos e cosmopolitas do Sul urbano e "civilizado", os costumes e tradições do povo sertanejo, enraizados na sabedoria popular. Com que grande freqüência aqueles homens, desassistidos e esquecidos por nossos governantes, encontram e nos apresentam as melhores soluções para os problemas da sobrevivência humana e da produtividade econômica, naquelas regiões tão castigadas pela inclemência do clima e pela injustiça social.

           Esse é, por exemplo, o caso da "descoberta" da caprinocultura como alternativa econômica para o sertão nordestino. Por séculos, o povo do sertão vem fazendo da criação de caprinos uma forma de viabilizar sua subsistência nos anos em que a seca os impede de obter alimento e sustentação econômica de suas plantações. A grande resistência física desse gado, miúdo, aliada à sua capacidade de se nutrir de praticamente qualquer coisa, possibilita sua manutenção mesmo em condições extremas de estiagem e desaparecimento de vegetação. Sua adaptação ao ambiente sertanejo é tão impressionante que somente um Euclides da Cunha, que tão bem descreveu o homem do lugar, estaria capacitado a empreender tal tarefa para os caprinos com o devido sucesso de expressão. Escusar-me-ei de tentá-lo, Sr. Presidente.

           Direi, sim, que a criação de cabras fornece, aos trabalhadores rurais e aos pequenos lavradores, o leite, o queijo, a carne e os miúdos que constituem sua principal fonte de suprimento proteico. Além disso, podem utilizar o esterco como fertilizante em suas hortas, produzindo mais alimento, e vender as peles, gerando renda. Assim se dá, por exemplo, com pessoas como o adolescente Reinaldo dos Santos, de Sumé, no Cariri paraibano, entrevistado pelo repórter da Folha de S. Paulo em artigo publicado no dia sete deste mês na seção "Agrofolha". A seca deste ano lhe causou pesadas perdas na plantação de três hectares, de onde só conseguiu colher dois sacos de milho e um de feijão. As dez cabras que mantém, estas não lhe faltaram: retira delas três litros diários de leite, o que garantiu à sua família a travessia do período sem ser mais afligida pela fome.

           Mesmo os médios e grandes fazendeiros da região encontram na caprinocultura um alternativa econômica altamente lucrativa, que vem crescendo e já movimenta, hoje, cerca de um bilhão de reais por ano, o que representa um por cento do Produto Interno Bruto de todo o Nordeste. Manoel Dantas Vilar, de Taperoá, também entrevistado pela Folha de S. Paulo, desistiu de plantar em seus cinco mil hectares para se dedicar inteiramente à caprinocultura. Com mil e duzentas cabeças, suas fazendas produzem trezentos litros diários e abastecem os supermercados do Recife, de João Pessoa e de Campina Grande, além de fabricar queijo.

           Srªs e Srs. Senadores, a caprinocultura no sertão é a mais cabal demonstração do fato de que instituições oficiais, quando decidem investigar a razão por trás das descobertas empíricas do povo, em vez de tentar reinventar a roda, sempre conseguem resultados notáveis. É o que tem acontecido à Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba, que vem desenvolvendo, há dezesseis anos, um trabalho sistemático de aprimoramento genético do rebanho caprino do Nordeste. O cruzamento de cepas nativas com raças importadas da Itália, da Alemanha e da Inglaterra já trouxe como resultado a criação de mestiços resistentes às condições da região e bem mais produtivos. A produção de leite, por exemplo, pôde ser aumentada de um para até mais de três litros diários. O peso médio dos animais, por outro lado, aumentou em até vinte e cinco por cento.

           O resultado mais importante dessa atuação de uma instituição governamental de pesquisa, porém, tem sido o despertar de mercados potenciais para produtos da região, o que deverá contribuir para a redução da miséria endêmica do sertão. Não somente as regiões Sul e Sudeste podem expandir seu consumo de produtos da caprinocultura; países do Mercosul e da comunidade européia já demonstraram interesse pela importação do leite e da pele de cabras. Para atender ao mercado europeu, primordialmente voltado para o leite de cabra em pó, o Governo paraibano decidiu implantar no Cariri uma usina de beneficiamento, que deverá estar em operação no próximo ano.

           Desse modo, Srªs e Srs. Senadores, uma cultura secular do sertanejo demonstra ser uma via real para a inserção do Nordeste na economia globalizada mundial. Mais uma vez se prova ser realmente um forte aquele "Hércules-Quasímodo" descrito por Euclides da Cunha na famosa segunda seção de seu Os Sertões.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1995 - Página 3275