Discurso no Senado Federal

CONTRIBUIÇÃO DO EXERCITO BRASILEIRO A REFORMA AGRARIA, COM A DOAÇÃO DE SEU PATRIMONIO. NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DAS FAMILIAS ASSENTADAS COM AS MINIMAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONTRIBUIÇÃO DO EXERCITO BRASILEIRO A REFORMA AGRARIA, COM A DOAÇÃO DE SEU PATRIMONIO. NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DAS FAMILIAS ASSENTADAS COM AS MINIMAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/1995 - Página 4486
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, PROCESSO, REFORMA CONSTITUCIONAL, VIABILIDADE, RETOMADA, PERIODO, DESENVOLVIMENTO, PRIORIDADE, REFORMA AGRARIA.
  • REGISTRO, INICIATIVA, EXERCITO, DISPOSIÇÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), MINISTERIO DA AGRICULTURA, DO ABASTECIMENTO E DA REFORMA AGRARIA (MAARA), TERRA DEVOLUTA, VIZINHANÇA, RODOVIA, Amazônia Legal, FACILITAÇÃO, MELHORIA, ATENDIMENTO, ASSENTAMENTO RURAL, SEM-TERRA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de ocupar a tribuna hoje para fazer um registro que me parece fundamental nesse novo projeto de País que, neste momento, o Congresso Nacional ajuda a desenhar.

Estou absolutamente convencido de que, depois da estabilização econômica e das reformas constitucionais que estão sendo processadas no Congresso Nacional, este País deve voltar a ter um período de desenvolvimento. Mais do que isso, esse novo modelo de desenvolvimento - e isso me parece ser claro na consciência crítica nacional - não deve repetir os erros dos modelos de desenvolvimento que experimentamos nas últimas décadas. Isso significa que ele não deva ser concentrador, nem ao nível de classe social e muito menos ao nível de regiões.

Se nós todos desejamos um modelo de desenvolvimento que desconcentre oportunidades, parece também ganhar consenso na vida nacional o fato de que é fundamental que o Governo Federal dê prioridade à reforma agrária. E por que a reforma agrária?

Ora, o Brasil é um País de grandes dimensões e grandes desigualdades: de um lado, os grandes latifúndios - e falo especificamente dos latifúndios improdutivos -; de outro, cidadãos brasileiros, como nós, que não têm um metro quadrado de terra, nem para construir a sua casa, nem para um trabalho de sustentação mínima.

Ora, no momento em que o Governo Federal inicia um programa de reforma agrária, há uma primeira e grande dificuldade, que é exatamente a falta de recursos para as necessárias desapropriações legais, para que essas terras sejam colocadas em disponibilidade para o Programa de Reforma Agrária.

O meu pronunciamento de hoje, Sr. Presidente, é para registrar uma iniciativa que me parece importante, sensata equilibrada e, mais do que isso, que pode ser exemplar.

O Mistério do Exército, nesta semana, oficialmente colocou em disponibilidade para o Ministério da Reforma Agrária terras num total de seis milhões e duzentos mil hectares, terras devolutas que já estavam reservadas ao uso especial do Exército, áreas afetadas já ao uso especial do Exército. E, mais do que isso, o Exército brasileiro dá uma contribuição fundamental, que é a de colocar, na Amazônia Legal - especificamente na Amazônia Legal, a qual V. Exª, que preside esta sessão, conhece tão bem -, na faixa de cem quilômetros de largura, em cada lado do eixo das rodovias, bem como nas faixas de fronteira, terras, numa área total de seis milhões e duzentos mil hectares, à disposição para serem usadas num programa de reforma agrária.

Faço dois registros aí: o primeiro, o fato de o Exército brasileiro, que notoriamente tem uma cultura histórica de preservar o seu patrimônio e é normalmente conhecido por alguns setores da sociedade - e há registros históricos até que justificam isso - pelo excesso de conservadorismo na gestão desse patrimônio, mostrar que tem renovado a sua cultura própria e entender os problemas nacionais acima dos problemas específicos - ainda que justos - do próprio Ministério, colocando seis milhões e duzentos mil hectares de terras à disposição para a reforma agrária. Este é o primeiro registro.

O segundo é que alguns países do mundo - conheço particularmente o caso de Portugal, mas é claro que existem outros - que tiveram um programa de reforma agrária razoavelmente eficaz só conseguiram isso porque chegaram à conclusão de que reforma agrária não é só dar um pedaço de terra. Quando se dá a uma família carente, sem propriedade, apenas o pedaço de terra, o que ocorre logo depois é a especulação imobiliária, é o repasse dessa área ou a total impossibilidade dessa família fazer com que essa área seja produtiva e gere recursos para a sua automanutenção.

Ao contrário, os programas de reforma agrária que deram certo, de que se tem notícia no mundo, são programas globais, que além da terra concedem equipamentos agrícolas mínimos, condições de fomento do início de produção, educação básica na área agrícola. Mais do que isso, concedem áreas onde exista água, energia elétrica, enfim, que tenham condições mínimas para a sobrevivência de uma família e para que se faça com que a terra, efetivamente, seja produtiva.

Ora, quando se reservam áreas de terra ao lado das rodovias é algo novo que está acontecendo no Brasil. Na verdade, em todas as tentativas frustradas a que assistimos de reforma agrária, as terras colocadas em disponibilidade, normalmente, eram longe das rodovias, muitas vezes sem disponibilidade de água e, muito menos, de energia elétrica.

No instante em que o Exército brasileiro tem a sensibilidade de colocar em disponibilidade terras exatamente à margem das rodovias, por onde vai escoar a produção, isso é um sintoma claro de que este exemplo pode dar certo e, mais do que isso, aqui está uma possibilidade de início de um projeto de reforma agrária eficaz.

Nós assistimos ao processo de formação das cidades brasileiras. Ele se dá exatamente nas margens das ferrovias e das rodovias. Até se contam histórias jocosas de que as cidades brasileiras começavam com uma igreja, algumas pequenas casas, à beira da estação de trem, um pequeno armazém; logo depois chegavam as Casas Pernambucanas  (pena que hoje não haja tantas Casas Pernambucanas nos Municípios brasileiros). Enfim, essa era a história da formação das cidades brasileiras. Iam começando aqueles vilarejos, sempre nas margens das estradas. Por quê? Porque são as margens das estradas que dão condições mínimas de sobrevivência, de chegada e saída de produtos, de acesso das pessoas. É uma coisa absolutamente natural. E se isto é natural da cultura brasileira, penso que não se tem de inventar coisas novas.

É claro que o projeto de reforma agrária deve começar por aí também. Vou até mais além. Quem sabe com esse exemplo do Exército nós, principalmente nas regiões mais carentes - e são as regiões mais carentes que detêm os grandes latifúndios - pudéssemos trabalhar, na reforma agrária, exatamente nessas terras que margeiam as grandes rodovias? Porque são essas terras que podem dar condições aos pequenos agricultores de fazer com que os projetos sejam viáveis.

Eu gostaria de dizer, também, Sr. Presidente, que nós assistimos, que a sociedade brasileira assiste, ainda perplexa, ainda sem opinião pública consensual, o Movimento dos Sem-Terra. De um lado, claramente identificado com o conceito de que todos os brasileiros são iguais, de que todos mereceriam condições mínimas de sobrevivência e de vida produtiva; de outro lado, a violência, os exageros, as invasões de terras produtivas, as reações, muitas vezes exageradas e violentas também. E este é um País que não tem uma história de grandes conflitos sociais.

A nossa geração tem, neste momento, um desafio: se nós conseguirmos que o projeto de reforma agrária seja rápido e chegue antes do agravamento dos conflitos sociais, a reforma agrária poderá ser mais justa. Se, ao contrário, nós ficarmos paralisados em planos, idéias, palestras, seminários, em teses acadêmicas, é claro que o Movimento dos Sem-Terra tende para o exagero, tende para a violência, o que não é bom para ninguém, para nenhum segmento organizado da sociedade e nem para a sociedade como um todo.

Pensando nisso é que aproveito este momento, na tribuna do Senado, para enfatizar a idéia de que o Exército brasileiro, ao colocar 6 milhões e 200 mil hectares de terra em disponibilidade para o programa de reforma agrária, dá duas contribuições ao País: a primeira, a da disponibilidade da terra propriamente dita; a segunda, e mais importante, a do exemplo. Se todos os que são detentores do uso da terra tiverem essa mesma visão dos problemas globais do País, penso que poderemos, ainda que sem os recursos necessários às desapropriações, fazer um estoque de terras que seja minimamente suficiente para o início efetivo de um programa de reforma agrária que atenda às necessidades da sociedade brasileira.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/1995 - Página 4486